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Cinema

- Publicada em 01 de Março de 2019 às 01:00

O sequestro

Ao mesmo tempo em que o Irã começou a aparecer como um país protagonista na cena internacional, a partir do momento em que a ocidentalização foi substituída por uma teocracia, a cinematografia daquela nação começou a se colocar entre as mais prestigiadas, ganhando prêmios internacionais, atenção da crítica e até apoio daquela parte do público sempre atenta a inovações e propostas diferenciadas. A censura não impediu que alguns realizadores, usando métodos os mais diversos para disfarçar seus intentos, terminassem por revelar que o cinema tem muitos caminhos para escapar dos limites impostos por regimes dispostos a não tolerar perguntas e insatisfações. Um dos caminhos escolhidos foi o de colocar em cena crianças que passaram a representar adultos em conflito com a opressão. Um dos exemplos mais notáveis de tal tendência é o filme O espelho, realizado por Jafar Panahi, que começa como um relato de ficção e se conclui como um documentário sobre uma menina escolhida para aparecer em um filme e que se rebela diante da equipe realizadora, livrando-se da falsa tipoia e do véu obrigatório. Alguns anos depois Panahi seria preso, depois colocado em prisão domiciliar, conseguindo realizar filmes em situação difícil, numa evidência de que o autoritarismo nem sempre consegue ser monolítico. O espelho reunia duas tendências, pois outra forma utilizada pelo cinema iraniano foi falar sobre o próprio cinema, um disfarce para um discurso sobre as dificuldades de expressão. Entre os nomes que se destacaram no cinema iraniano está o de Asghar Farhadi, que escolheu o exílio e agora aparece assinando o filme espanhol Todos já sabem.
Ao mesmo tempo em que o Irã começou a aparecer como um país protagonista na cena internacional, a partir do momento em que a ocidentalização foi substituída por uma teocracia, a cinematografia daquela nação começou a se colocar entre as mais prestigiadas, ganhando prêmios internacionais, atenção da crítica e até apoio daquela parte do público sempre atenta a inovações e propostas diferenciadas. A censura não impediu que alguns realizadores, usando métodos os mais diversos para disfarçar seus intentos, terminassem por revelar que o cinema tem muitos caminhos para escapar dos limites impostos por regimes dispostos a não tolerar perguntas e insatisfações. Um dos caminhos escolhidos foi o de colocar em cena crianças que passaram a representar adultos em conflito com a opressão. Um dos exemplos mais notáveis de tal tendência é o filme O espelho, realizado por Jafar Panahi, que começa como um relato de ficção e se conclui como um documentário sobre uma menina escolhida para aparecer em um filme e que se rebela diante da equipe realizadora, livrando-se da falsa tipoia e do véu obrigatório. Alguns anos depois Panahi seria preso, depois colocado em prisão domiciliar, conseguindo realizar filmes em situação difícil, numa evidência de que o autoritarismo nem sempre consegue ser monolítico. O espelho reunia duas tendências, pois outra forma utilizada pelo cinema iraniano foi falar sobre o próprio cinema, um disfarce para um discurso sobre as dificuldades de expressão. Entre os nomes que se destacaram no cinema iraniano está o de Asghar Farhadi, que escolheu o exílio e agora aparece assinando o filme espanhol Todos já sabem.
Uma das mais claras influências exercidas sobre o cinema iraniano, a partir da última década do século passado, foi a do neorrealismo italiano, principalmente a de Roberto Rossellini. Certamente não foi por acaso que, ao também escolher o exílio, Abbas Kiarostami, outro grande nome da cinematografia iraniana, realizou uma variação em torno do tema de uma das obras-primas daquela escola e do cineasta citado, Viagem à Itália. Ao realizar Cópia fiel, Kiarostami fez uma clara homenagem ao clássico interpretado por George Sanders e Ingrid Bergman. Por sua vez, Farhadi, quando ainda no Irã, também deixou clara sua admiração pelo cinema italiano ao realizar Procurando Elly, no qual retomou o tema exposto e desenvolvido por Michelangelo Antonioni em A aventura, o primeiro título de uma série que mais tarde seria chamada de trilogia da incomunicabilidade, completada por A noite e O eclipse. Naquele filme, como agora, o cineasta trata de um desaparecimento, após uma reunião festiva. Outra vez um drama inesperado ocasiona uma série de acontecimentos que faz com que o passado se torne presente. Fazer a ação transcorrer em dois tempos, sem que a realidade cênica seja alterada, não é tarefa fácil e certamente impossível para os desprovidos de imaginação. Nas primeiras cenas, na apresentação dos créditos principais o tema do tempo é colocado e mais tarde, durante a ação, várias vezes retomado.
Em seu novo filme, Farhadi não se afasta das origens e recoloca nas imagens o oculto pelos rituais. É uma busca da verdade, não devidamente encontrada pelos personagens. É importante notar que o filme se conclui com uma pergunta não respondida e com uma revelação que pode ser o início de um processo. Essas duas cenas marcam o fim de um relato e ao mesmo tempo podem ser o início de processos reveladores. Se o cinema for definido como o método de acompanhar personagens reais em situações cruciais, eis uma obra perfeita. Hábil condutor de intérpretes, o cineasta realiza um verdadeiro documentário sobre uma família em momento festivo na primeira metade do filme. Tudo é alegria e confraternização, mas a cena dos jovens no campanário é um indício de que algo foi sufocado. Uma das marcas do cinema iraniano, na época de seu maior prestígio, foi a de tornar significativos fatos não diretamente expostos, algo retomado nesta aventura espanhola de Farhadi. O cineasta é daqueles interessados em retirar de cena o véu da hipocrisia e a cortina que veda o acesso ao verdadeiramente relevante.
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