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Meio Ambiente

- Publicada em 29 de Janeiro de 2019 às 01:00

Após Mariana, especialistas pressionavam por lei mais rígida para barragens

Das 400 estruturas em Minas Gerais, 37 são de rejeitos e não têm garantia de estabilidade, diz ONG

Das 400 estruturas em Minas Gerais, 37 são de rejeitos e não têm garantia de estabilidade, diz ONG


DOUGLAS MAGNO/AFP/JC
Desde o rompimento da barragem de Mariana, em 2015, que deixou 19 mortos, especialistas em meio ambiente de Minas Gerais batalham pela aprovação de uma lei específica para barragens. Na sexta-feira, em Brumadinho, uma nova barragem se rompeu, fazendo reviver o desastre de três anos atrás.
Desde o rompimento da barragem de Mariana, em 2015, que deixou 19 mortos, especialistas em meio ambiente de Minas Gerais batalham pela aprovação de uma lei específica para barragens. Na sexta-feira, em Brumadinho, uma nova barragem se rompeu, fazendo reviver o desastre de três anos atrás.
Minas tem pelo menos 400 barragens, sendo que 37 delas são de rejeitos e não têm garantia de estabilidade, segundo informou a Associação dos Observadores do Meio Ambiente de Minas Gerais - uma ONG que acompanha os avanços da legislação sobre o tema.
"Entre idas e vindas, não conseguimos avançar com a Lei de Segurança das Barragens, que ficou para a próxima legislatura", explicou Leonardo Ivo, presidente da associação e especialista em gestão ambiental. "A única coisa que temos hoje é a lei para o licenciamento de barragens."
Por conta do subsolo rico em ferro, Minas tem boa parte de sua economia calcada na exploração do minério. A grande maioria das plantas de exploração conta com barragens de resíduos chamadas de "a montante", ou seja, em que os resíduos resultantes da exploração do minério são acumulados em várias camadas que vão se empilhando ao longo do tempo. Existem tecnologias mais modernas para o tratamento dos resíduos, mas elas são mais caras. No estado, a questão é agravada porque as barragens estão muito próximas de áreas povoadas.
"São três pontos principais pelos quais lutamos e que já deveriam ter sido alterados", explica Leonardo Ivo. "O primeiro deles é que as barragens devem ficar a pelo menos dez quilômetros de distância de qualquer comunidade; o segundo é a existência de uma caução ou seguro para arcar com eventuais danos ou impactos e, ainda, uma nova tecnologia de disposição de rejeitos, a seco", disse o promotor de Justiça Guilherme de Sá Meneghin, que atuou no caso do rompimento da barragem de Mariana e afirmou que o novo rompimento está longe de ser uma surpresa.
"Esse modelo de barragem a montante localizado acima das comunidades está sujeito ao desastre. Porque, caso a barragem se rompa vai, inevitavelmente, atingir a comunidade. Precisamos ter outro tipo de disposição de rejeitos de minérios. Mas as mineradoras preferem utilizar a mais barata, a mais lucrativa, a que é mais arriscada", afirmou Meneghin. "É uma bomba relógio."
Professor de engenharia geotécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Maurício Ehrlich explica que esse tipo de barragem é construída em vales, comuns na paisagem mineira. Conforme ela se enche de resíduos, é fechada. Uma nova camada de resíduos é acumulada por cima e, assim, sucessivamente. O método não é usado apenas no Brasil e tampouco é ilegal. Mas é considerado de maior risco.
"São várias questões, desde a drenagem da água, passando pela inclinação do terreno, disposição dos rejeitos", ressaltou Ehrlich. "É mais difícil de controlar, mais sujeito a surpresas, justamente porque se constrói por cima dos rejeitos."
Para Meneghin, no entanto, não se pode falar em acidente. "Do ponto de vista penal, não é um acidente, não é algo imprevisível e incontrolável", explicou. "É um crime, um desastre causado pelo homem, fruto da irresponsabilidade de quem comandou e operou a barragem."

