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Comunicação

- Publicada em 30 de Outubro de 2018 às 01:00

Intimidações ameaçam liberdade da mídia

Em uma eleição presidencial com ânimos acirrados, se tornaram comuns casos de ameaças ao trabalho da imprensa

Em uma eleição presidencial com ânimos acirrados, se tornaram comuns casos de ameaças ao trabalho da imprensa


/MARCELO G. RIBEIRO/JC
As eleições de 2018, que culminaram com a escolha do candidato Jair Bolsonaro (PSL) como o novo presidente da República, foram marcadas por agressões de ambos os lados. As brigas virtuais entre eleitores atingiram um nível preocupante quando passaram de meros choques de ideias a ameaças reais, inclusive contra quem está trabalhando.
As eleições de 2018, que culminaram com a escolha do candidato Jair Bolsonaro (PSL) como o novo presidente da República, foram marcadas por agressões de ambos os lados. As brigas virtuais entre eleitores atingiram um nível preocupante quando passaram de meros choques de ideias a ameaças reais, inclusive contra quem está trabalhando.
Há duas semanas, a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de São Paulo, denunciou um suposto esquema de empresários, que envolve contratos milionários, para publicações de notícias contra o Partido dos Trabalhadores (PT) via WhatsApp, favorecendo Bolsonaro. Quase que imediatamente, tornou-se alvo de mensagens com xingamentos, ameaças e calúnias por parte dos eleitores do deputado federal.
Em março, o ônibus em que viajavam 28 comunicadores que cobriam a caravana de Luiz Inácio Lula da Silva, então pré-candidato do PT à presidência, foi atingido por um atentado a tiros realizado por opositores ao ex-presidente. Em abril, durante a cobertura da prisão do petista, outros 19 profissionais foram hostilizados ou agredidos por seus apoiadores.
Casos de agressões se espalham pelo Brasil. Em 2018, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) registrou 62 ocorrências de agressões físicas, boa parte delas no Paraná, e 79 casos de agressões no ambiente digital, a maioria no Rio de Janeiro.
Sem lei específica que proteja o exercício do jornalismo, cabe ao texto constitucional garantir, no artigo 5º, incisos XI e X, que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença", e que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". Já os parágrafos 1º e 2º do artigo 220 garantem que "a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição", que "nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social" e que está vedada "toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística."
Para o presidente da seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ricardo Breier, a propagação de notícias falsas é uma questão gravíssima, pois pode dar margem a um contexto que restrinja o direito de liberdade de expressão. "A livre expressão de imprensa está na Constituição. A OAB repudia qualquer ato que venha a violar o direito de informação. A informação traz o debate à sociedade, e esse debate é importante dentro do regime democrático para que as pessoas cheguem às próprias conclusões livremente", argumenta. "Durante a Operação Lava Jato, muitos queriam calar a imprensa, não divulgar notícias antes do trânsito em julgado. A boa informação jornalística jamais pode ser tocada", ressalta Breier.
É evidente que a mera publicação de uma norma não altera o comportamento da população. A proteção de profissionais da mídia depende dos recursos de que eles dispõem - no caso de jornalistas que atuam sozinhos ou em meios de comunicação menores, a tendência é de que fiquem mais expostos a riscos do que aqueles vinculados a um veículo de grande expressão. Para se proteger no ambiente virtual, a melhor maneira, segundo a Abraji, é a prevenção. Em cartilha publicada recentemente, a entidade indica formas de evitar os ataques: manter perfis profissional e pessoal separados em redes sociais, usar métodos de comunicação digital seguros, como VPN, e ativar a autenticação em dois fatores para acesso a contas em serviços digitais, por exemplo. Há, ainda, ações a serem tomadas quando os ataques, de fato, ocorrem: reunir provas a fim de registrar denúncia na polícia ou no Ministério Público e avisar pessoas próximas sobre o que está acontecendo.
A presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Maria José Braga, reitera a recomendação da Abraji ressaltando a importância da denúncia. "É o melhor caminho, inclusive para se proteger. No caso de jornalistas, há tentativas de intimidação mesmo, com ameaças, grosserias, no sentido de cercear o trabalho do profissional", explica. Ela também aconselha que o jornalista lesado busque apoio do sindicato da região e, também, da empresa à qual está vinculado. "É preciso que isso seja encarado como crime. Não como desabafo ou uma exasperação momentânea, como crime", resume.
Para Maria José, o texto constitucional e as garantias propostas pelos códigos Penal e Civil, que reparam os chamados crimes de opinião, calúnia, injúria e difamação, não são suficientes. "Não estamos protegidos. Nem os jornalistas, nem os cidadãos, de maneira geral. O direito de resposta é um remédio, mas não consegue combater todo o mal que uma notícia mentirosa, caluniosa, pode causar", argumenta.
Gerente executiva da Abraji, Marina Atoji acredita que a Constituição Federal garante as bases para a prática do ofício: liberdade de expressão, direito de acesso a informações, sigilo da fonte. "A única ressalva diz respeito ao tratamento criminal de questões de honra: processos penais por calúnia e difamação são, muitas vezes, usados como instrumento de silenciamento e de intimidação de jornalistas", explica.
 

'Há uma orquestração para que não haja regulação da mídia na América Latina' diz presidente da Fenaj

Em 2009, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130 derrubou a Lei nº 5.250, de 1967, conhecida como Lei de Imprensa. Na época, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a Constituição de 1988 não recepcionava a legislação, aprovada durante o período de ditadura militar no Brasil. Desde então, apesar de alguns esforços, não foram tomadas iniciativas para a elaboração de uma nova lei com o mesmo fim.
Na visão da Abraji, a ausência de norma específica não causa dano ao exercício do jornalismo, uma vez que o texto constitucional o assegura. "O que prejudica é a violação desses direitos fundamentais", afirma a gerente executiva Marina Atoji.
A Fenaj, contudo, defende a existência de uma lei de imprensa democrática, que venha a regular as relações dos veículos de mídia, em geral, com a sociedade. "Uma lei de imprensa não pode se resumir ao direito de resposta, como ocorre no Brasil. É pouco diante da complexidade que é a relação entre mídia e sociedade", comenta Maria José Braga, presidente da entidade. Conforme ela, houve um esforço que resultou em um novo texto, elaborado com concessões dos profissionais e das empresas de comunicação. No entanto, a lei não foi aprovada. "Usaram (os empresários) o argumento de que melhor lei é lei nenhuma. Há uma orquestração para que não haja regulação da mídia em toda a América Latina", acredita.
Na visão do presidente da OAB-RS, Ricardo Breier, os códigos Civil e Penal resolvem as questões sem que seja necessária uma lei específica. "Poderíamos, sim, trabalhar em uma matéria especial, mas teríamos de ver isso com calma", comenta.
No final de 2016, uma iniciativa da OAB-RS e da Associação Riograndense de Imprensa (ARI) criou o Comitê em Defesa da Liberdade de Expressão de Imprensa. De acordo com Breier, houve algumas reuniões, mas a comissão não foi para frente. "Talvez tenha sido um erro não continuar tratando. É uma pena, mas podemos recuperar isso", pondera o presidente.