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Cinema

- Publicada em 03 de Agosto de 2018 às 01:00

Revelações

A proposta da diretora Sally Potter em A festa procura aproximar o cinema da unidade de tempo e espaço, algo que deriva, provavelmente não por acaso, de outra festividade na qual também havia um elemento oculto, que a maioria dos convidados desconhecia. Em Festim diabólico, Hitchcock foi ainda mais radical. Imaginou um filme narrado em apenas um plano. Como tal prática era impossível na época, o cineasta ocultou tal deficiência fazendo a câmera mover-se de forma a esconder a utilização de cortes e, assim, possibilitar a troca de rolos. Mas até pelo fato de haver, durante a narrativa daquele clássico, alguns cortes tradicionais, é mais importante ressaltar a tentativa de captar a essência da passagem do tempo sempre no mesmo espaço, numa espécie de exaltação do realismo de cena. Mais tarde, em outro clássico, Matar ou morrer, Fred Zinneman abandonou a busca do espaço único e tentou captar integralmente a passagem do tempo, fazendo com que o tempo da projeção do filme fosse o mesmo da ação. Recentemente, em O deus da carnificina, Roman Polanski voltou a aproximar o cinema da origem do teatro, fazendo a ação transcorrer sempre no mesmo cenário e acompanhando a passagem natural do tempo. A contribuição de Potter a tal forma de encenação cinematográfica não é, portanto, original, mas é necessário ressaltar que, numa época em que alguns diretores, sob o aplauso de muitos, parecem desejar que o cinema se transforme num jogo eletrônico, seu filme não deixa de ser um protesto, ao escolher como base e centro de tudo o personagem verdadeiro, distante dos perfis desenhados por meios artificiais.
A proposta da diretora Sally Potter em A festa procura aproximar o cinema da unidade de tempo e espaço, algo que deriva, provavelmente não por acaso, de outra festividade na qual também havia um elemento oculto, que a maioria dos convidados desconhecia. Em Festim diabólico, Hitchcock foi ainda mais radical. Imaginou um filme narrado em apenas um plano. Como tal prática era impossível na época, o cineasta ocultou tal deficiência fazendo a câmera mover-se de forma a esconder a utilização de cortes e, assim, possibilitar a troca de rolos. Mas até pelo fato de haver, durante a narrativa daquele clássico, alguns cortes tradicionais, é mais importante ressaltar a tentativa de captar a essência da passagem do tempo sempre no mesmo espaço, numa espécie de exaltação do realismo de cena. Mais tarde, em outro clássico, Matar ou morrer, Fred Zinneman abandonou a busca do espaço único e tentou captar integralmente a passagem do tempo, fazendo com que o tempo da projeção do filme fosse o mesmo da ação. Recentemente, em O deus da carnificina, Roman Polanski voltou a aproximar o cinema da origem do teatro, fazendo a ação transcorrer sempre no mesmo cenário e acompanhando a passagem natural do tempo. A contribuição de Potter a tal forma de encenação cinematográfica não é, portanto, original, mas é necessário ressaltar que, numa época em que alguns diretores, sob o aplauso de muitos, parecem desejar que o cinema se transforme num jogo eletrônico, seu filme não deixa de ser um protesto, ao escolher como base e centro de tudo o personagem verdadeiro, distante dos perfis desenhados por meios artificiais.
Ao utilizar, na abertura de seu filme, uma versão desprovida de solenidade e grandeza de Jerusalém, peça musical de Hubert Parry, sobre versos de William Blake, que os ingleses empregam em momentos que exigem força e esplendor, como no filme Carruagens de fogo, por exemplo, a cineasta já antecipa o tom de seu trabalho, que é o de colocar na tela situações reveladoras de deficiências e imperfeições, sem mostrar qualquer preocupação ao adotar posições contrárias ao politicamente correto e optando por expor temas que geralmente são ignorados ou então escondidos através de manifestações que apenas servem para impedir que a distância entre desejo e realidade tenha sua dimensão devidamente exposta. O filme de Potter, cujo roteiro é dela própria, fala dessa impossibilidade de viver plenamente e do sofrimento causado pela submissão a rituais ditados ora pelas circunstâncias impostas pelas normas, ora por aquelas decorrentes de comportamento alternativos. Os dois caminhos levam a impasses que o filme registra sem a pretensão de resolvê-los. Eis um relato que fala ao espectador sobre objetivos não alcançados e desejos não realizados.
A reunião de amigos destinada a comemorar a nomeação para um cargo ministerial de uma das personagens desta peça cinematográfica em um ato, filmada em preto e branco e tendo pouco mais de uma hora de projeção, é essencialmente um ritual demolidor de aparências e que, de certa forma, transforma um minueto em dança macabra, ao acompanhar um movimento que, aos poucos, vai revelando toda uma agressividade oculta e que, surpreendentemente, explode na imagem de encerramento. Tudo o que antes havia sido visto, se transforma, então, no prelúdio de um drama que, certamente, está começando quando a ação é concluída. Se o filme for classificado de amargo e pessimista, quem assim o fizer terá toda a razão. Mas ele é também um relato cujo amargor é compensado pela ironia de alguns diálogos e pela forma como contempla um mundo no qual valores são vislumbrados e não alcançados. Os discos que são toda a hora trocados pelo personagem acometido por doença terminal resumem essa busca que não cessa. Há, também, as frases feitas e os lugares-comuns que substituem a racionalidade. E o gesto repetido e frustrado de jogar no lixo a arma que concentra toda a agressividade contida é outra evidência de que não é apenas a palavra o recurso utilizado pela realizadora. A imagem é outro elemento a ser ressaltado numa narrativa curta e expressiva.
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