Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Direito Constitucional

- Publicada em 24 de Dezembro de 2018 às 01:00

Indulto natalino cria conflitos de poderes

Corte barrou via liminar e, posteriormente, liberou em plenário ao texto editado pelo Executivo

Corte barrou via liminar e, posteriormente, liberou em plenário ao texto editado pelo Executivo


/NELSON JR. / SCO / STF/DIVULGAÇÃO/JC
Entre as atribuições do presidente da República, conforme o Art. 84, inc. XII da Constituição Federal de 1988, está a concessão de indulto e comutação de pena. Desta forma, questões comumente associadas ao Poder Judiciário, migram ao líder do Executivo. O indulto natalino trata-se de um perdão do presidente a condenados, concedido na forma de decreto, a todos quantos possuírem as condições previstas. De forma coletiva, os condenados têm as penas extinguidas e crimes perdoados.
Entre as atribuições do presidente da República, conforme o Art. 84, inc. XII da Constituição Federal de 1988, está a concessão de indulto e comutação de pena. Desta forma, questões comumente associadas ao Poder Judiciário, migram ao líder do Executivo. O indulto natalino trata-se de um perdão do presidente a condenados, concedido na forma de decreto, a todos quantos possuírem as condições previstas. De forma coletiva, os condenados têm as penas extinguidas e crimes perdoados.
A partir do decreto, os sistemas prisionais analisam os processos de execução criminal e encaminham a relação dos nomes que preenchem os requisitos para os juízes das respectivas varas. De acordo com a Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) do Rio Grande do Sul, entre 2014 e 2016, 1.829 presos receberam indulto. As sugestões para o decreto são feitas pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) com edições posteriores do presidente da República.
No ano passado, o presidente Michel Temer editou o decreto 9.246/2017, que possibilita remissão para quem tivesse cumprido um quinto da pena em crimes praticados sem violência a pessoa e sem limite de pena para concessão. Assim, abria-se a possibilidade de perdão para crimes de colarinho branco, como corrupção - para esses crimes, as penas costumam ser maiores. Um levantamento da Força Tarefa da Lava Jato indicou que 22 presos da operação seriam beneficiados pelo decreto.
Na época, a procuradora-geral da República, Rachel Dodge, entrou com uma ação para derrubar o decreto. Carmem Lúcia, então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), deu uma liminar suspendendo cinco regras propostas por Temer - consideradas extremas e permissivas para emancipação de políticos presos na Lava Jato. O ministro Luís Roberto Barroso manteve a liminar e estabeleceu limites para a decisão do presidente. A partir da decisão, Temer não poderia beneficiar condenados à corrupção, a fim de o indulto não tornar-se instrumento de impunidade.
No documento, Barroso afirma que "a concessão do indulto após o cumprimento de uma fração tão pouco significativa da pena enfraquece a função preventiva da reprimenda penal, propiciando à sociedade e ao infrator a sensação de que o crime compensa". Em defesa, o presidente Michel Temer relembrou que os benefícios aplicam-se indistintamente a todas as pessoas nacionais e estrangeiras que se encaixem nas hipóteses previstas no decreto.
Com os acontecimentos à véspera do recesso do Judiciário, a questão voltou a ser julgada apenas em março deste ano, quando Barroso revisitou o decreto e manteve regras preestabelecidas. Tiveram direito apenas presos que cometeram crimes sem grave ameaça ou violência, que cumpriram pelo menos um terço da pena e com condenação inferior a oito anos de prisão. Para corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa, o indulto permaneceu suspenso.
O decreto voltou a ser julgado no dia 29 de novembro deste ano, quando seis dos 11 ministros votaram por manter o texto original. Com justificativa, eles compreenderam que a Constituição Federal confere ao presidente o poder de decisão do indulto. Portanto, o Judiciário não poderia interferir nesta decisão. Votaram nesse sentido os ministros Alexandre de Moraes, Celso de Mello, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski.
Luís Roberto Barroso e Edson Fachin votaram por derrubar o decreto e excluir de sua aplicação os crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e peculato (desvio de dinheiro público). A decisão foi adiada por dois pedidos de vista. Desta forma, a suspensão de parte do decreto continua válida até o caso voltar a julgamento.
De acordo com o procurador Regional da República, Douglas Fischer, o Decreto de 2017 é o mais clemente dos indultos. Ele lembra que, em 2006, de 23 presos no mensalão, 13 cumpriram menos de um ano de pena - foram libertos no Natal. "O STF deu aval para o presidente não respeitar mais nenhum parâmetro." Ele aponta que o objetivo do indulto é humanitário e busca a diminuição da população carcerária.

Os possíveis beneficiados envolvidos na Lava Jato

  • Antonio Palocci
  • Eduardo Cunha
  • Zwi Skornicki
  • André Luiz Vargas Ilário
  • Jorge Afonso Argello
  • João Cláudio Genu
  • João Luiz Argolo
  • José Carlos Bumlai
  • Nelma Kodama
  • Adir Assad
  • Carlos Habib Chater
  • Ricardo Pessoa
  • Ronan Maria Pinto
  • André Gustavo Vieira da Silva
  • Bruno Gonçalves da Luz
  • Dalton Avancini
  • Eduardo Hermelino Leite
  • Elton Negrão de Azevedo Junior
  • João Ricardo Auler
  • Jorge Antonio da Silva Luz
  • Mário Frederico Mendonça Goes
  • Antonio Carlos Brasil Fioravante Pieruccini

Judiciário poderia estabelecer parâmetros para perdão

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, sustentou que o Decreto 9.246/2017 usurpa funções legislativas e judiciais, violando, assim, a separação dos poderes. Segundo a procuradora-geral, cabe ao Legislativo editar normas que definam condutas penalmente relevantes, descriminalizem ou anistiem as condutas puníveis, pautado por critérios adequados à política criminal.
Existe uma série de benefícios penais cedidos pelo poder Judiciário - como redução de pena e livramento condicional e saídas temporárias. Estes levam em conta diversas questões objetivas, como cumprimento de pena e comportamento do réu. Os benefícios que fogem ao judiciário rompem a ordem natural de poderes, de acordo com Carlos Eduardo Rodrigues Bandeira, advogado especialista em Direito Penal e doutorando em Direito Político e Econômico.
"O indulto é uma ação do executivo que sobrepõe o poder Judiciário", afirma Bandeira. De acordo com o advogado, o ato é um perigo para a democracia, pois é resquício de uma política penal que não funcionou. Conforme ele, a tradição de concessão de perdão nasceu da clemência monárquica, quando reis e imperadores absolviam condenados. Na época, as condições se davam por características dos crimes, parentescos ou questões sociais. A tradição passou dos monarcas ao poder Executivo.
"A teoria democrática deve se aprofundar e permitir a deliberação aos poderes e à sociedade", complementa. A clássica teoria da separação de poderes sugere que estes não hajam separadamente, mas complementem-se.
O advogado sugere que seja função do Judiciário a deliberação de quais tipos de crimes e sentenciados serão alvo do perdão presidencial, não de maneira generalizada ou sem parâmetros: um instituto que vá direto ao ponto. "Em crimes de corrupção as vítimas somos todos nós, cidadãos. O pior sentimento que o judiciário pode experimentar é a impunidade alimentada pelo indulto", finaliza.