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30 anos da Constituição

- Publicada em 11 de Setembro de 2018 às 01:00

STF, jurídico ou político?


DORIVAN MARINHO/SCO/STF/DIVULGAÇÃO/JC
Sempre presente nos noticiários, os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm, entre suas atribuições, a tarefa de decidir o que está de acordo e o que entra em conflito com a Constituição Federal de 1988. O desafio é compartilhado com outras funções da suprema corte, em especial o julgamento comum de pessoas com foro especial por prerrogativa de função, mais conhecido como foro privilegiado. A dupla jurisdição gera sobrecarga aos ministros, que julgaram, só em 2017, mais de 120 mil processos.
Sempre presente nos noticiários, os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm, entre suas atribuições, a tarefa de decidir o que está de acordo e o que entra em conflito com a Constituição Federal de 1988. O desafio é compartilhado com outras funções da suprema corte, em especial o julgamento comum de pessoas com foro especial por prerrogativa de função, mais conhecido como foro privilegiado. A dupla jurisdição gera sobrecarga aos ministros, que julgaram, só em 2017, mais de 120 mil processos.
Desde a promulgação da Carta Magna, foi criada a figura jurídica da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), usada para combater leis e atos normativos federais ou estaduais que sejam contrários à Constituição. No acervo do STF, constam hoje 1.987 ADIs. Dessas, 1.674 (84,3%) não tiveram decisão final e 627 (31,5%) não tiveram nenhuma decisão. As duas ações mais antigas desse tipo que ainda carecem de decisão datam de 1990, e ambas se encontram no gabinete do ministro Gilmar Mendes.
Antes da Constituição de 1988, já era função da suprema corte processar e julgar crimes cometidos pelo presidente, seus ministros, o procurador-geral da República, magistrados e diplomatas. Com o novo texto constitucional, a competência dos ministros do STF foi expandida e abarcou todos os membros do Congresso Nacional (513 deputados federais e 81 senadores). O resultado, segundo juristas, é a sobrecarga de processos no Supremo, com uma média de 11 mil julgamentos anuais para cada ministro. Em 2017, foram 123.008 decisões da corte, sendo 12.503 em sessões colegiadas e mais de 100 mil em decisões monocráticas.
Segundo o professor de Direito Constitucional e vice-diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Rodrigo Valin, o modelo adotado pela Constituição de 1988 foi influenciado pela Constituição portuguesa de 1976, na sua prolixidade, e pelas constituições mexicana, de 1917, e alemã, de 1919, no seu caráter social, a fim de evitar omissões do Legislativo e do Executivo, que estavam sob suspeita aos olhos da população depois da Ditadura Militar, deixando para o Judiciário a função de garantidor da democracia. "Esse foi um grande erro, porque muitas questões não se resolvem no Judiciário diretamente", pontua.
A atuação de ministros do STF em processos de caráter social, segundo Valin, gerou uma "judicialização da política" agravada, ainda, por outros fatores da Constituição. Um deles é a falta de uma ferramenta jurídica na qual os ministros decidam julgar ou não um caso específico naquele momento, como existe na suprema corte dos Estados Unidos. Outro é a adoção do presidencialismo no sistema político brasileiro, o que, para o acadêmico, potencializa os conflitos entre a presidência e o parlamento. "É recorrente que o presidente não tenha maioria no parlamento, e isso gera corrupção, ou uma série de ajustes políticos pragmáticos, ou, pior, o trancamento da atividade do Estado."

Corte apenas constitucional evitaria a insegurança jurídica no País

Atualmente, o julgamento sobre a constitucionalidade de uma lei ou norma não está restrito ao Supremo Tribunal Federal (STF), sendo este a última instância para decisões do tipo. Por outro lado, a corte também não restringe sua função ao julgamento constitucional. Na opinião do professor de Direito Constitucional e vice-diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Rodrigo Valin, o Brasil deveria rumar para um modelo europeu, com separação clara entre a jurisdição constitucional e a comum, com a criação de um tribunal constitucional. "O STF é duas coisas ao mesmo tempo: controlador último da constitucionalidade e o mais alto órgão na hierarquia judicial", afirma. A mudança evitaria sobrecarga do Judiciário e insegurança jurídica e, assim, permitiria maior eficiência, qualidade e democracia nos julgamentos.
A indicação dos nomes dos ministros do STF pelo presidente da República, por sua vez, gera prós e contras no funcionamento da Suprema Corte. "Um tribunal composto por juízes de carreira tende a ser mais conservador nas suas decisões, diferentemente do que acontece se critérios políticos inspiram a indicação dos seus membros", avalia. Para Valin, se a indicação é política, o ativismo judicial do órgão tende a ser maior, o que pode ser bom, mas também esconde as "demandas reprimidas por democracia em um Executivo e um Legislativo que não funcionam bem". Debates como a descriminalização das drogas, do aborto e a previsão de casamento entre pessoas do mesmo gênero, de origem social, têm sido frequentemente encaminhados para o STF, em vez de serem decididos pelos parlamentares.
Ainda sobre o ativismo judicial, a criação da TV Justiça e a transmissão das sessões do STF ao vivo, desde 2003, repercutiram no modo como os ministros são vistos pela população. Hoje, os 11 ministros são famosos, cada um gerando simpatias e antipatias decorrentes de seus votos. Para Valin, a repercussão é a consciência popular da importância do Judiciário na democracia, mas, também a perda de autoridade e respeitabilidade da instituição, ao se perceber que há ministros votando para a audiência. Em países como França e Itália, os debates não são televisionados, para preservar a capacidade de diálogo dos ministros. No Brasil, discussões acirradas não são incomuns - em março, uma sessão chegou a ser suspensa após ataques entre os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes.

