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Jornal da Lei

- Publicada em 20 de Novembro de 2018 às 01:00

'Vivemos um Brasil judicializado e criminalizado'

Advogado criminalista Kakay aponta os perigos da espetacularização do Direito Penal

Advogado criminalista Kakay aponta os perigos da espetacularização do Direito Penal


MARCO QUINTANA/JC
O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, esteve em Porto Alegre na última semana para participar do encerramento da 3ª turma regular da Escola de Criminalistas - que recebeu seu nome. Em entrevista ao Jornal da Lei, Kakay, que já defendeu dois presidentes da República (José Sarney e Itamar Franco) e atualmente é advogado de 17 acusados da Lava Jato, falou sobre a operação, o futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro, e os perigos da espetacularização do Direito Penal. 
O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, esteve em Porto Alegre na última semana para participar do encerramento da 3ª turma regular da Escola de Criminalistas - que recebeu seu nome. Em entrevista ao Jornal da Lei, Kakay, que já defendeu dois presidentes da República (José Sarney e Itamar Franco) e atualmente é advogado de 17 acusados da Lava Jato, falou sobre a operação, o futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro, e os perigos da espetacularização do Direito Penal. 
Jornal da Lei - Como é realizar a defesa de vários acusados de corrupção em uma mesma operação?
Kakay - Não pego a defesa de vários acusados se tiver qualquer ponto de conflito. A cada 20 pessoas que buscam meu escritório, eu seleciono um ou dois clientes. Minha seleção é baseada em boas defesas técnicas. Depois, não pode ter nenhum tipo de contradição ou impedimento entre um cliente e outro. Isso é o mínimo que um advogado pode fazer. Tenho muitos clientes na Lava Jato, já tive mais de 20. Hoje são 17. Embora as pessoas tenham uma visão de que sou ligado ao PT, tenho mais clientes do PSDB, PMDB e PP. Evidentemente que não pergunto o partido para aceitar uma causa. Não sou juiz e não sou Deus, não faço juízo moral - como hoje em dia fazem alguns jornalistas e a sociedade civil. Além das questões técnicas, tem que haver empatia. Como advogado criminal, vou cuidar da vida da pessoa - sua liberdade e honra. Tem que existir confiança absoluta. Sem isso, não seria possível advogar. Hoje em dia há uma tentativa enorme de criminalização da advocacia. Confundem o advogado com a causa, o cliente, o crime. Isso é um erro e uma falta de visão da importância da advocacia na sociedade.
JL - Fazendo uma análise ampla da Lava Jato, quais os erros e os acertos da operação e dos desdobramentos judiciais dela?
Kakay - A Operação Lava Jato desnudou uma corrupção institucionalizada que ninguém imaginou que existiria. Nem a imprensa, nem o Ministério Público, nem os advogados criminais Então, eu faço elogios. Mas como cidadão e advogado, não sou dono da verdade. Sou um crítico dos excessos da Lava Jato. Uma das desvantagens foi o excesso de visibilidade, que eu chamo de espetacularização do Direito Penal. Esta questão fez com que alguns agentes da operação começassem a se sentir semideuses, e começassem a fazer com que os excessos fossem quase a regra. Sou um grande defensor das normalidades democráticas, portanto da Constituição. Hoje, cumprir a Constituição é revolucionário.
JL - Existem muitas críticas a respeito do modo como o Judiciário e o Ministério Público agiram durante a Lava Jato. Uma delas, feita pelo jurista Lenio Streck, por exemplo, aponta um exagerado ativismo judicial. Qual a sua análise macro da atuação do Judiciário e do Ministério Público (MP) nesse processo?
Kakay - Uma operação como a Lava Jato sempre começa com uma jogada de marketing. Delegados e procuradores passam horas analisando e esmiuçando a vida de uma pessoa que sofreu uma busca e apreensão ou uma prisão. Isto é um prejulgamento. Se julga um cidadão contra a população. Serve para pressionar o Judiciário para não ter coragem de enfrentar tecnicamente aquela operação. A Lava Jato fez uma coisa maniqueísta primária. Como eles têm o apoio da grande mídia e o forte discurso de luta contra a corrupção, disseram: "quem criticar os excessos é contra o combate à corrupção". Eu estava no Rio de Janeiro, vim para cá e depois irei a Bahia, para falar, nos mais diversos lugares do País, sobre os excessos da Lava Jato. Veja bem, não permito que juiz, procurador ou delegado algum diga que quer o combate a corrupção mais do que eu. Quero esse combate dentro dos processos legais. Dentro das garantias constitucionais. Essa é a diferença. Todo mundo quer o combate a corrupção, só que eles fizeram disso uma bandeira e, na visão deles, deu certo. O juiz Sérgio Moro foi escolhido ministro da Justiça.
JL - Como o senhor vê a ida do juiz Sérgio Moro para o Ministério da Justiça no próximo governo?
