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Legislação

- Publicada em 22 de Abril de 2019 às 21:37

Nova política de drogas aposta na repressão

Ministério da Saúde recomenda tratamento ambulatorial nos Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas

Ministério da Saúde recomenda tratamento ambulatorial nos Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas


/CESAR LOPES/PMPA/JC
Desde 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) julga a ação que decidirá se o porte de drogas para uso pessoal é crime ou não. A nova sessão de julgamento da ação na corte deve acontecer em 5 de junho deste ano. Neste caminho, se modificou cada vez mais a ideia do usuário como um criminoso, com a visão de que ele é muito mais um dependente químico, ou seja, uma pessoa doente. É assim que funciona a política de redução de danos, pensada no Brasil a partir dos anos 1990: não se preza por retirar a droga, mas encontrar formas de possibilitar a libertação do vício, de acordo com a necessidade e vontade do usuário. Nas últimas semanas, porém, a nova Política Nacional sobre Drogas (Pnad) foi lançada em sentido oposto. Com base na abstinência e contra a descriminalização, o decreto sugere buscar "incessantemente atingir o ideal de construção de uma sociedade protegida do uso de drogas lícitas e ilícitas e da dependência de tais drogas".
Desde 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) julga a ação que decidirá se o porte de drogas para uso pessoal é crime ou não. A nova sessão de julgamento da ação na corte deve acontecer em 5 de junho deste ano. Neste caminho, se modificou cada vez mais a ideia do usuário como um criminoso, com a visão de que ele é muito mais um dependente químico, ou seja, uma pessoa doente. É assim que funciona a política de redução de danos, pensada no Brasil a partir dos anos 1990: não se preza por retirar a droga, mas encontrar formas de possibilitar a libertação do vício, de acordo com a necessidade e vontade do usuário. Nas últimas semanas, porém, a nova Política Nacional sobre Drogas (Pnad) foi lançada em sentido oposto. Com base na abstinência e contra a descriminalização, o decreto sugere buscar "incessantemente atingir o ideal de construção de uma sociedade protegida do uso de drogas lícitas e ilícitas e da dependência de tais drogas".
O Decreto nº 9.761 foi lançado no dia 11 de abril. A divulgação aconteceu no evento em alusão aos 100 dias de governo. Além do presidente Jair Bolsonaro, ratificaram o documento o ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro e a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves. A nova Política Nacional sobre Drogas ancora-se em pontos centrais: posição clara contra a legalização; tratamento focado em abstinência, com estímulo às chamadas comunidades terapêuticas; novo entendimento do que é considerado tráfico, sem levar em conta somente a quantidade que se porta, mas também as circunstâncias do flagrante policial. A nova Pnad revoga a anterior, datada de 2002, durante a gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, que reconhecia a redução de danos como "intervenção preventiva que deve ser incluída entre as medidas a serem desenvolvidas".
No Supremo, a questão segue em direção à descriminalização do uso. Para o ministro Luis Roberto Barroso, é preciso não confundir moral com o Direito. "Há coisas que a sociedade pode achar ruins, mas elas não são ilícitas", afirma. O julgamento no STF se restringe ao uso da maconha, comparando-a ao álcool e a nicotina - já autorizadas.
A descriminalização trata de não ver mais o usuário como um criminoso, modificando a ótica de análise. Assim, deixa-se em segundo plano a visão criminal e adotam-se medidas de saúde pública. Para o doutor em ciências jurídico-criminais, Marcelo Almeida Ruivo, atualmente, não se pensa no impacto que a droga gera na vida das pessoas. Estudos clínicos apontam para uma relação entre traumas na infância que modificam o sistema de recompensa cerebral, facilitando o abuso e a futura dependência de drogas na adolescência e na fase inicial da idade adulta. "Tem que haver mudanças culturais, que podem, de fato, reduzir o uso", aponta Ruivo.
A nova Pnad trata também do que é considerado tráfico. Mais do que a análise com base na quantidade, considera as circunstâncias do flagrante. De acordo com a Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ), porém, a regra já é validada nos registros policiais, pois circunstâncias sociais fazem que cada delegado estabeleça um critério próprio para o que é tráfico de drogas.
Para Ruivo, há décadas a repressão pura e simples não tem resultados. "A liberdade se dá através da responsabilidade: saber quais são os efeitos e os riscos", finaliza.

Proteção contra as drogas acontecerá por meio de comunidades terapêuticas

O tratamento que prioriza a abstinência liga-se a proposta de investimento em comunidades terapêuticas. Essas, em maioria, são apoiadas por organizações religiosas e misturam o atendimento aos usuários com a busca por conforto espiritual. A iniciativa gerou controvérsias. Para alguns especialistas, retirar o usuário dos locais que se relacionam ao uso da droga podem trazer resultados momentâneos. Entretanto, após a liberação, o indivíduo pode não lidar bem com os resultados da abstinência.
Para Pedro Ferreira, membro da Comissão Nacional de Estudos de Dependência Química da Associação Brasileira de Psiquiatria, há diferença entre espiritualidade e religiosidade. "Estudos recentes de neurociências têm apontado para redução de compulsão/fissura por drogas nos pacientes que passam a desenvolver o que chamam de despertar espiritual", diz. O incentivo monetário por parte do governo às comunidades se mostraria, portanto, uma solução na guerra às drogas.
A proposta relembra a decisão do Conselho Nacional de Políticas Sobre Drogas (Conad) de março do ano passado. A resolução apresentada pelo ministro Osmar Terra, fundamentava a prevalência da abstinência. No encontro, o ministro declarou que os grupos favoráveis à política de Redução de Danos seriam incentivadores do consumo de entorpecentes.
 

A redução de danos no Brasil

A redução de danos foi proposta como política pública no Brasil, pela primeira vez, em 24 de novembro de 1989. No 1º Seminário Santista sobre Aids, em São Paulo, foi proposto trazer ao País um método que já se mostrava eficiente na Holanda. Para reduzir a proliferação do HIV em razão da troca de seringas entre usuários de drogas, a prefeitura distribuiria seringas individuais. Em 1995, o Centro de Estudos de Terapia e Abuso de Drogas da Universidade Federal da Bahia (UFBA) iniciou o programa de troca de seringas no Brasil com recursos da Coordenação Nacional de DST/Aids.
Em 2004, o Ministério da Saúde institui o Programa de Atenção Integral a Usuários de Álcool e outras Drogas na portaria nº 11.343. No ano seguinte, a portaria nº 1.028/2005 regulamentou os programas de redução de danos como política de saúde pública. O Ministério da Saúde recomenda que o tratamento para dependência em drogas na rede pública seja oferecido, preferencialmente, em regime ambulatorial, nos Centros de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas (Caps). O paciente, portanto, não precisa ser internado ou abandonar imediatamente o uso. A internação compulsória é utilizada somente como último recurso.
Em 2015, o programa "De Braços Abertos", em São Paulo, tratou de dependentes de crack com base na redução de danos - foram oferecidas moradias e trabalho para os usuários. A prefeitura estimou-se que a redução pode ter até 70% de chance de sucesso, enquanto na manutenção da abstinência pode ser de, no máximo, 30%. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a redução de danos como forma de lidar com as questões sociais relacionadas à dependência de drogas e garantir o acesso a serviços de saúde de forma humanizada.