Os números apresentados pelo Atlas da Violência de 2018 mostram a agudização nas tendências do perfil de assassinatos cometidos no Brasil: a vítima é de cor negra, pobre, jovem e do sexo masculino. Isso vem corroborar as séries estatísticas acerca do genocídio negro provocado pelas políticas de segurança públicas equivocadas, que fazem com que o combate a criminalidade se transforme em uma guerra aos pobres, e esses pobres são homens jovens negros.
O perfil dos vitimizados reflete a histórica desigualdade social brasileira. E o aumento dos números tem como fator incrementador a crise brasileira, que não só estancou o processo débil, mas positivo, de ascensão social e inclusão que vinha ocorrendo no Brasil; como, ao contrário, ao longo dos últimos dois anos, ocorreu e ocorre uma regressão nas políticas públicas de combate à pobreza, e os negros são os mais afetados, por comporem a maioria dos pobres.
De outro lado, a herança belicista de comando da segurança pública tem como exemplo a intervenção federal militar no Rio de Janeiro. Seu insucesso absoluto e relativo com o aumento dos índices de criminalidade, de letalidade da ação policial e relativo com a incapacidade de elucidação do assassinato da vereadora Marielle e seu Motorista Anderson, são o exemplo cabal dessa opção fracassada.
Por sua vez, a clivagem racial faz com que os números de mortes de brancos sejam comparáveis ao dos países desenvolvidos e o dos negros esteja no patamar dos países mais violentos do planeta.
Além dos fatores elencados, não se devem desconsiderar os "demônios" libertos pela crise brasileira, que, a partir dos protestos de 2013, culminaram com a deposição da presidente da república, e trouxeram à tona no País vozes do rancor e preconceito que, afetadas pelas transformações promovidas pela ascensão social, clamaram pelo retorno à antiga ordem em que os negros e pobres "sabiam o seu lugar".
Esse discurso encontrou eco nas estruturas das instituições policiais, e não se deve desconsiderar essa dimensão sociológica desses números. Eles corroboram os versos cantados por Elza Soares: "a carne mais barata do Mercado é a carne negra".
Professor de Direito e ex-subsecretário-geral de Segurança do Rio de Janeiro