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Cinema

- Publicada em 27 de Julho de 2018 às 01:00

O rosto e a alma

O centenário de Ingmar Bergman tem originado homenagens que um criador de tal porte merece. Não se trata, apenas, do maior cineasta sueco, nem do nome mais expressivo do cinema europeu. Para muitos - entre eles, vários cineastas -, Bergman é o maior dos criadores cinematográficos, aquele que soube desvendar enigmas e expor segredos que antes eram privilégio de outras atividades voltadas à compreensão da alma humana. Um criador como Stanley Kubrick, conforme registra Michael Benson no seu livro sobre a realização de 2001: Uma odisseia no espaço, nunca escondeu sua admiração pela obra do realizador de Juventude. Em uma das cenas daquela obra-prima, Kubrick faz com que um de seus astronautas jogue xadrez com o computador que dirige a nave. É uma recriação do encontro do cavaleiro medieval com a morte em O sétimo selo, uma forma encontrada por Kubrick, ele próprio um enxadrista, de fazer uma referência ao mestre. Woody Allen, por sua vez, não se limitou a citações e chegou mesmo a se referir a Bergman, em mais de uma oportunidade, como alguém colocado muito acima de todos os outros diretores de cinema. Há outros realizadores que pensam da mesma maneira, alguns deles presentes e dando seu depoimento em Bergman - 100 anos, documentário realizado por Jane Magnusson e no qual, além da utilização de trechos de vários de seus filmes, também conta com registros que realçam aspectos de sua vida pessoal e com a tentativa de realçar os temas principais de sua filmografia.
O centenário de Ingmar Bergman tem originado homenagens que um criador de tal porte merece. Não se trata, apenas, do maior cineasta sueco, nem do nome mais expressivo do cinema europeu. Para muitos - entre eles, vários cineastas -, Bergman é o maior dos criadores cinematográficos, aquele que soube desvendar enigmas e expor segredos que antes eram privilégio de outras atividades voltadas à compreensão da alma humana. Um criador como Stanley Kubrick, conforme registra Michael Benson no seu livro sobre a realização de 2001: Uma odisseia no espaço, nunca escondeu sua admiração pela obra do realizador de Juventude. Em uma das cenas daquela obra-prima, Kubrick faz com que um de seus astronautas jogue xadrez com o computador que dirige a nave. É uma recriação do encontro do cavaleiro medieval com a morte em O sétimo selo, uma forma encontrada por Kubrick, ele próprio um enxadrista, de fazer uma referência ao mestre. Woody Allen, por sua vez, não se limitou a citações e chegou mesmo a se referir a Bergman, em mais de uma oportunidade, como alguém colocado muito acima de todos os outros diretores de cinema. Há outros realizadores que pensam da mesma maneira, alguns deles presentes e dando seu depoimento em Bergman - 100 anos, documentário realizado por Jane Magnusson e no qual, além da utilização de trechos de vários de seus filmes, também conta com registros que realçam aspectos de sua vida pessoal e com a tentativa de realçar os temas principais de sua filmografia.
Nos documentários destinados a realçar a importância de um artista, quase sempre o panegírico se impõe e uma certa reverência se faz presente em quase toda a narrativa. Não é o caso do trabalho de Magnusson, que expõe o criador sem esconder aspectos negativos de sua personalidade. A criação da obra de arte não deriva apenas de operações regidas pela racionalidade. A riqueza do processo está justamente nesse amálgama entre o que é produto do equilíbrio e o que tem sua origem em tumultos emocionais não devidamente elaborados e conhecidos pelo criador. Assim, o documentário não esconde a simpatia do jovem Bergman pelo nazismo, quando estudou na Alemanha dos anos 1930. O futuro autor de O ovo da serpente não se limitou a amar manifestações culturais de um país que ainda era, na época, a nação que mais admiração despertava entre artistas ligados ao cinema, graças a nomes como Murnau e Lang, sem esquecer o Wiene de O gabinete do doutor Caligari. E não esconde também o temperamento irascível e a humilhação imposta a um jovem encenador, que havia ousado alterar a montagem teatral de uma peça de Molière. Isso pode surpreender aos que pensam que a grandeza de uma obra de arte deva sempre ser associada a um comportamento equilibrado e generoso. Habilmente, o trabalho de Magnusson procura mostrar que a grandeza de Bergman se estrutura sobre uma base formada pelas mais diversas formas de a criatura humana expor sua revolta diante das imposições do mundo organizado, simbolizado pela figura paterna e pelas mais diversas formas de ação repressiva.
Na sequência final de A flauta mágica, obra notável da qual a diretora só utiliza alguns fragmentos que registram momentos da filmagem, Sarastro, o sábio e figura dominadora e disciplinadora, encara rapidamente o instrumento mágico, que lhe permitiria, certamente, impedir o casamento da filha, mas é impedido pelas leis que ele próprio representa. É a vitória da racionalidade e a proibição do incesto. É o triunfo da civilização, o ponto final de um conflito que Bergman já havia abordado em Sorrisos de uma noite de amor, provavelmente a maior das altas comédias, e ao qual voltaria em Sarabanda, o opus derradeiro. Se fosse possível resumir obra tão vasta, é em Gritos e sussurros que encontraríamos os elementos necessários, num relato em que a Pietà é ornada com a música de Bach e no qual a harmonia almejada é colocada no plano de encerramento. E é impossível omitir ou esquecer a concretização de um desejo, expresso no mais belo primeiro plano da história do cinema, quando, em Morangos silvestres, o velho professor contempla uma cena da infância. A plena realização configurada num rosto humano. A alma encontrando a harmonia.
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