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Cinema

- Publicada em 14 de Novembro de 2019 às 03:00

As duas famílias

Hélio Nascimento
No ano de 1963, Joseph Losey, trabalhando sobre um roteiro de Harold Pinter, dramaturgo que recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 2005, realizou o filme O criado. A ideia original não era de Pinter, pois a base de tudo era uma novela de Robin Maugham. Losey, como se sabe, foi um dos cineastas norte-americanos que tiveram de abandonar seu país devido às perseguições do macartismo, que via nos artistas de formação marxista inimigos a serem calados. Quem realmente ganhou com tal política foi a Europa, que recebeu, além de Losey, outros cineastas importantes, entre eles Jules Dassin, que realizou na França um dos mais belos filmes sobre o tema da Paixão de Cristo, Aquele que deve morrer. Losey, que nunca voltou aos Estados Unidos, fez carreira brilhante na Europa. Venceu o Festival de Cannes com O mensageiro e depois de Bergman ter realizado uma notável versão de A flauta mágica, ousou uma aproximação ao universo mozartiano, realizando Don Giovanni, que é um de seus melhores filmes.
No ano de 1963, Joseph Losey, trabalhando sobre um roteiro de Harold Pinter, dramaturgo que recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 2005, realizou o filme O criado. A ideia original não era de Pinter, pois a base de tudo era uma novela de Robin Maugham. Losey, como se sabe, foi um dos cineastas norte-americanos que tiveram de abandonar seu país devido às perseguições do macartismo, que via nos artistas de formação marxista inimigos a serem calados. Quem realmente ganhou com tal política foi a Europa, que recebeu, além de Losey, outros cineastas importantes, entre eles Jules Dassin, que realizou na França um dos mais belos filmes sobre o tema da Paixão de Cristo, Aquele que deve morrer. Losey, que nunca voltou aos Estados Unidos, fez carreira brilhante na Europa. Venceu o Festival de Cannes com O mensageiro e depois de Bergman ter realizado uma notável versão de A flauta mágica, ousou uma aproximação ao universo mozartiano, realizando Don Giovanni, que é um de seus melhores filmes.
Em O criado, Losey narra a atuação de um mordomo que aos poucos vai se tornando o verdadeiro regente de todo o cotidiano de uma casa rica, apropriando-se de tudo o que é lhe negado. Losey era um marxista, mas nunca um panfletário superficial, desses que empobrecem o cinema com observações quase sempre superficiais e ressentidas. Ele costumava dizer que era, sim, um crítico da civilização ocidental, mas a ela pertencia, a amava e por isso a criticava na tentativa de torná-la cada vez mais forte. Bong Joo-ho, o realizador deste extraordinário Parasita, não é um homem do Ocidente, mas é natural de um país, a Coreia do Sul, que sempre é visto como um modelo a ser seguido, exemplo de como se ultrapassam barreiras e se superam fases de subdesenvolvimento.
O olhar do realizador de Parasita, que foi laureado com a Palma de Ouro em Cannes, está muito longe de qualquer tipo de aplauso para um processo que privilegia o material e coloca em segundo plano temas essenciais. Mas se distancia, também, do panfleto e das simplificações. Sem dispensar o humor, presente em várias passagens, inclusive numa imitação da propaganda oficial na televisão da Coreia do Norte, o filme vai aos poucos adquirindo uma dramaticidade que se assemelha, pela forma como surge e pela maneira como é colocada na tela, a filmes como Era uma vez em... Hollywood e Coringa. E na constatação que faz da ação do chamado globalismo, não se limita a citações à cultura americana através de menções ao western, pois Jaeil Jung, o autor da partitura original, certamente que estimulado pelo diretor, faz várias referências a clássicos do Ocidente, seja para colocar ironia em certas situações, seja para acentuar a universalidade de temas abordados. Eis um filme notável por vários motivos, entre eles estar sempre surpreendendo o espectador, graças a um roteiro, escrito pelo diretor e por Han Jin Won, um trabalho que permite ao cineasta colocar na tela imagens que expõem de forma vigorosa toda uma agressividade que as imposições do processo civilizador nem sempre são capazes de conter.
Não estamos apenas diante de um quadro sobre distâncias entre classes, algo que o filme aborda com clareza e sentido crítico. Há algo mais na família invasora, que é uma ampliação do mordomo de Losey. O bunker como símbolo de conflitos ocultos é um dos mais destacados achados do filme. Outro é focalizar uma civilização onde tudo tem de ser filmado e no qual a ausência de meios de comunicação criados pela modernidade se transforma num verdadeiro drama, antes da punição em forma de dilúvio. Importante também ressaltar o tema do teatro, não como espetáculo, mas como forma de sobrevivência, através de uma encenação que dispensa a plateia e transforma todos em participantes de um ritual dominado pela falsidade ou pelo desconhecimento do que realmente está acontecendo. É essa alienação que termina colocando as duas famílias no centro de uma tragédia. Nas cenas de encerramento a harmonia se impõe e nelas o reencontro depois da tempestade tem a força de um sonho ainda não concretizado.
 
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