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Cinema

- Publicada em 18 de Abril de 2019 às 03:00

Fera despertada

Hélio Nascimento
Enquanto a mediocridade se aproveita de um processo que exalta a superficialidade e defende os resumos superficiais em vez da síntese esclarecedora, o diretor iraniano Ali Abbasi, que vive na Dinamarca e realizou Border na Suécia, deixa uma valiosa contribuição aos gêneros nos quais a fantasia tem um papel fundamental. Mistura de terror com ficção científica, o filme é mais um baseado em um conto do escritor sueco John Ajvide Lindqvist, o mesmo autor que teve um livro seu levado ao cinema, quando Tomas Alfredson realizou Deixe ela entrar, outro exemplo de como o gênero do filme fantástico pode ser utilizado para falar de temas como solidão, crise familiar e sonhos desfeitos pela realidade, todos eles abrindo espaço para variações destinados a explicitar através da imagem a violência que pode surgir da carência de valores essências ao convívio humano. O filme de Abbasi, certamente, não se dirige a espectadores que possam sentir algum desconforto diante de cenas que se colocam em posição oposta a um cinema satisfeito com o controle e as exigências da produção corriqueira. Eis uma obra sem dúvida ousada em seu radicalismo e que, ao mesmo tempo, vai em busca de elementos essenciais para a compreensão do comportamento humano. O relato retrocede no tempo, ao colocar em cena a origem e o primitivismo, aproximando-se da fera contida pela civilização. Isso tudo sem alterar a realidade cênica e sem permitir a utilização de truques baratos, sejam os permitidos pela tecnologia, seja os que apelam ao sentimentalismo tão explorado por alguns demagogos atuando no cinema atual.
Enquanto a mediocridade se aproveita de um processo que exalta a superficialidade e defende os resumos superficiais em vez da síntese esclarecedora, o diretor iraniano Ali Abbasi, que vive na Dinamarca e realizou Border na Suécia, deixa uma valiosa contribuição aos gêneros nos quais a fantasia tem um papel fundamental. Mistura de terror com ficção científica, o filme é mais um baseado em um conto do escritor sueco John Ajvide Lindqvist, o mesmo autor que teve um livro seu levado ao cinema, quando Tomas Alfredson realizou Deixe ela entrar, outro exemplo de como o gênero do filme fantástico pode ser utilizado para falar de temas como solidão, crise familiar e sonhos desfeitos pela realidade, todos eles abrindo espaço para variações destinados a explicitar através da imagem a violência que pode surgir da carência de valores essências ao convívio humano. O filme de Abbasi, certamente, não se dirige a espectadores que possam sentir algum desconforto diante de cenas que se colocam em posição oposta a um cinema satisfeito com o controle e as exigências da produção corriqueira. Eis uma obra sem dúvida ousada em seu radicalismo e que, ao mesmo tempo, vai em busca de elementos essenciais para a compreensão do comportamento humano. O relato retrocede no tempo, ao colocar em cena a origem e o primitivismo, aproximando-se da fera contida pela civilização. Isso tudo sem alterar a realidade cênica e sem permitir a utilização de truques baratos, sejam os permitidos pela tecnologia, seja os que apelam ao sentimentalismo tão explorado por alguns demagogos atuando no cinema atual.
A cena de abertura transforma a protagonista numa espécie de cão farejador, que vigia o caminhar da humanidade. A forma como o diretor encena a sequência não deixa dúvida. Os primeiros planos revelam claramente que a disciplina e a ordem se utilizam de forças primitivas e devidamente controladas para impor seu domínio. É que a personagem principal possui um olfato bem acima do normal, E tem, também, a capacidade de perceber não apenas ilegalidades materiais, pois é capaz de constatar a presença de intenções que possam ser danosas a um mundo que se aproveita de seus dons. Mas esta funcionária do serviço de segurança do aeroporto não é apenas uma criatura de uma feiura agressiva. O comportamento parece ser dócil, mas, na cena seguinte, a presença das cachorras ferozes revela algo mais. A presença do pai numa clínica para idosos certamente é uma ligação com o mundo, mas tal impressão será desfeita por revelações sobre as quais é melhor deixar para o espectador uma descoberta que não deve ser antecipada. O filme não cai, como querem alguns, nas facilidades destinadas a exaltar a bondade que pode existir oculta por sinais exteriores. Abbasi trata de outro tema, o da violência contida e que pode a qualquer momento explodir. E tal situação começa a tomar forma a partir do surgimento da figura semelhante, surgida do mesmo espaço pelo qual passa a normalidade e a disciplina.
A tão famosa cena de sexo, desenrolada na floresta - o que não deixa de ser revelador -, é algo realmente inédito. É próprio do realizador que fala em deliberado afastamento do convencional. Não parece um encontro amoroso, e sim um duelo no qual a agressividade e o sofrimento são forças poderosas. É um retrocesso e uma revelação do contido e reprimido. Logo em seguida, as imagens retornam à harmonia, mas a ligação do casal permanece. Aos poucos, o filme desenha a figura inteira do outro, o portador da violência, que pode ser, segundo a visão de cada um, a representação da brutalidade que, vez por outra, explode em atentados e tiroteios. O filme tem antecessores, mas radicaliza a proposta, ao falar do diferente e do reprimido. E, na cena de encerramento, há um aceno ao epílogo de um os melhores filmes de Roman Polanski, aquele no qual o instinto supera a fronteira entre o primitivo e o civilizado. Só falta a canção de ninar, mas o filme de Abbasi não deixa de se encerrar com uma berceuse que termina por se transformar em fonte de inquietação e lançar o medo do futuro que nos aguarda.
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