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Cinema

- Publicada em 28 de Setembro de 2018 às 01:00

O nevoeiro e o baterista

Hélio Nascimento
Assim como os Cohen, nos Estados Unidos, e os Dardenne, na Bélgica, os Irmãos Taviani - Paolo e Vittorio - contribuíram de forma clara e intensa não apenas para que as cinematografias de seus países fossem mais ricas. Os seis cineastas formaram duplas a quem o cinema universal deve alguns dos títulos mais importantes das últimas décadas. Os Taviani, nascidos em 1929 (Vittorio) e 1931 (Paolo), começaram a dirigir filmes em 1960, em parceria com o holandês Joris Ivens e com seu compatriota Valentino Orsini. Os dois irmãos sempre assinaram o roteiro e dirigiam em conjunto. Mas neste Uma questão pessoal só o roteiro é assinado pela dupla, cabendo a direção a Paolo. Já doente quando o filme foi realizado, o mais velho dos irmãos faleceu em abril. O filme agora em cartaz, portanto, é o último dos irmãos, embora Paolo já tenha declarado que ainda pretende continuar sua carreira, aumentando, assim, uma filmografia que é uma das mais expressiva do cinema italiano. A linha dos Taviani nunca se afastou daquela criada pelo neorrealismo do pós-guerra. Esse cinema - que fez a glória de Rossellini, De Sica e do Visconti da primeira fase - não se limitou a expor as feridas deixadas pelo fascismo italiano e pela Segunda Guerra Mundial. Procurou também deixar na tela personagens que resumissem em seus destinos as consequências não apenas materiais da opressão e da violência. Tratou-se de uma arte ao mesmo tempo documental e voltada para o registro de sonhos e esperanças, e que talvez possa ser definida pela cena final de Ladrões de bicicletas, a criança salvando e conduzindo o adulto no rumo de um futuro indefinido, mas não desprovido de humanismo.
Assim como os Cohen, nos Estados Unidos, e os Dardenne, na Bélgica, os Irmãos Taviani - Paolo e Vittorio - contribuíram de forma clara e intensa não apenas para que as cinematografias de seus países fossem mais ricas. Os seis cineastas formaram duplas a quem o cinema universal deve alguns dos títulos mais importantes das últimas décadas. Os Taviani, nascidos em 1929 (Vittorio) e 1931 (Paolo), começaram a dirigir filmes em 1960, em parceria com o holandês Joris Ivens e com seu compatriota Valentino Orsini. Os dois irmãos sempre assinaram o roteiro e dirigiam em conjunto. Mas neste Uma questão pessoal só o roteiro é assinado pela dupla, cabendo a direção a Paolo. Já doente quando o filme foi realizado, o mais velho dos irmãos faleceu em abril. O filme agora em cartaz, portanto, é o último dos irmãos, embora Paolo já tenha declarado que ainda pretende continuar sua carreira, aumentando, assim, uma filmografia que é uma das mais expressiva do cinema italiano. A linha dos Taviani nunca se afastou daquela criada pelo neorrealismo do pós-guerra. Esse cinema - que fez a glória de Rossellini, De Sica e do Visconti da primeira fase - não se limitou a expor as feridas deixadas pelo fascismo italiano e pela Segunda Guerra Mundial. Procurou também deixar na tela personagens que resumissem em seus destinos as consequências não apenas materiais da opressão e da violência. Tratou-se de uma arte ao mesmo tempo documental e voltada para o registro de sonhos e esperanças, e que talvez possa ser definida pela cena final de Ladrões de bicicletas, a criança salvando e conduzindo o adulto no rumo de um futuro indefinido, mas não desprovido de humanismo.
Uma questão pessoal transcorre durante o conflito mundial iniciado em 1939, naquela fase próxima do final, quando o país foi palco de uma divisão que se transformou em luta armada, travada pelos camisas negras de Mussolini e os partisans. Os Taviani - e vale o plural, pois a influência do irmão falecido não se restringe obviamente ao roteiro - não se mostram interessados somente no aspecto exterior do argumento, inspirado em livro de Beppe Fenoglio. Há algo mais importante nesse desfilar de imagens e situações que retratam o ódio que dividiu uma nação. Desde as primeiras imagens, quando vemos o protagonista afastando-se de sua trilha de combatente antifascista para mergulhar no passado, o que o filme revela é um personagem num cenário dominado pelo nevoeiro, no qual parece perdido o protagonista. Mais do que a desorientação causada pelo nevoeiro, algo presente em quase toda a narrativa, o que se vê é uma figura humana vivendo um presente sem conseguir desligar-se do passado. A ação destinada, aparentemente, a salvar um companheiro feito prisioneiro pelos inimigos é, na verdade, a manifestação exterior de um impulso destinado a desfazer uma dúvida, uma ação cuja origem não está relacionada diretamente à luta contra um regime e marcada por uma agressividade que se materializa em cena no momento em que aparece o falso baterista.
Em algumas passagens do filme, os irmãos não esquecem de colocar em cena outro tipo de violência gerada pela mesma agressividade, que, como o filme demonstra, pode assumir formas diversas. Tocante é a cena da menina que segue o ritual para aplacar a sede, num cenário em que toda a família está morta. Notável, também, é o trecho do fuzilamento de um jovem que, sem ter ligação direta com os rebeldes, é vítima da irracionalidade gerada pelo fanatismo. Nos créditos finais, apenas na faixa sonora, mas com grande destaque, volta o baterista, que na cena em que aparece no filme é contemplado pelo protagonista, como se este estivesse vendo sua imagem oculta, numa forma de identificação. A perda do sonho e do arco-íris, como na canção celebrizada por Judy Garland, citada durante o relato, é assim vista como o impulso principal, algo que o acompanhamento musical, a cargo de Giuliano Taviani e Carmelo Travia, acentua em muitas passagens, através de variações daquela peça de O mágico de Oz. Uma questão pessoal, não apenas por ser a última pensada pelos irmãos, é obra que se destaca por se afastar das simplificações e procurar aquelas causas ignoradas pelos desprovidos dos instrumentos necessários para a identificação de causas e origens das ações humanas.
 
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