Kakay - Provavelmente ele será o melhor ministro do futuro presidente. Mas não podia sair do trabalho que fez e ir para o ministério. Ele se desmoralizou. Temos um juiz político. Na verdade, o Moro sempre foi um político. Mas agora ele tirou a capa. Hoje é um ministro-juiz, juiz-ministro. Tem uma formação intelectual respeitável e condições de ser ministro. Mas discordo de sua visão de Direito Penal e de mundo. Acho uma falta de respeito ao Judiciário. É o excesso de poder. Lord Acton (historiador britânico) dizia: "o poder tende a corromper, o poder absoluto corrompe absolutamente". Ele reconheceu a importância da Lava Jato nas eleições. Prendeu o principal opositor. Vazou o que queria vazar. Fez a espetacularização como quis. Já manda na Polícia Federal (PF) e no MP. O MP daquela região é subordinado a ele.
JL - As delações premiadas foram muito utilizadas na Lava Jato pela PF e pelo MP para obter informações a respeito dos investigados. De um lado, há os que defendem fortemente o uso das delações; do outro, há quem critique o uso indiscriminado, principalmente no caso de pessoas já condenadas e presas. Como o senhor vê essa ferramenta?
Kakay - A Lava Jato humilhou o instituto da delação. Defendo vários políticos e já consegui que quatro denúncias, fruto de delações premiadas, não fossem recebidas. A delação é importantíssima no processo penal no combate ao crime organizado. Mas na ânsia de poder e espetacularização do processo penal, a Lava Jato acabou tecnicamente com o instituto. A base de todo o texto sobre delação premiada é a espontaneidade. No Brasil, você tem um procurador que reconheceu expressamente que a prisão é feita para delação, além de vários casos de delatores que disseram que foram pressionados a falar sobre um personagem específico. Os papéis foram invertidos. Eu não trabalho com delação. Não crítico quem trabalha. Mas por conhecer por dentro, sei como funciona. Que o delator mente, omite, protege. Em dado momento o então senador Sérgio Machado fez uma delação que resultou no pedido de prisão de Sarney, Romero Jucá e do presidente do Senado. Depois foi comprovado que a delação era 100% falsa. Mas, quando isso aconteceu, já tinham saído notícias de um pedido de prisão de um ex-presidente da República com repercussão internacional. Esses excessos devem recrudescer em um novo governo. Esse governo acha que o que deve vingar na sociedade é um momento punitivo. Isso é muito ruim. Vivemos um Brasil judicializado e criminalizado.
JL - O senhor foi um dos advogados que assinou a Ação Declaratória de Constitucionalidade em defesa da presunção de inocência e sustentou a ação no Supremo. Qual a importância de defender tais questões neste momento do País?
Kakay - Quando isso aconteceu, começaram a dizer que era por conta dos grandes clientes que eu tinha. Felizmente vieram as Defensorias Públicas mostrar que, mais do que defender os casos em que eu estava envolvido, esta questão defendia os clientes tradicionais do processo penal brasileiro. O negro, o pobre, o desassistido, aquele que não tem vez ou voz. Em um dos desdobramentos da Lava Jato, estava com um cliente em Genebra e nos disseram que sairia uma notícia sobre ele no jornal no próximo dia. Folheei o jornal e não encontrei. Procurei nome e foto. Lá não sai - antes da condenação, os nomes não são divulgados. Não há capas com acusados que não foram condenados. Isso é uma cláusula pétrea da Constituição. Há várias opiniões jurídicas consistentes que apontam que este não é o melhor sistema. Mas este é o sistema. Para mudar, só através de Assembleia Constituinte. A grande mídia apoiou quando o Supremo Tribunal Federal (STF) fez essa modificação e afastou a cláusula porque queriam que fossem presos alguns empresários e grandes políticos. Mas quando se dá esse direito ao Supremo, se dá o direito de amanhã afastar a liberdade de expressão e de imprensa. O STF pode muito, mas não pode tudo. Nenhum poder pode tudo: é assim que funcionam as democracias.
JL - Quais são as suas expectativas sobre o futuro do País e, principalmente, da Lava Jato?
Kakay - Sou um crítico visceral das propostas do presidente eleito. Ele olhou para a Nação e disse que é contra o direito dos gays, das mulheres, da liberdade de imprensa e a favor da tortura. As pessoas votaram nele. Ele não mentiu. Então a sociedade vai ter que se reinventar em um governo que eu espero que dê certo. A tendência é que, no aspecto criminal, passaremos por momentos complicados. O presidente eleito nem critico, pois acredito que ele nunca pensou em política criminal. Nem sabe o que é isso. Mas o ministro da Justiça tem uma visão repressora do Estado. Ele quer que tudo aquilo que o humanismo, o garantismo e a sociedade civil conseguiram de evolução seja destruído. Quer, por exemplo, terminar com o sistema de progressão. É uma coisa desumana. Nós temos hoje a terceira maior população carcerária do mundo. São 730 mil presos. Se prender os 250 mil mandatos na rua, passa de um milhão, em condições absolutamente desumanas. Eles conhecem o sistema, mas não tem humanismo. Querem falar com quem pensa que "bandido bom é bandido morto". A Lava Jato sem o Moro poderá ser uma operação mais séria e dentro da legalidade. Veja bem, é necessário fazer o enfrentamento da corrupção. Mas, no caso do apartamento do Lula, por exemplo: por que um juiz de Curitiba vai julgar um apartamento em Guarujá? O juiz natural é um princípio básico de qualquer democracia. Precisamos respeitar a Constituição.
 
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