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Sistema prisional

- Publicada em 16 de Abril de 2019 às 03:00

Prisões ecoam diferenças de tratamento de gênero

A Penitenciária Feminina Madre Pelletier é o única prisão exclusiva para mulheres no Estado

A Penitenciária Feminina Madre Pelletier é o única prisão exclusiva para mulheres no Estado


ANA PAULA APRATO/ARQUIVO/JC
O sistema prisional é um espaço criado por homens para homens. Mesmo em penitenciárias femininas, são raras as estruturas, áreas e políticas criadas e aplicadas especificamente para o público feminino. Mas, de acordo com o Relatório Nacional sobre a População Feminina no Brasil (Infopen Mulheres), publicado em 2014 pelo Ministério da Justiça, a população penitenciária feminina passou de 5.601 para 37.380 detentas entre 2000 e 2014, um crescimento de 567% em 15 anos em todo o País - enquanto o crescimento masculino, no mesmo período, foi de 220,20%. O Brasil tornou-se o quinto país que mais prende mulheres no mundo. Agora, o cárcere recebe cada vez mais pessoas que não se encaixam no modelo previsto por quem, lá atrás, estruturou o sistema penitenciário nacional - são mulheres e LGBTs que têm necessidades diferentes e precisam de um espaço que lhes dê possibilidade de reinserção social.
O sistema prisional é um espaço criado por homens para homens. Mesmo em penitenciárias femininas, são raras as estruturas, áreas e políticas criadas e aplicadas especificamente para o público feminino. Mas, de acordo com o Relatório Nacional sobre a População Feminina no Brasil (Infopen Mulheres), publicado em 2014 pelo Ministério da Justiça, a população penitenciária feminina passou de 5.601 para 37.380 detentas entre 2000 e 2014, um crescimento de 567% em 15 anos em todo o País - enquanto o crescimento masculino, no mesmo período, foi de 220,20%. O Brasil tornou-se o quinto país que mais prende mulheres no mundo. Agora, o cárcere recebe cada vez mais pessoas que não se encaixam no modelo previsto por quem, lá atrás, estruturou o sistema penitenciário nacional - são mulheres e LGBTs que têm necessidades diferentes e precisam de um espaço que lhes dê possibilidade de reinserção social.
A Penitenciária Feminina Madre Pelletier, localizada na Zona Sul da Capital, foi o primeiro presídio para mulheres construído no Brasil. Entretanto, não começou da maneira como funciona hoje: em 1937, foi criada por freiras como um reduto de mulheres subversivas, a fim de reintegrá-las socialmente ensinando-lhes "coisas de mulher". O prédio atual foi inaugurado em 1944. em 1977, se tornou um órgão estadual. À época, as mulheres podiam representar números ínfimos nos dados do sistema prisional do Estado.
Hoje, há 1.420 unidades prisionais no Brasil. Destas, 103 são exclusivamente femininas, e 239, mistas. O restante, que representa mais de 75%, são masculinas. Em razão da alta demanda de detentas e da baixa oferta de vagas em locais específicos, é comum que, nessas unidades, sejam abrigadas mulheres. De acordo com Bruno Cerejo, defensor público da comarca de Santo Ângelo, como solução, "criam-se verdadeiros puxadinhos". Em Santo Ângelo, por exemplo, entre três galerias masculinas, as mulheres localizam-se no corredor que une esses espaços à administração.
No Brasil, de acordo com o Censo Penitenciário, cerca de 58% das mulheres estão presas pelo crime de tráfico de drogas e são, na maioria, negras e pardas. No Rio Grande do Sul, 40% já foram vítimas de violência doméstica antes do cárcere. Pesquisadores estimam que por volta de 85% delas são mães. A maioria não chegou a completar o Ensino Fundamental. Segundo o Ministério da Justiça, entre 2007 e 2012, a criminalidade cresceu 42% entre as mulheres - ritmo superior ao masculino. Para ativistas, a emancipação da mulher como chefe da casa sem equiparação de salário aumenta a pressão financeira sobre elas, fazendo-as recorrer a complementos ilegais de renda.
Em decisão publicada em outubro de 2016, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski afirmou que, "historicamente, a ótica masculina tem sido tomada como regra para o contexto prisional". Como resultado, as políticas públicas, os dados e a proteção estatal têm encontrado caminhos tortos para chegar às mulheres e demais minorias.
 

