Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Cinema

- Publicada em 27 de Dezembro de 2019 às 03:00

Um olhar para o mundo

Hélio Nascimento
Elia Suleiman não faz o cinema visto todos os dias. Mas não é um corpo estranho no universo cinematográfico. Pelo contrário: sua arte é claramente inspirada por dois mestres - Buster Keaton e Jacques Tati. E também é clara a presença de toques chaplinianos em seu trabalho. Este diretor palestino, interessado em um tipo de narrativa que praticamente dispensa a palavra e procura concentrar-se na imagem, de certa forma atinge a essência do cinema e mostra ao espectador a inesgotável força da imagem e como o olhar humano pode ser um poderoso instrumento do processo destinado a compreender o mundo.
Elia Suleiman não faz o cinema visto todos os dias. Mas não é um corpo estranho no universo cinematográfico. Pelo contrário: sua arte é claramente inspirada por dois mestres - Buster Keaton e Jacques Tati. E também é clara a presença de toques chaplinianos em seu trabalho. Este diretor palestino, interessado em um tipo de narrativa que praticamente dispensa a palavra e procura concentrar-se na imagem, de certa forma atinge a essência do cinema e mostra ao espectador a inesgotável força da imagem e como o olhar humano pode ser um poderoso instrumento do processo destinado a compreender o mundo.
Espalhando humor por quase todo o tempo da narrativa, o realizador constrói um painel do mundo contemporâneo, suas contradições, distorções, loucuras e mazelas. Já na sequência de abertura de O paraíso deve ser aqui ele surpreende o espectador ao transformar a solenidade de uma cerimônia religiosa em revelação de como a agressividade humana é geralmente oculta por rituais rigorosamente obedecidos, mas insuficientes para deter a violência. A brutalidade, que não chega a se tornar explícita no prólogo, é sugerida de uma forma a deixar evidente que há algo reprimido e sempre pronto a se revelar no momento do primeiro impasse. A capacidade de síntese do cineasta se revela nesta magnífica abertura, da qual não estão ausentes o humor e a irreverência.
O cineasta é também notável por não pertencer ao grupo dos que, ao contemplar a contemporaneidade, não conseguem esconder seu rancor e seu olhar de ódio e desprezo. Ele não oculta as imperfeições, mas seu olhar, enquanto não esconde impaciência em lidar com a realidade, reflete distanciamento e ironia. A sequência do pássaro que invade seu apartamento é reveladora, quando ele, sem utilizar a violência, força a saída do intruso, que insiste em impedir seu trabalho. Tal cena parece indicar não apenas a necessidade de isolamento na hora da criação, ao focalizar sinais no espaço daquela violência sonora e visual que acompanha os desfiles comemorativos.
Outra vez o tema dos rituais escondendo a agressividade. A ação começa na terra do cineasta e depois o acompanha em viagens a Paris e Nova Iorque, onde ele, interpretando a si próprio, assim como fizeram Keaton, Tati e Chaplin, procura financiamento para um filme, Ele não poupa o seu mundo, mas também focaliza um personagem que insiste em regar um limoeiro. Um tema que acompanhará todo o filme, como um motivo condutor a simbolizar o futuro, quando, espera o cineasta, as repetições que atuam como forças repressoras serão abandonadas.
Suleiman também lança seus dardos contra preconceitos e limitações de produtores europeus a americanos. Mas como seu filme tem produção de empresas da mesma origem, parece haver em tal campo uma contradição a ser mencionada. Porém, o filme evita generalizações, como na repressão ao anjo nova-iorquino, mesmo sendo severo ao olhar para os chamados centros civilizados, ao mostrar famílias fortemente armadas no momento de fazer compras em supermercados. Em alguns momentos, como na revista no aeroporto, ele se transforma num manipulador, provavelmente não esquecendo que tal processo tem origem em acontecimento terríveis de um passado recente, transformando suas habilidades numa crítica a tempos difíceis de serem enfrentados, como na cena turbulência. E no epílogo, algo que só nas salas de cinema dotadas de som e projeção perfeitas pode ser devidamente apreciado, focaliza a coreografia que representa o futuro distante, como diz o vidente um pouco antes, mas já presente nos movimentos e na animação que a câmera registra.
E o filme também se consolida como um manifesto em defesa do olhar, no caso banhado de ironia. Essa contemplação de um cenário povoado por seres indiferentes, ou amordaçados como a jovem no banco traseiro do carro, é uma exaltação da importância do saber olhar. O filme, portanto, não se limita a ser a crítica de um mundo e a exaltação de um futuro. É também o elogio da lucidez.
 
Conteúdo Publicitário
Leia também
Comentários CORRIGIR TEXTO