Protagonismo do STF e transmissão pela TV transformaram os ministros em popstars

Ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Sydney Sanches e Eros Grau tiveram trajetórias e indicações para o cargo muito diferentes entre si. Nomeado pelo então presidente João Figueiredo, Sanches foi o último membro da corte a ser indicado pela ditadura militar, ocupando o cargo entre 1984 e 2003 e sendo presidente do supremo entre 1991 e 1003. Grau, por sua vez, foi nomeado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), permanecendo na função de 2004 a 2010.
Em comum, porém, os ministros aposentados têm a opinião de que a suprema corte é, hoje, cenário de um “espetáculo televisivo”, no qual os ministros se tornaram “mais conhecidos do que a Seleção Brasileira”. Em entrevistas ao Jornal do Comércio, os ex-membros da corte concordaram, ainda, que o supremo está sobrecarregado de processos, em virtude de sua dupla jurisdição. Leia abaixo a entrevista com Sydney Sanches e aqui a conversa com Eros Grau.

Sydney Sanches

Sanches critica 'alargamento da responsabilidade do Judiciário'

Sanches critica 'alargamento da responsabilidade do Judiciário'


/ROVENA ROSA/ABR/JC
Jornal da Lei - Muitos dizem que a Constituição é ampla e idealista demais. O que o senhor pensa a respeito?
Sydney Sanches - Realmente, como a Constituição foi feita logo após o regime militar, se procurou desfazer tudo que foi feito antes, dando direitos à vontade, obrigações de menos, mais utopia do que realismo. Muita coisa que não precisaria constar na Constituição foi colocada, o que provoca inúmeros processos no STF por questão constitucional que não deveria ser constitucional, para ser mais fácil de mudar, porque uma emenda constitucional precisa de dois terços de votos no plenário e dois turnos na Câmara para ser mudada, a dificuldade é imensa. Há aspectos positivos, mas a Constituição podia ser um enunciado de princípios, como a norte-americana. O próprio modo de escolha do ministro é pelo modelo norte-americano, com indicação do presidente e aprovação do Senado.
JL - O que o senhor pensa sobre esse modelo?
Sanches - Aqui se diz que não funciona bem isso, que há mais conservadores do que liberais. Isso tem a ver com ideologia também, porque todos têm sua formação política, social e moral, têm vocação maior para um partido de determinada ideologia, e isso causa problema em qualquer corte. Aqui, há uma judicialização da política, ou uma politização da Justiça, que põe em dúvida a imparcialidade da Suprema Corte, que é o princípio maior da Constituição.
JL - Quais temas, para o senhor, não deveriam ser tratados pelo STF?
Sanches - O juiz deve decidir apenas se está na lei ou não. Tudo acaba no supremo, até tabelamento de frete. O STF não pode tabelar nada, isso é com a iniciativa privada. As matérias vão parar lá com apoio do Legislativo, por razões políticas. O aborto, por exemplo: bem ou mal, há uma lei que prevê aborto em três casos. O Legislativo fez a lei e, agora, o STF tem que analisar se é constitucional ou não. Isso tem que ser discutido no Congresso, mas o Congresso não assume essa responsabilidade e vai para o Judiciário. Se alarga demais a competência e acaba se criando um protagonismo do Judiciário.
JL - Qual o impacto da transmissão das sessões do STF na TV nesse protagonismo?
Sanches - A TV Justiça presta serviço imenso ao País, porque o povo conhece como funciona as cortes de modo geral, como cada um se comporta, e tem suas opiniões a favor e contra. Hoje, os ministros são mais conhecidos do que os jogadores da seleção. Há aspectos negativos para a Justiça, porque os julgamentos demoram demais, a vaidade humana também pesa nessa hora. Poderia dar um voto curto, mas fica duas horas se exposto às câmeras. Isso não tem nada a ver com o Judiciário, é uma deturpação.
JL - A Suprema Corte dá conta de sua dupla jurisdição?
Sanches - Antes da Constituição de 1988, se sobrecarregava o STF, e se decidiu criar o STJ para ficar com as matérias legais e infraconstitucionais. Agora ambos estão abarrotados de processos, e não só eles, todos os tribunais dos estados, Justiça Federal etc. O Judiciário tem que voltar a ser o poder que dá razão a quem tem, só isso. E dar razão de acordo com a Constituição, direito em geral, sem motivação política, para não ser um tribunal político.