Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Prerrogativas

- Publicada em 18 de Setembro de 2018 às 01:00

OAB-RJ deve representar advogada presa durante audiência

Para Valéria dos Santos, questão racial e de gênero foi decisiva no ocorrido

Para Valéria dos Santos, questão racial e de gênero foi decisiva no ocorrido


OABRJ/DIVULGAÇÃO/JC
Era para ser uma audiência como todas as outras. Pelo menos assim esperava a advogada Valéria dos Santos, antes de ser detida e algemada enquanto exercia seu trabalho. O caso aconteceu durante uma audiência no 3º Juizado Especial Cível de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Em um vídeo que circula pelas redes sociais é possível ver a advogada sendo arrastada e algemada por policiais enquanto pedia para que a deixassem prestar serviço a sua cliente.
Era para ser uma audiência como todas as outras. Pelo menos assim esperava a advogada Valéria dos Santos, antes de ser detida e algemada enquanto exercia seu trabalho. O caso aconteceu durante uma audiência no 3º Juizado Especial Cível de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Em um vídeo que circula pelas redes sociais é possível ver a advogada sendo arrastada e algemada por policiais enquanto pedia para que a deixassem prestar serviço a sua cliente.
Valéria conta que tudo aconteceu ao ser impedida de verificar a peça de contestação para a defesa do réu. Mesmo se manifestando e exigindo a presença de um delegado da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para que observassem as prerrogativas da profissão, a juíza Ethel de Vasconcelos ignorou as demandas da advogada e deu ordem de detenção, indicando que a audiência havia se encerrado. "Quando a juíza disse que eu deveria sair da sala, fiz um ato de resistência e comuniquei minha cliente que deveríamos permanecer ali por ser um direito nosso."
Foi no momento da detenção que Valéria percebeu que a situação ia além de um desrespeito às prerrogativas dos advogados, tratava-se, também, de uma questão racial e de gênero. "Quando me vi algemada, percebi como a questão da minha cor e do meu gênero pesaram para que tudo aquilo chegasse ao ponto que chegou."
Nos vídeos, também é possível perceber a insatisfação da advogada com a conduta de outros colegas advogados que estavam presentes durante o ocorrido. Hoje, a avaliação de Valéria é de que os colegas tentaram se preservar, o que ela diz perdoar. A profissional ainda aponta que as gravações feitas foram úteis e serviram de prova para seu boletim de ocorrência.
Após a repercussão do caso, a OAB do Rio de Janeiro representou, junto ao Tribunal de Justiça, contra Ethel, que é juíza leiga - auxiliar e ainda sem direito a usar a toga -, exigindo seu imediato afastamento das funções. Encaminhou, também, o caso ao Tribunal de Ética e Disciplina da entidade, para avaliação - como juíza leiga, Ethel Vasconcelos é também advogada. Será feita, ainda, uma representação contra os policiais militares, pela prisão e pelo uso de algemas. A entidade ainda deve tomar medidas civis e criminais para que a advogada seja ressarcida pelos eventuais danos.
Como medida inicial, foi realizado um desagravo público, e a audiência interrompida pela prisão da advogada foi remarcada, o que Valéria considera uma das primeiras vitórias da situação. "O que eu reclamei, consegui, que foi, principalmente, preservar os direitos da minha cliente", avalia. A advogada ressalta, ainda, que não foi agressiva e que estava apenas tentando fazer valer o que indica a lei.
 

Comissão mostrou-se 'perplexa com as violações sofridas'

Luciano Bandeira, presidente da Comissão de Prerrogativas da Ordem do Rio de Janeiro, garante que a gravidade da situação exigiu da instituição providências mais rigorosas. Entre as prerrogativas desrespeitadas, Bandeira indica três que avalia serem as principais. A primeira delas é com relação à prisão em si, visto que o advogado não pode ser preso no exercício da profissão, com exceção de crimes inafiançáveis em flagrante, o que não foi o caso de Valéria.
A segunda prerrogativa desrespeitada diz respeito ao ordenamento da prisão, realizado sem representante da Ordem presente, algo determinado por lei. A terceira é com relação ao uso de algemas, proibidas, conforme a Súmula Vinculante nº 11 do Supremo Tribunal Federal (STF). "Nosso objetivo, agora, é que essas autoridades sejam responsabilizadas pela humilhação que fizeram a advogada passar", afirma.
Para o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), a juíza leiga chamou a polícia porque a advogada não acatou as orientações na sala de audiência. De acordo com o TJ-RJ, ela resistiu e, por isso, foi algemada e levada para a delegacia.
A Comissão Nacional da Mulher Advogada do Conselho Federal da OAB repudiou a ação por meio de nota oficial. No documento, assinado pela presidente da comissão, Eduarda Mourão, expõe-se a "perplexidade com as violações sofridas pela advogada". E ainda acrescenta que "é preciso romper com a cultura da discriminação de raça oriunda do nefasto impacto do problema histórico étnico-racial, fruto dos preconceitos, discursos ideológicos e da violência de gênero arraigada na cultura machista que permeiam a sociedade. A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, por meio do Núcleo Contra a Desigualdade Racial, considerou a prisão "ilegal, arbitrária, desproporcional e vexatória". Ainda manifestou solidariedade à advogada.
As comissões Nacional, Seccional e Subseccional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia reafirmaram que é "direito do advogado e da advogada usar da palavra em todas as audiências e sessões judiciais, devendo suas manifestações serem regularmente registradas em atas e termos, bem como apreciadas pela autoridade que conduz o ato judicial". Além disso, na nota de repúdio, reforçam que a voz da advogada é seu instrumento de defesa para aplicação de leis, e "atos que objetivam calar a advocacia atentam contra a democracia, contra os valores republicanos e, sobretudo, contra o exercício da cidadania".