'Se houver negligência, aquilo se rompe', disse conselheiro do Ibama em reunião em dezembro

A reunião do Conselho de Política Ambiental (Copam), da Secretaria de Meio Ambiente e Política Sustentável (Semad) de Minas Gerais, em 11 de dezembro de 2018, foi marcada por discussões. Entre os projetos da pauta pendentes de aprovação estava o pedido da Vale para aumentar em 70% a exploração de minério de ferro nas minas de Córrego do Feijão e Jangada, vizinha da barragem que se rompeu em 25 de janeiro, em Brumadinho. Conselheiros chegaram a alertar para o risco de problemas no futuro diante do pouco tempo para a análise adequada da intervenção planejada pela empresa.
Em reportagem, o jornal O Estado de S. Paulo mostrou que o único voto contrário do total de nove conselheiros foi o de Maria Teresa Viana de Freitas Corujo, a Teca. O presidente do Copam, Breno Esteves Lasmar, pediu para ela justificar a posição. "São muito graves todo o rito processual, todos os impactos e o que isso vai significar para essa região. É muito violento continuar testemunhando essa situação de irresponsabilidade, de insanidade em decisões ambientais."
Teca reforçou a razão do seu voto, dizendo que a análise foi feita às pressas. "Não foi apresentado um balanço hídrico completo, de quais seriam os reais impactos nas águas do local e do entorno", criticou. "Aquela área já precisa muitas vezes de caminhão-pipa para ser abastecida". Falta no estado de Minas Gerais, disse Teca, esforço maior para aprovar legislação mais rigorosa para segurança de barragens. "Desde o ano passado, temos cobrado na Assembleia Legislativa a aprovação do Projeto de Lei de Segurança de Barragens", afirmou.
Já o conselheiro Julio Cesar Dutra Grillo, superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em Minas, se absteve de votar. Na justificativa, falou sobre a preocupação que envolvia os moradores da região. "Esse projeto (da Vale) traz algumas novidades positivas. Uma delas é o descomissionamento (desativação progressiva) de uma barragem de 10 milhões de m3 que está acima de Casa Branca (a barragem I que se rompeu tinha 12,7 milhões de m3). Muita gente aqui citou o problema de Mariana, de Fundão, e vocês têm um problema similar. E ali é o seguinte, essas barragens não oferecem risco zero. Em uma negligência qualquer de quem está à frente de um sistema de gestão de risco, aquilo rompe", alertou.
Ele acrescenta que um eventual rompimento poderá estar ligado ao abandono. "Se essa barragem ficar abandonada por alguns anos, não for descomissionada, ela rompe, e isso são 10 milhões m3, é um quarto do que saiu de Fundão, inviabiliza Casa Branca e ao menos uma das captações do Paraopeba." Então, isso é muito importante. A Vale informou que a barragem não era usada há três anos.
N a reunião, a Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri), da Semad, de onde partiu o parecer único com indicativo de aprovação do projeto de expansão, foi cobrada pela falta de análise adequada. Rodrigo Ribbas, da Suppri, defende o projeto, destacando que prevê a desativação da barragem de rejeitos e a ampliação da cava com tratamento a seco, "portanto, sem barragem". "Tivemos muita tranquilidade no parecer e estamos muito seguros em relação a ele."
O projeto acabou aprovado com condicionantes, ou seja, condições a serem modificadas ou implementadas pela empresa ao longo da exploração. Mas, na própria reunião, o conselheiro José Paulo falou sobre sua experiência com condicionantes. "Tem uma coisa mais séria ainda, apesar de não resolver nada, a Vale não cumpre com sua palavra. Já tive várias reuniões com os senhores que estão presentes aqui, e nós temos condicionantes desde de 1994, como o desassoreamento do Grota Fria (córrego)."