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Cinema

- Publicada em 09 de Novembro de 2018 às 01:00

A casa e o inferno

No meio de sua trajetória de vida, assim como o narrador de A Divina Comédia, o personagem principal de A casa que Jack construiu, o novo filme de Lars von Trier, mesmo não estando numa selva escura, tem um encontro decisivo, que nele desperta uma violência incontrolável que o transformará num serial killer. Não por acaso o personagem tem o mesmo nome do célebre esquartejador que agiu e nunca foi identificado em Londres, no ano de 1888. O primeiro Jack assassinava apenas mulheres. O homem vivido na tela por Matt Dillon não exclui vítimas do sexo masculino, mas o cineasta dá destaque às mulheres, não temendo assim as críticas que certamente viriam. E misógino foi um dos adjetivos menos agressivos contra ele utilizados pelos que não aceitaram seu último trabalho. E certamente seu filme não é um relato que possa ser recomendado aos mais sensíveis, não apenas pela visualização da violência, mas pelas situações que cria e pela ousadia, em alguns aspectos inédita, que utiliza ao reconstituir a perversidade humana. No registro que faz da ação agressiva da fera desperta, o filme supera amplamente alguns antecessores, mesmo que não se iguale a obras como Laranja mecânica e Os sete crimes capitais. As críticas que possam ser feitas a um trabalho como este não devem esconder que o cineasta não teve medo de ataques e nem se deixou intimidar pelo que hoje se chama de politicamente correto. Sabia que teria de enfrentar debandadas nas salas de exibição e manifestações de ódio por parte de alguns que, por contradição, sempre se mostram dispostos a aplaudir manifestações de ternura e humanismo. É necessário ter frieza e distanciamento para ver um filme como este, mas é inegável que estamos diante de um relato que não desvia o olhar de sinais decisivos para a compreensão de um mundo e de seus perigos e imperfeições.
No meio de sua trajetória de vida, assim como o narrador de A Divina Comédia, o personagem principal de A casa que Jack construiu, o novo filme de Lars von Trier, mesmo não estando numa selva escura, tem um encontro decisivo, que nele desperta uma violência incontrolável que o transformará num serial killer. Não por acaso o personagem tem o mesmo nome do célebre esquartejador que agiu e nunca foi identificado em Londres, no ano de 1888. O primeiro Jack assassinava apenas mulheres. O homem vivido na tela por Matt Dillon não exclui vítimas do sexo masculino, mas o cineasta dá destaque às mulheres, não temendo assim as críticas que certamente viriam. E misógino foi um dos adjetivos menos agressivos contra ele utilizados pelos que não aceitaram seu último trabalho. E certamente seu filme não é um relato que possa ser recomendado aos mais sensíveis, não apenas pela visualização da violência, mas pelas situações que cria e pela ousadia, em alguns aspectos inédita, que utiliza ao reconstituir a perversidade humana. No registro que faz da ação agressiva da fera desperta, o filme supera amplamente alguns antecessores, mesmo que não se iguale a obras como Laranja mecânica e Os sete crimes capitais. As críticas que possam ser feitas a um trabalho como este não devem esconder que o cineasta não teve medo de ataques e nem se deixou intimidar pelo que hoje se chama de politicamente correto. Sabia que teria de enfrentar debandadas nas salas de exibição e manifestações de ódio por parte de alguns que, por contradição, sempre se mostram dispostos a aplaudir manifestações de ternura e humanismo. É necessário ter frieza e distanciamento para ver um filme como este, mas é inegável que estamos diante de um relato que não desvia o olhar de sinais decisivos para a compreensão de um mundo e de seus perigos e imperfeições.
A construção da casa, um tema desenvolvido em Os imperdoáveis, de Clint Eastwood, sobre um roteiro de David Peoples, é aqui visto como uma forma de construção de um modelo civilizatório que nunca se conclui, como naquele western admirável. Na sua crítica a tal processo, Trier nada coloca em seu lugar. Em vez de acompanhar a trajetória de um personagem no rumo do paraíso, a temática surge invertida. Não temos uma ascensão e sim uma queda no inferno. O horror do eterno castigo surge no final e não no começo, como no monumento literário ao qual o filme faz óbvias referências, inclusive por tentar aproximações com as gravuras de Gustave Doré, o mais célebre entre os que tentaram captar visualmente a trajetória de Dante conduzido por Virgílio. A condenação é ampla e envolve toda uma cultura, simbolizada pela música de Bach, por intermédio de Glenn Gould, e também pelo próprio cinema, representado por cenas de outros filmes de Trier, entre elas a cena final de Melancolia, não por acaso aquela que registrava o fim de toda uma civilização, acompanhada, no original, por outro ícone: o epílogo de Tristão e Isolda. E por mais desagradável que possam ser algumas cenas, a obsessão por limpeza e o acobertamento de sinais comprometedores surgem como símbolos, tratados com ironia, de tentativas destinadas a ocultar evidências de culpas e falhas de um processo destinado a manter prisioneiro o mal maior.
Em alguns momentos, tudo se torna bem claro. A cena da discussão com o policial, no qual este age movido apenas pelas leis da burocracia, é perfeita. Logo em seguida, de forma irônica, a natureza como que concede perdão ao transgressor e homicida. Há outros trechos em que as normas destinadas a manter a engrenagem em funcionamento são empregadas de maneira apenas formal. E também há advertência sobre as máscaras que podem por vezes ser utilizadas, como na cena em que um velho amigo se deixa enganar. O diretor também emprega cenas de documentários de caçadas, essa atividade na qual a agressividade humana inteiramente se revela. São cenas difíceis de ser acompanhadas, mas não são estes os momentos mais impressionantes. A aula para uma mãe e seus filhos de como utilizar armas é a mais impressionante de todas, na medida em que resume a temática da obra e se conclui de forma terrível.
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