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Constituição Federal

- Publicada em 26 de Novembro de 2019 às 03:00

O Brasil precisa de uma nova Constituição?

Principal motivadora para levantar o debate de uma nova constituinte é a questão da prisão após segunda instância

Principal motivadora para levantar o debate de uma nova constituinte é a questão da prisão após segunda instância


MARCO QUINTANA/JC
A Constituição brasileira mal completou 31 anos e já está sendo ameaçada de substituição. No dia 12 de novembro, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM), sugeriu a convocação de uma nova constituinte para resolver a questão da prisão após a condenação em segunda instância. Ainda, Alcolumbre alegou que o debate quanto a uma nova constituinte é recorrente no Congresso Nacional. Embora muitos parlamentares já tenham se manifestado contra a proposta, a ideia dividiu o imaginário popular.
A Constituição brasileira mal completou 31 anos e já está sendo ameaçada de substituição. No dia 12 de novembro, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM), sugeriu a convocação de uma nova constituinte para resolver a questão da prisão após a condenação em segunda instância. Ainda, Alcolumbre alegou que o debate quanto a uma nova constituinte é recorrente no Congresso Nacional. Embora muitos parlamentares já tenham se manifestado contra a proposta, a ideia dividiu o imaginário popular.
Desde a Proclamação da República, o Brasil já teve seis Constituições. A última, de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, veio logo após a queda do regime militar. Segundo o jurista e professor titular de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs), Ingo Sarlet, novas constituições costumam surgir junto com um novo Estado ou com acontecimentos históricos muito relevantes - como o fim da ditadura militar, por exemplo. Assim como diversos constitucionalistas, Sarlet acredita não haver justificativa ou necessidade para convocar uma nova constituinte.
Por meio de emendas constitucionais, é possível garantir que a Constituição não seja um documento estático. Desde a sua criação, há 31 anos, a Carta Magna já foi emendada mais de 100 vezes. "Definitivamente, não precisa de nova constituinte para mudança de alguns pontos. Quando se pode mudar por emenda os pontos necessários, se faz assim", justifica Sarlet. Mesmo sendo considerada em demasia, grande parte dos constitucionalistas não avalia negativamente a quantidade de emendas. "Tem uma canção do Lulu Santos que diz que 'tudo muda o tempo todo no mundo'. E isso é verdade. A Constituição, na medida em que é analítica e detalhista, necessariamente tem que mudar junto com o mundo", aponta o também professor de Direito Constitucional da Pucrs, Alexandre Mariotti.
Além da falta de motivação, os constitucionalistas atentam para os possíveis riscos de uma nova Constituição. De acordo com Mariotti, o Brasil se encontra em um estado de polarização não favorável para um debate constituinte, e uma nova Constituição, feita agora, seria menos comprometida com os direitos fundamentais. "Quando um novo projeto constituinte é convocado, não se discute apenas um tópico. É discutido todo o ordenamento jurídico", lembra. Ademais, para o professor titular de Direito Constitucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e da Faculdade do Ministério Público (FMP), Eduardo Kroeff Machado Carrion, uma nova Constituição representa um grande risco para a sociedade e para os anseios democráticos. "Além de me parecer um despropósito, aparenta ser também uma tentativa de retrocesso em relação à Constituição de 1988. No fundo, parece-me que faz parte de um discurso conservador", defende Carrion.
Da mesma maneira que os constitucionalistas identificam riscos na convocação de uma nova constituinte, conseguem reconhecer algumas falhas na Constituição de 1988. Ainda assim, não são defeitos que justifiquem uma nova Carta Magna. Para Mariotti, as ideias centrais da Constituição - a proteção dos direitos fundamentais e a promoção da democracia - parecem ter dado muito certo nos últimos 30 anos. "Talvez o mais importante sejam mudanças de comportamento e de compreensão, antes de mudanças legislativas. Então, ao invés de criarmos a ilusão de que uma troca de Constituição vai resolver os nossos problemas, devemos defender e lutar pela efetividade do documento que já temos", expressa Carrion.

Para constituintes de 1988, Carta Magna, agora, representaria um grande risco para a sociedade

No final da década de 1980, o cenário político e econômico do País era muito diferente de agora. O Brasil clamava por uma nova Constituição. Em fevereiro de 1987, a Assembleia Nacional Constituinte, composta por 559 congressistas, tomou posse. Entre os constituintes estavam Ibsen Pinheiro (MDB-RS) e Paulo Paim (PT-RS). Ainda que com opiniões políticas divergentes, ambos concordam que o Brasil não necessita de uma nova Constituição. Entendem, também, que um novo documento representaria um grande risco para a sociedade brasileira.
"Muito festivo, com certa dose de euforia." É assim que Ibsen Pinheiro - na época, deputado federal pelo Rio Grande do Sul - define o ambiente e o espírito da Assembleia Constituinte. Para ele, o processo de elaboração da Constituição de 1988 teve caráter moral positivo. "Do ponto de vista técnico e legislativo, a constituinte produziu uma Constituição grandona, repetitiva, reiterada em uma característica garantista de direitos e menos atenta quanto aos deveres e às obrigações", contrapõe. Ainda, o procurador de Justiça aposentado declara que os aspectos negativos da Constituição são justificados pela natureza eufórica do momento. "Isso foi mais nocivo que qualquer outra coisa, porque resultou em uma Constituição otimista, eufórica e simpática. Constituição deve ser do bem, mas não deve ser bondosa. Tanto na preservação de direitos quanto na configuração de deveres", analisa.
O senador Paulo Paim afirma que participar da Assembleia Constituinte foi o melhor momento da sua vida política. Entre os aspectos mais importantes referentes ao ambiente de elaboração da Carta Magna, Paim destaca o constante diálogo entre os congressistas. Segundo ele, foi um processo extremamente democrático e que teve um resultado satisfatório. "Trabalhei muito na linha da ordem social, saúde, direito dos trabalhadores e combate aos preconceitos. Não foi fácil colocar todo aquele capítulo que trata dos direitos dos trabalhadores, direitos individuais, entre outros. Foi ali que travamos os debates mais duros. Mas, mesmo assim, conseguimos um texto que considero avançado para a época e até para os dias de hoje", declara. O senador manifesta o orgulho que sente de ter feito parte da construção da Constituição e, por isso, considera um "absurdo" a ideia de elaborar um novo documento.
Para Ibsen, as emoções que regem o País se mostram semelhantes às de 1988. "A realidade exige otimismo e cautela para as dificuldades. Foi isso que a nossa constituinte não fez, e, provavelmente, uma nova constituinte não faria também. Uma Constituição nessas condições apresenta um risco de agravar os defeitos, em vez de corrigi-los", justifica. Ao lembrar da dificuldade de fechar e aprovar o texto, Paim afirma que a tendência de uma nova Constituição é ter um resultado negativo. "Uma constituinte, neste momento, não será democrática, não será verdadeira, não terá cunho social, não terá políticas humanitárias e só vai aumentar a concentração de renda no Brasil."