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Cinema

- Publicada em 14 de Junho de 2018 às 23:00

O ídolo caído

Apresentado ao público pelo diretor Armando Iannucci como um admirador de Mozart e dos westerns norte-americanos, aquele que era chamado pelos seus seguidores de "o guia genial dos povos" não chega a ser o protagonista do filme que tem início com o ritual que antecede o derrame que o vitimou em março de 1953. Nas cenas iniciais de A morte de Stalin, enquanto o ditador escuta pelo rádio a transmissão de um concerto para piano, seus principais auxiliares, uma quadrilha formada por ambiciosos e assassinos, elabora uma nova lista de pessoas a serem mortas nas prisões repletas de inimigos do regime. Chamam a atenção algumas ordens, como aquela que determina que um casal seja executado de forma que o marido, antes de morrer, veja a morte da mulher. Tal detalhe acentua que as determinações do chefe da repressão, Lavrenti Beria, não são ditadas apenas pela necessidade de sobrevivência do sistema, pois também evidenciam a presença de elementos que quase sempre escapam de historiadores e analistas políticos: de um lado, formas musicais elevadas; de outro, ações sádicas a revelarem a barbárie não contida pela civilização. Quando Stalin determina que uma gravação do concerto lhe seja enviada, o caos se espalha e o terror se abate sobre os funcionários da Rádio de Moscou, que haviam esquecido de tal detalhe. Nessas cenas, Iannucci sintetiza o medo que domina os indivíduos que vivem sob uma ditadura. Mas há algo mais: a solista que havia se apresentado teve parentes mortos pelo regime, e aproveita a oportunidade para mandar ao ditador uma mensagem reveladora e corajosa. As cenas iniciais parecem de um drama.
Apresentado ao público pelo diretor Armando Iannucci como um admirador de Mozart e dos westerns norte-americanos, aquele que era chamado pelos seus seguidores de "o guia genial dos povos" não chega a ser o protagonista do filme que tem início com o ritual que antecede o derrame que o vitimou em março de 1953. Nas cenas iniciais de A morte de Stalin, enquanto o ditador escuta pelo rádio a transmissão de um concerto para piano, seus principais auxiliares, uma quadrilha formada por ambiciosos e assassinos, elabora uma nova lista de pessoas a serem mortas nas prisões repletas de inimigos do regime. Chamam a atenção algumas ordens, como aquela que determina que um casal seja executado de forma que o marido, antes de morrer, veja a morte da mulher. Tal detalhe acentua que as determinações do chefe da repressão, Lavrenti Beria, não são ditadas apenas pela necessidade de sobrevivência do sistema, pois também evidenciam a presença de elementos que quase sempre escapam de historiadores e analistas políticos: de um lado, formas musicais elevadas; de outro, ações sádicas a revelarem a barbárie não contida pela civilização. Quando Stalin determina que uma gravação do concerto lhe seja enviada, o caos se espalha e o terror se abate sobre os funcionários da Rádio de Moscou, que haviam esquecido de tal detalhe. Nessas cenas, Iannucci sintetiza o medo que domina os indivíduos que vivem sob uma ditadura. Mas há algo mais: a solista que havia se apresentado teve parentes mortos pelo regime, e aproveita a oportunidade para mandar ao ditador uma mensagem reveladora e corajosa. As cenas iniciais parecem de um drama.
Que a comicidade possa ser utilizada para disfarçar a dramaticidade de certos fatos é algo que não é discutido. O cinema tem antecedentes preciosos, sendo, sem dúvida, o mais notável deles, O grande ditador, que Charles Chaplin realizou quando Adolf Hitler ainda se achava governando a Alemanha e quase toda a Europa e ganhando admiradores em várias partes do mundo, inclusive no Brasil, como lembrou Eduardo Escorel no recente Imagens do Estado Novo, documentário que merecia, até para ser questionado por certas colocações, um público bem maior do obtido em suas exibições nos cinemas. O filme de Iannucci está longe de tal clássico, mas não é obra a ser negligenciada. Seu tom satírico não esconde as atrocidades cometidas e graças a um grupo de atores de primeira categoria termina se impondo como um trabalho que flui com naturalidade e escapa daqueles maneirismos que tanto têm prejudicado a comédia, o gênero mais maltratado pela mediocridade vigente. Não deixa de ser divertido ver a dança dos ambiciosos em busca do poder e o ridículo de traidores em potencial transformados em figuras grotescas capazes de tudo para se manterem em postos de comando. Morto o grande comandante, fica exposto o ridículo dos áulicos que o cercavam e bajulavam. O filme não é propriamente uma lição de história, mas expõe de forma contundente o que é um regime de força, que não necessita prestar contas a ninguém e não permite a presença de qualquer gênero de fiscalização. Morto o "dono da verdade", caído o déspota supostamente esclarecido, surge tudo o que estava oculto pela força.
O filme de Iannucci se conclui com as habituais referências a fatos relacionados ao período reconstituído e aos personagens envolvidos, mas omite um fato importante. Em fevereiro de 1956, Nikita Krushev pronunciou o famoso discurso no qual revelou a essência do regime stalinista, confirmando, assim, as denúncias feitas por dissidentes e fazendo com que os que afirmavam que as críticas feitas ao regime eram pura propaganda capitalista fossem vigorosamente desmentidos. As ditaduras merecem filmes assim. Além das atrocidades cometidas, elas também costumam transformar mediocridades, como o Malenkov visto pelo filme, em criaturas dotas de força e poder. Até por ser uma espécie de advertência, A morte de Stalin merece espaço e atenção. Não se trata apenas de um olhar para o passado, já que também é uma exposição de perigos que a sátira, em vez de deformar, acentua e assim nos alerta e protege.
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