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Cinema

- Publicada em 14 de Fevereiro de 2020 às 03:00

Inocência manipulada

São muitas as referências utilizadas com o intuito de ligar Jojo Rabbit a filmes que utilizaram a ironia e a sátira para expor o ridículo do nazismo e seus perigos. Desde Chaplin até Mel Brooks, a lista de citações não tem sido pequena. Todas elas são corretas, mas uma ausência chama a atenção, até porque uma determinada cena foi pioneira ao expor, mesmo que de forma cômica, uma complexidade da qual costumam fugir aqueles interessados apenas em lembrar as atrocidades praticadas pela extrema-direita alemã durante a Segunda Guerra Mundial. Trata-se do epílogo de Esperança e glória, filme britânico realizado por John Boorman em 1987. O epílogo, antológico e surpreendente, capta a euforia de um menino ao saber que não haverá aulas durante alguns dias, pois sua escola havia sido bombardeada durante a noite. Olhando para o céu, o garoto exclama: "obrigado, Adolfo!".
São muitas as referências utilizadas com o intuito de ligar Jojo Rabbit a filmes que utilizaram a ironia e a sátira para expor o ridículo do nazismo e seus perigos. Desde Chaplin até Mel Brooks, a lista de citações não tem sido pequena. Todas elas são corretas, mas uma ausência chama a atenção, até porque uma determinada cena foi pioneira ao expor, mesmo que de forma cômica, uma complexidade da qual costumam fugir aqueles interessados apenas em lembrar as atrocidades praticadas pela extrema-direita alemã durante a Segunda Guerra Mundial. Trata-se do epílogo de Esperança e glória, filme britânico realizado por John Boorman em 1987. O epílogo, antológico e surpreendente, capta a euforia de um menino ao saber que não haverá aulas durante alguns dias, pois sua escola havia sido bombardeada durante a noite. Olhando para o céu, o garoto exclama: "obrigado, Adolfo!".
A ideia do amigo secreto, então sugerida, é agora ampliada no filme dirigido e interpretado por Taika Waititi, que está em cena vivendo o papel de Hitler. A cena do filme de Boorman não é apenas uma forma de acentuar que o humor pode estar presente em qualquer situação. Ela registra a inocência vendo apenas uma pequena parte de um cenário mais amplo. Ao focalizar os métodos de doutrinação de crianças durante o nazismo, o filme de Waititi capta essa manipulação destinada a formar adeptos e criar gerações orientadas para agir de forma violenta diante de qualquer obstáculo. E também acompanha o ritual destinado a plantar o ódio a ser dirigido contra os não arianos. Paralelamente e de forma sutil o cineasta também coloca em cena a figura da mãe, cuja verdadeira personalidade só aos poucos vai sendo revelada ao espectador.
O filme de Waititi, que tem por base um livro de Cristine Leunens, adaptado pelo próprio realizador, é mais um a confirmar como pode ser poderoso o disfarce cômico às vezes utilizado pelo drama e mesmo pela tragédia. Tal máscara, quando cai, pode causar um impacto capaz de resumir, pela emoção que causa, a essência do que está sendo narrado. O diretor só precisa de uma cena para expor a grande tragédia. Porém, tal tema começa a aparecer antes, até se concretizar naquela cena em que o protagonista se depara com a maior crueldade, uma sequência filmada de forma a evitar o explícito, mas suficientemente poderosa para causar um impacto revelador. Em tal momento, Waititi sintetiza a desumanidade transformada em lei posta em prática pelos nazistas, uma força destruidora, cujas causas tinham sido expostas de forma satírica.
Em muitos momentos do filme, o menino como se transforma num agente do totalitarismo, orientado por seu amigo de fantasia, um substituto do pai ausente, que pode ter sido morto em combate, pode ser um desertor ou também um integrante da resistência. O menino então é entregue aos instrutores empenhados em criar robôs humanos destinados a defender o regime. Ao encontrar a menina que vive escondida, começa uma nova fase, quando então o filme altera o tom e acentua a crítica à barbárie então exaltada por um regime que, não sendo o único em crueldade, foi o maior dos flagelos originados em ações de seres humanos.
Waititi abre seu filme com imagens de O triunfo da vontade, de Leni Riefenstahl, um documentário sobre o congresso do partido nazista em Nuremberg, no ano de 1934. Tal filme, cuja importância para o gênero é inquestionável, foi colocado pela revista Cahiers du Cinéma entre os momentos destacados da história do cinema por ocasião do centenário da sessão pioneira dos irmãos Lumière e, segundo o próprio George Lucas, é citado na cena em que os heróis são condecorados no episódio IV de Guerra nas estrelas. O documentário da cineasta alemã é acompanhado por uma canção dos Beatles, provavelmente uma tentativa do diretor em aproximar o nazismo dos tempos atuais. É uma forma de acentuar o vigor de uma ameaça, que pode estar presente nas reveladoras cenas de um documentário como no próprio comportamento humano. Tal método não explora apenas a ingenuidade de crianças, pois age de forma a transformar todos em seres imaturos, facilmente controláveis e destinados a agir como peças de uma engrenagem movida pela irracionalidade.
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