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Audiências de Custódia

- Publicada em 03 de Setembro de 2019 às 03:00

Prisão preventiva ou medidas cautelares são aplicadas em 99% dos casos

Em Porto Alegre, detidos só são levados ao juiz se tiverem prisão decretada

Em Porto Alegre, detidos só são levados ao juiz se tiverem prisão decretada


/CNJ/DIVULGAÇÃO/JC
Quatro anos após as audiências de custódia saírem do papel, a maioria das pessoas ainda é enviada pela Justiça para o cárcere em prisão preventiva. Menos de 1% tem autorização para responder ao processo sem cumprir medidas cautelares. Em 56% dos casos, a palavra do policial é a única prova de acusação - e há queixas de que relatos de tortura estão sendo negligenciados.
Quatro anos após as audiências de custódia saírem do papel, a maioria das pessoas ainda é enviada pela Justiça para o cárcere em prisão preventiva. Menos de 1% tem autorização para responder ao processo sem cumprir medidas cautelares. Em 56% dos casos, a palavra do policial é a única prova de acusação - e há queixas de que relatos de tortura estão sendo negligenciados.
Os dados estão no relatório "O fim da liberdade", elaborado pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Trata-se do maior levantamento já feito sobre as audiências de custódia no Brasil. Foram acompanhados 2.774 casos de abril a dezembro de 2018, em 13 cidades de nove estados - São Paulo, Alagoas, Bahia, Distrito Federal, Minas Gerais, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Desde a regulamentação das audiências de custódia pelo CNJ, por meio da Resolução nº 213/2015, o encontro entre a pessoa presa e o juiz deve ocorrer em até 24 horas após a comunicação da prisão. É o momento em que o magistrado avalia se a detenção atendeu aos requisitos legais, se a pessoa presa foi vítima de maus-tratos ou tortura e, ainda, se precisa responder ao processo em prisão preventiva - que deve ser a exceção, não a regra.
Antes da resolução, a avaliação do juízo era feita só na audiência de instrução, meses depois da prisão. Na prática, no entanto, 57% das audiências no País ainda resultam em prisão preventiva. O índice chega a 67% nos casos em que o único crime é o tráfico de drogas. Isso acontece mesmo que o tráfico seja um crime sem violência, grave ameaça ou vítimas - fundamentos previstos no Código de Processo Penal para que decisão do tipo seja decretada. Outros critérios são quando há risco de o acusado fugir, cometer novos crimes ou atrapalhar a instrução probatória.
Hoje, o Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, com 812 mil detentos, número que cresce 8% ao ano. Cerca de 42% não têm condenação. De forma geral, o sistema é superlotado e dominado por facções criminosas.
Para quem não vai responder ao processo atrás das grades, a imposição de medidas cautelares - como comparecimento em juízo, proibição de ausentar-se da comarca e recolhimento domiciliar noturno - é a regra. Em geral, mais de duas medidas são aplicadas. Só 0,89% consegue liberdade irrestrita.
O relatório considera tal dado alarmante. "O uso recorrente de medidas cautelares, embora seja uma alternativa à prisão e implique menor interferência do Estado na vida do cidadão, passa a ser uma muleta utilizada pelos magistrados", afirma.
O comparecimento periódico em juízo, por exemplo, "desconsidera a dificuldade que pode representar a quem não tem renda fixa e precisa arcar com o ônus do deslocamento até o fórum e com as faltas no trabalho", continua o texto.
O vice-presidente do IDDD, Hugo Leonardo, afirma que as audiências não estão privilegiando o princípio de não culpabilidade. "É parte de uma cultura punitivista, que faz com que juízes achem razoável a punição cautelar, descumprindo a Constituição", diz.
Para ele, ao invés de atacar as causas de criminalidade, a Justiça "aumenta o caos nas penitenciárias e as fileiras das facções. É a criminalização da pobreza, que acirra a desigualdade social".

Ambiente não favorece denúncias de violência por parte dos acusados

Segundo o relatório do IDDD, o ambiente das audiências de custódia não favorece denúncias de violência ocorridas durante a prisão. Isso porque 83% das pessoas estavam algemadas durante o cara a cara com o juiz. Além disso, na quase totalidade (96%) dos casos havia agentes de segurança na sala - em algumas cidades, a presença chegava a quatro policiais. Em Porto Alegre, em 100% dos casos, os detidos não estavam algemados. A conclusão é de que, como a audiência ocorre dentro do Presídio Central, o uso não se fazia necessário.
Os números do relatório expõem ainda pouco interesse em saber de ocorrência de tortura no momento da prisão e de dar encaminhamento aos relatos. Os pesquisadores anotaram que 13% das pessoas não foram indagadas sobre violência policial. Entre os que foram, 26% responderam que sim, sendo a Polícia Militar apontada como agressora em 76% dos casos. Em Porto Alegre, 32,69% afirmaram que passaram por violência policial.
A ocorrência de violência que caracterize tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes torna o flagrante ilegal. Ainda assim, o juiz só relaxou o flagrante em 2% das audiências, ou 56 em números brutos. Entre os quase 3 mil casos analisados, em apenas cinco o relato de violência da pessoa custodiada embasou o relaxamento.
Mesmo com o relato, o Ministério Público não encaminhou denúncia em 74% dos casos. Em menos de 1% houve determinação de instaurar um inquérito policial. O relatório mostra, ainda, que o testemunho do policial que efetuou a prisão é a única prova de acusação em 56% dos casos.

Porto Alegre não segue à risca o que determina a resolução do CNJ

Em Porto Alegre, o encontro do preso com a autoridade judicial acontece no presídio, e não no fórum. Parte dos detidos também não é apresentada no período de 24 horas. Aqueles detidos até as 6h são conduzidos à audiência de custódia das 9h30min. Porém, quem for preso depois desse horário, vai para a pauta do dia seguinte, ultrapassando o prazo para a apresentação em juízo.
A análise da legalidade da prisão em flagrante na Capital é feita com base apenas em documentos (auto de prisão e boletim de ocorrência). "Passam pelas audiências de custódia apenas as pessoas que tiveram a prisão preventiva decretada por esse juiz", indica o estudo, concluindo que, em Porto Alegre, não se faz audiência de custódia no molde da Resolução nº 213/2015 do CNJ, já que as pessoas para quem se concede liberdade provisória não passam por audiência, portanto não têm a chance de denunciar eventual violência sofrida na abordagem policial.
No geral, o documento afirma que quase 70% dos casos envolvem crimes não violentos e mostra o perfil predominante entre os custodiados, que espelha o retrato da população prisional brasileira. Homens representam 91% - dos quais dois em cada três têm até 29 anos. Os negros também são a maioria (64%). Não cumpriram o Ensino Fundamental 35%, e 38% não têm renda fixa.