Situação de detentas grávidas e mães é ainda pior

Entre os Tratados Internacionais dos Direitos Humanos, em 2010, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu a necessidade de criar uma legislação voltada às diferenças de gênero na privação de liberdade. Surgiram, então, as Regras de Bangkok - Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras. O Brasil é signatário e foi ativo no desenvolvimento do documento, publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em português em 2016. As regras propõem um olhar para as especificidades de gênero no encarceramento, seja no campo da execução penal, seja na priorização de medidas não privativas de liberdade - que evitem a entrada das mulheres no sistema.
Entre as questões contempladas estão as de higiene pessoal e de alocação dessas mulheres - que deve ser, na medida do possível, próximo ao seu meio familiar. Em geral, no País, o pacote de higiene que é dado para detentas são dois rolos de papel higiênico e dois pacotes de absorventes descartáveis - com oito produtos em cada - por mês. Calcula-se, então, que uma mulher cujo período menstrual é de cinco dias, não terá acesso nem a dois absorventes diários. Se acusa, portanto, que o País, como signatário de uma norma internacional de proteção às mulheres encarceradas, não esteja arcando com as responsabilidades ali ratificadas.
Pesquisadores estimam que cerca de 85% das mulheres encarceradas são mães. Quando detidas, seus filhos são distribuídos entre familiares e instituições.
Além das mulheres que já chegam mães, há as encarceradas grávidas. Em todo o País, de acordo com o Censo Penitenciário de 2012 - que possui os dados mais atuais a respeito disso -, existem 39 unidades de saúde e 288 leitos para gestantes e lactantes privadas de liberdade. O que significa que, na maioria dos presídios e cadeias públicas, elas ficam misturadas com a população carcerária.
Em 2009, foi sancionada a Lei nº 11.942, que assegurava às encarceradas o direito de um período de amamentação de, no mínimo, seis meses, além de cuidados médicos para o bebê e a mãe. Existem cerca de 60 berçários e creches em todo o sistema carcerário feminino. Em 2018, 249 bebês viviam no cárcere.
Ativistas têm sugerido que as mães de bebês de até um ano fiquem em prisão domiciliar, com tornozeleiras eletrônicas, enquanto amamentam. A sugestão se estenderia para encarceradas que não cometeram crimes contra a pessoa - ou seja, 90% delas. Assim, a criança viveria em um ambiente mais saudável. Ao fim do período, a mãe voltaria a cumprir pena em regime fechado.
No ano passado, a 2ª Turma do STF concedeu habeas corpus coletivo para determinar a substituição da prisão preventiva por domiciliar de mulheres presas que sejam gestantes ou mães de crianças de até 12 anos ou de pessoas com deficiência. Os ministros reconheceram que a medida seria melhor para as crianças, garantindo direitos, proximidade com familiares e acesso a programas de saúde. Uma pesquisa da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DP-RJ) do final de março, porém, indicou que, no estado, uma em cada quatro mães e grávidas segue presa, apesar de preencher os requisitos. Entre agosto de 2018 e fevereiro de 2019, a DP-RJ constatou que 552 mulheres passaram pelas audiências de custódia. Dessas, 161 com suspeita de gravidez, grávidas, amamentando, com filhos menores de 12 anos ou com deficiência. Foram mantidas presas 28%, ou seja, 45 mães.
 

As mulheres nas prisões brasileiras

População prisional feminina 42.355
Sistema penitenciário 41.087
Secretarias de Segurança/ Carceragens de delegacias 1.268
Vagas para mulheres 27.029
Déficit de vagas para mulheres 15.326
Taxa de ocupação 156,7%
Taxa de aprisionamento 40,6%
Fonte: Levantamento de Informações Penitenciárias - INFOPEN, Junho/2016. IBGE, 2016.

Os LGBTs encarcerados

Não há muitos dados sobre a população LGBT encarcerada. No levantamento de 2014, há números acanhados. Se fala que 1% dos presídios nacionais têm ala LGBT e em 5% existe cela específica. Em 2016, porém, o levantamento não trouxe esses dados atualizados. "Torcemos que seja mera omissão, não que tenham acabado com esses espaços", afirma Bruno Cerejo.
Os questionamentos foram levantados na palestra "População LGBT Encarcerada: Violência e Invisibilidade", parte do evento Diversidade, Inclusão e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, guiado por representantes do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (NUDDH) do órgão.
Os maiores problemas são encarados por quem já encara a invisibilidade na vida em sociedade: transexuais não têm seu gênero reconhecido na prisão, sendo considerado apenas o órgão sexual e não seu nome social. Desta forma, buscando o sistema, não é possível identificar quem são estas pessoas.
A resolução n. 1 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária junto com o Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT, orienta que transexuais masculinos fiquem no presídio feminino. Pois, ainda que não haja identificação, pode proteger de violência física. Mas, de acordo com Cerejo, há um contraponto: a manutenção dos transexuais masculinos em alas femininas cria uma reprodução da heteronormatividade externa - eles exercem um poder maior sobre as apenadas.
As questões são muitas, e só podem ser solucionadas com conhecimento de caso. Cerejo defende que, para isso, não se pode resolver problemas no papel. "Todo o ordenamento normativo determina que o Estado dê suporte ao apenado, seja ele quem for", afirma. Ele sugere, portanto, que se conheça os problemas e as pessoas de forma ativa. É só ouvindo cada caso que os defensores veem a possibilidade de lidar com os indivíduos criando a possibilidade de reinserção social.