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Ferrovias

- Publicada em 23 de Agosto de 2021 às 16:28

Construção da Ferrogrão é tema de debates acalorados entre governo e ambientalistas

Estimada em R$ 20 bilhões e com cerca de 1 mil quilômetros de extensão, trilhos receberão principalmente cargas de soja

Estimada em R$ 20 bilhões e com cerca de 1 mil quilômetros de extensão, trilhos receberão principalmente cargas de soja


ANTF/DIVULGAÇÃO/JC
Dez anos após a batalha contra a usina hidrelétrica de Belo Monte (PA), movimentos ambientais, indígenas e de esquerda repetem o roteiro com relação a uma nova obra monumental na região Amazônica, a Ferrogrão.
Dez anos após a batalha contra a usina hidrelétrica de Belo Monte (PA), movimentos ambientais, indígenas e de esquerda repetem o roteiro com relação a uma nova obra monumental na região Amazônica, a Ferrogrão.
A crescente mobilização em oposição ao projeto, dentro e fora do País, provocou um contra-ataque do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), que tem buscado dar um verniz "verde" à ferrovia.
Com cerca de mil quilômetros de extensão e um custo orçado em R$ 20 bilhões, a obra escoaria grãos, sobretudo soja e milho, de uma das principais regiões produtoras do país, Mato Grosso, pelo chamado Arco Norte, na Amazônia. Teria uma ponta em Sinop (MT) e outra no porto de Miritituba (PA), no rio Tapajós.
O fato de atravessar áreas ambientais e margear terras indígenas tornou o projeto uma nova causa célebre para ativistas. "O projeto da Ferrogrão só pode ser comparado a catástrofes humanitárias e ambientais como a rodovia Transamazônica e a usina hidrelétrica de Belo Monte", diz carta enviada pela Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) em julho à Internacional Progressista (IP).
Entre os apoiadores da IP estão o senador americano Bernie Sanders, o ex-ministro das Finanças da Grécia Yanis Varoufakis e o ex-líder do Partido Trabalhista britânico Jeremy Corbyn.
Uma das preocupações dos ativistas é a tentativa do governo de apresentar o projeto como ambientalmente sustentável, o que o coordenador-geral da organização, o economista americano David Adler, chamou de "lavagem cerebral verde" em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo no mês passado.
O governo vem se mexendo para tentar melhorar a imagem de suas obras, Ferrogrão inclusive. Uma das iniciativas foi a assinatura de um memorando de entendimento pelo Ministério da Infraestrutura com a Climate Bonds Initiative (CBI), organização britânica especializada na certificação de projetos e operações financeiras "verdes", com o intuito de orientar investidores. Não há custo para o governo na parceria, assinada em setembro de 2019 e sem prazo para ser encerrada.
"Se eu vou fazer uma ferrovia na Amazônia, preciso passar segurança para os investidores, principalmente no quesito imagem. Queremos ser o estado da arte em termos de estruturação verde, governança ambiental, monitoramento de processos, recuperação de áreas degradadas, travessia de fauna", afirma o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas.
Segundo a CBI, o acordo com o ministério envolve o compartilhamento de informações sobre "critérios verdes e de melhores práticas internacionais para o acesso aos mercados de finanças sustentáveis".
Mas o trabalho específico relacionado à Ferrogrão ainda não se iniciou, de acordo com Leisa Souza, head de América Latina da CBI. "A Climate Bonds não avaliou o pedido de certificação das operações financeiras para construção da Ferrogrão até o momento", afirma.

Projeto pode retirar 1 milhão de toneladas de gás carbônico na atmosfera

Freitas ressalta avanços no programa de concessão no setor portuário

Freitas ressalta avanços no programa de concessão no setor portuário


ISAC NÓBREGA/PR/JC
Entre os argumentos que o ministério apresenta está a promessa de retirar 1 milhão de toneladas de gás carbônico da atmosfera, graças à redução esperada de 90% no fluxo de caminhões na BR-163, que hoje leva a soja mato-grossense para o porto no Tapajós.
"O Arco Norte já é uma realidade. Em muito pouco tempo vai se impor a duplicação da BR, pois são todo dia 2.500 [caminhões] bitrens com carga para o porto, e mais 2.500 voltando. Com a Ferrogrão, essa duplicação fica completamente descartada", afirma o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas.
Além disso, argumenta Freitas, a ferrovia, longe de ser um novo fator de desmatamento, atuará como uma espécie de barreira ecológica. "Ela roda a 40 metros em média do eixo da rodovia, que já é uma região bem antropizada [modificada por ação do homem]. Vai funcionar como barreira verde, contendo uma pressão fundiária que é mais inerente à rodovia do que à ferrovia", destaca.
A pregação ambiental do governo até agora tem sido insuficiente para fazer o projeto deslanchar. Em março, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, suspendeu com liminar uma lei do governo Michel Temer que alterava os limites da Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, para viabilizar a passagem da Ferrogrão.
Em outra frente, o Ministério Público Federal argumenta junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) que não houve consulta prévia a povos indígenas sobre a obra, como manda convenção da OIT (Organização Internacional do Trabalho).
Até o momento, a resistência de tribos da região sul do Pará tem sido intensa. "Não é só uma ferrovia, é um projeto que representa a morte para nós. A gente sempre vai ser contra esse tipo de coisa", diz Alessandra Munduruku, vice-coordenadora da Federação dos Povos Indígenas do Pará.
Para o ministro Tarcísio, os ativistas ambientais e indígenas estão se portando como linha auxiliar de interesses comerciais contrários à ferrovia. O principal é a oposição feita pela Rumo Logística, que usa uma rota alternativa para escoar os grãos, em direção ao Sul. Ela pressiona o governo pela autorização para expandir sua malha de Rondonópolis (MT), onde já atua, até Lucas do Rio Verde (MT), para transportar a produção do estado até o porto de Santos (SP).
"Ativistas, até por boa-fé ou desconhecimento, acabam atuando em defesa desses interesses comerciais. Tenho certeza de que nenhum deles conhece a região, conhece a BR-163, conhece o projeto da Ferrogrão", diz o ministro. Outra batalha para a qual o governo já se prepara é o possível uso da Ferrogrão na campanha eleitoral do ano que vem, sobretudo pela candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Para isso, a resposta está pronta: o projeto era defendido também pelo PT e chegou a constar de uma versão do PIL (Programa de Investimentos em Logística), anunciado pelo governo Dilma Rousseff, em 2015. Mas nunca foi adiante.