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Direitos humanos

- Publicada em 03 de Junho de 2019 às 22:05

STF está a um passo de criminalizar a homofobia

Enquadramento na lei dos crimes de racismo é visto como uma vitória por grupos LGBT

Enquadramento na lei dos crimes de racismo é visto como uma vitória por grupos LGBT


PAULO PINTO/FOTOS PUBLICAS/JC
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para enquadrar a homofobia e a transfobia na lei dos crimes de racismo até que o Congresso aprove legislação sobre o tema. O julgamento, que havia começado em fevereiro, foi retomado em 23 de maio, um dia depois de a Comissão de Constituição e Justiça do Senado ter feito avançar um projeto de lei que criminaliza a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero. Após a consolidação de dois votos, decidiu-se por adiar o julgamento e retomá-lo amanhã.
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para enquadrar a homofobia e a transfobia na lei dos crimes de racismo até que o Congresso aprove legislação sobre o tema. O julgamento, que havia começado em fevereiro, foi retomado em 23 de maio, um dia depois de a Comissão de Constituição e Justiça do Senado ter feito avançar um projeto de lei que criminaliza a discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero. Após a consolidação de dois votos, decidiu-se por adiar o julgamento e retomá-lo amanhã.
A Lei nº 7.716, que criminaliza o racismo, define os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor. De acordo com a corrente majoritária, a homofobia e a transfobia devem ser enquadradas no artigo nº 20, que prevê pena de um a três anos de prisão para quem praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Em fevereiro, os ministros Celso de Mello, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso foram os primeiros a se posicionarem a favor da criminalização da homofobia. Já em maio, foi a vez de Rosa Weber e Luiz Fux se manifestaram favoráveis à decisão, formando a maioria de seis votos no plenário. Ainda faltam os votos de cinco ministros: Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e do presidente, Dias Toffoli.
Em seu voto, Rosa Weber ressaltou a violência enfrentada pelas comunidades LGBT e a importância de se preservar os direitos dessas minorias. "O pedido tem lastro no artigo 5º da Constituição, segundo o qual a lei punirá qualquer discriminação atentatória a direitos fundamentais. Entendo que o direito à própria individualidade, identidades sexual e de gênero, é um dos elementos constitutivos da pessoa humana. O descumprimento de tal comando pelo Legislativo, não obstante transcorridas três décadas desde a promulgação da lei fundamental, abre via da ação por omissão, previsto na Constituição e que visa suprir vazio legislativo."
Para Fux, o enquadramento na lei dos crimes de racismo é uma medida necessária, uma vez que esta implica em delitos imprescritíveis. Em seu voto, o ministro citou que a criminalização de condutas de homofobia gerará um respeito maior a essas comunidades, aumentando a autoestima das minorias e lhes confortando a sensação de pertencimento à sociedade.
Conforme o ministro, a violência enfrentada pela população LGBT nem sempre é física. Quando um estabelecimento proíbe, por exemplo, a contratação de homossexuais, está cometendo um delito homofóbico de violência simbólica - consolidado pelos danos morais e psicológicos. "Depois do Holocausto, jamais se imaginou que um ser humano poderia ser alvo dessa discriminação e violência", disse o magistrado. "Acolher o pedido da comunidade LGBT é cumprir o compromisso da Justiça que é o de dar a cada um aquilo que é seu. E assim o fazendo, o STF estará cumprindo o sacerdócio da magistratura", completou.
Outros dois processos que pedem que o STF reconheça a omissão do Congresso ao deixar de criminalizar a homofobia também estão em julgamento. Os autores dessas ações são a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transexuais (ABLGT) e o PPS, que recorreram ao tribunal em 2012 e 2013.
 

Tribunal supriu a função do legislador, diz Maria Berenice

De acordo com Maria Berenice Dias, advogada especialista na garantia dos direitos da população LGBT, o Supremo não está legislando acerca da criminalização da homofobia, está apenas cumprindo o que a Constituição Federal determina que ele faça. "O STF não está criando nada, está apenas determinando que enquanto os poderes legislativos não cumprirem o que devem cumprir, que é fazer uma lei para criminalizar a homofobia, que se aplique a legislação vigente para os crimes de racismo, que também é motivado pela discriminação de determinados segmentos de pessoas", afirma.
A advogada lembra que, em 2012, o Congresso recebia o primeiro processo em favor da criminalização da homofobia, que tinha em seu texto questões ligadas à orientação sexual e identidade de gênero. "Esse projeto chegou a ser aprovado pela Câmara, foi para o Senado e lá ficou, talvez por preconceito, por má vontade ou pelo medo da não reeleição, o que eu acho muito perverso", lamenta.
A retomada do julgamento pelo STF, segundo Maria Berenice, tem caráter positivo e papel fundamental na garantia de direitos da população LGBT. "O mais significativo deste julgamento é a criminalização da homofobia, porque é inaceitável que os órgãos responsáveis não cumpram a ação legisladora num país onde se mata por orientação sexual e identidade de gênero. A Justiça até hoje conseguiu conceder direitos, mas não tinha como punir esses crimes de ódio. Agora, em boa hora, o STF está suprindo essa função do legislador", conclui a advogada.
 

Da negligência à realidade: o país que mais mata LGBTs

"O país que mais mata LGBTs no mundo": essa é a amplitude da violência contra gays, lésbicas, travestis e transexuais no Brasil, de acordo com os últimos levantamentos realizados pelas entidades representativas da causa LGBT. Em 2017, de acordo com o Grupo Gay da Bahia, 445 lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais foram mortos em crimes motivados por homofobia, o que representava uma vítima a cada 19 horas no Brasil.
De acordo com Caio Klein, advogado da ONG Somos - Comunicação, Saúde e Sexualidade, de Porto Alegre, o julgamento que objetiva criminalizar a homofobia ocorre em um momento histórico importante. "Essa decisão do STF é importante neste momento de recrudescimento do conservadorismo no País, pois é uma resposta do Estado às ameaças de perdas que temos sofrido diante de um governo que se alia à barbárie em matéria de gênero e sexualidade". Por outro lado, Caio entende que essa decisão não pode ter um fim em si, uma vez que ela não dá conta de uma mudança estrutural ou educativa, mas apenas punitiva.
Segundo ele, a decisão de incluir a LGBTfobia nos crimes de racismo pode ser uma decisão um pouco eloquente e teoricamente insatisfatória. "O Brasil é um país brutalmente racista, mesmo o racismo sendo criminalizado há anos, pois não investe em educar seu povo para ser anti-racista. Isso demonstra um pouco a maneira como LGBTs no Brasil vem conseguindo acessar direitos, quase sempre de maneira precária", critica.
Conforme Guilherme Ferreira, assistente social da ONG Somos, o combate à LGBTfobia deve se dar, prioritariamente, através do investimento em ações socioeducativas e pedagógicas, na perspectiva da educação para os direitos humanos. "O julgamento, em si, significa uma maior garantia da não criminalização desses movimentos sociais. Para nós, cujo trabalho está voltado a promoção dos direitos de pessoas LGBT, a importância da criminalização está também em possibilitar a notificação dos casos de violência homofóbica e, consequentemente, a criação de dados públicos sobre crimes contra essa população."