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Cinema

- Publicada em 29 de Maio de 2020 às 03:00

Geração sacrificada

Hélio Nascimento
"Aquilo que não se esperava na cinematografia nasceu, parece, na Polônia. Antes mesmo que os franceses tivessem começado a dissimular as suas opiniões na sombra dos problemas de nossos dias, os poloneses sabiam, desde há muito, tratá-los de modo enigmático. Enigmático, porque seria de se esperar, desse país situado na Europa Oriental, simplificações e otimismo. E foi justamente a Polônia que nos deu uma alegoria, com Dois homens e um armário, e uma fantasmagoria, com Kanal. A Polônia é provavelmente o único país, outrora ocupado, que entendeu que os problemas referentes à Resistência não podem ser expressos na base de preto e branco, que este período está repleto de dilemas perturbadores. E também nenhuma cinematografia soube exprimir tão perfeitamente os efeitos monstruosos da guerra."
"Aquilo que não se esperava na cinematografia nasceu, parece, na Polônia. Antes mesmo que os franceses tivessem começado a dissimular as suas opiniões na sombra dos problemas de nossos dias, os poloneses sabiam, desde há muito, tratá-los de modo enigmático. Enigmático, porque seria de se esperar, desse país situado na Europa Oriental, simplificações e otimismo. E foi justamente a Polônia que nos deu uma alegoria, com Dois homens e um armário, e uma fantasmagoria, com Kanal. A Polônia é provavelmente o único país, outrora ocupado, que entendeu que os problemas referentes à Resistência não podem ser expressos na base de preto e branco, que este período está repleto de dilemas perturbadores. E também nenhuma cinematografia soube exprimir tão perfeitamente os efeitos monstruosos da guerra."
O texto acima, de autoria de Dilvs Powell, foi publicado na edição de 7 de janeiro de 1962 do Sunday Times, de Londres, e transcrito na apresentação do volume Cinema Polonês Hoje, publicado pela Massao Ohno Editora e pela Cinemateca Brasileira, e colocado à disposição do público por ocasião da mostra do cinema polonês, realizada aqui em Porto Alegre, em 1963, no Salão de Atos da Ufrgs pelo Clube de Cinema e outras entidades. Os filmes citados foram realizados por Roman Polanski e Andrzej Wajda. O primeiro é um curta-metragem, realizado em 1958, e o segundo, produzido em 1957, é o opus 2 da filmografia de Wajda, que antes havia realizado, em 1955, Geração, um filme que, até pelo título, antecipava um dos temas mais importantes do cineasta.
Kanal, que causou grande repercussão ao ser exibido no Festival de Cannes, reconstituía o levante de Varsóvia e acompanhava a tentativa de fuga de um grupo de combatentes antinazistas através dos esgotos da cidade. Na sequência final, o casal, encontrando a grade em vez de uma saída para o rio, era um símbolo poderoso ao transpor para o presente o tema da prisão, uma poderosa alegoria sobre a situação vivida pela Polônia da época. Mas a grande surpresa surgiria em l958, quando Wajda realizou um dos grandes filmes da história do cinema: Cinzas e diamantes.
Numa época em que o cinema - ou pelo menos grande parte dele - se transforma em mecanismo destinado a impor obstáculos ao processo de amadurecimento humano, tornando-se escravo e divulgador de superficialidades, é importante lembrar que houve uma época na qual, na tela ampla, apareciam temas e situações que procuravam atingir a essência de um processo histórico. É claro que o pior dos filmes reflete os valores cultuados por uma época medíocre, sendo justa qualquer atenção dedicada a essa parte da produção por parte de quem pretende entender certos períodos. Mas mais importante ainda é atenção a ser dirigida a filmes que sejam a expressão de um intuito destinado a revelar o oculto e o não inteiramente exposto.
É o caso de Cinzas e diamantes, que tem, entre outros méritos, o de focalizar as inquietações e expor os problemas que iriam resultar, anos mais tarde, no fim de um regime imposto aos países do Leste europeu por uma das potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial. Cinzas e diamantes é o primeiro filme realizado num país governado por um único partido a focalizar o inimigo, no caso um jovem criado numa violência da qual não pode se livrar, sem esquecer e até salientar que a figura humana é essencial se o objetivo é contemplar com lucidez uma época difícil.
Há muitas cenas antológicas neste filme admirável, uma delas é quando se concretiza o atentado ao chefe do Partido Comunista. É um doloroso encontro de pai e filho, com o primeiro morrendo nos braços do assassino, enquanto fogos de artifício saúdam o final da guerra. O que acontece a seguir resume todo o drama, a fuga desesperada do jovem e sua morte no lixo expressando o drama vivido por uma geração.
O filme é também uma expressão vigorosa de como o cinema pode ser lúcido e ao mesmo tempo emocionante quando se afasta do maniqueísmo, este produto da irracionalidade e criador de espaços onde imperam normas destinadas a empobrecer mentes e impedir que sejam afastadas as cinzas que ocultam os diamantes.
 
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