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Tributos

- Publicada em 24 de Maio de 2021 às 21:44

Exclusão da inflação do IRPF sobre aplicação financeira vai à Justiça

Para Franco, 'inflação não é renda e até prejudica o investidor, pois aumenta o valor da tributação'

Para Franco, 'inflação não é renda e até prejudica o investidor, pois aumenta o valor da tributação'


MARIANA ALVES/JC
Com retorno cada vez menor da renda fixa, dependente de altas nem sempre desejáveis como a da taxa básica Selic, para entregar um ganho mais apetitoso, um advogado gaúcho resolveu brigar na Justiça Federal pela excluir a inflação da conta do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) que incide no rendimento de aplicações financeiras.
Com retorno cada vez menor da renda fixa, dependente de altas nem sempre desejáveis como a da taxa básica Selic, para entregar um ganho mais apetitoso, um advogado gaúcho resolveu brigar na Justiça Federal pela excluir a inflação da conta do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) que incide no rendimento de aplicações financeiras.
Ele conseguiu uma primeira vitória, mas decisão recente de corte superior tratando da mesma regra, mas aplicada a pessoas jurídicas, pode abreviar o feito para pessoa física. Trata-se de julgamento na primeira turma do Superior Trubunal de Justiça (STF) que manteve a inclusão da inflação, reforçando posição que já havia sido tomada pela segunda turma da corte.
O alvo da ação movida pelo advogada Marcio Carpena, na 13ª Vara Federal na Capital, é a correção monetária (expressa pelo índice de inflação) que está embutida na remuneração da aplicação. O argumento principal é que o percentual da correção é uma recomposição do valor do capital, que sofre com o aumento de preços na economia, por isso, o autor entende que não pode ter impacto do IR.
"Inflação não é renda, não acrescenta e até prejudica, pois aumenta o valor da tributação", reforça o sócio do Carpena Advogados Eduardo Rosa Franco, que atua na causa do colega. O debate de fundo é o conceito de renda e proventos e o que seria ganho de capital, que é traduzido na rentabilidade obtida. O Carpena e outros escritórios especializados na área tributária entendem que o percentual da correção tem a função de atualizar o valor e não deve ser considerado como um ganho. 
A tributação abrange o valor total da rentabilidade, diferença entre o capital investido e o aumento obtido a cada período. As aplicações podem ter alíquotas diferentes do imposto, dependendo do tempo de resgate, mas a mais comum é de 15%.
O juiz da 13ª Vara Federal Ricardo Nuske deu despacho favorável ao pedido de Carpena em março passado, levando em conta a decisão monocrática favorável da ministra do STJ Regina Helena Costa, de abril de 2017, expurgando a incidência do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) na fatia que seria inflação nos rendimentos de aplicações. A ação foi movida pela também gaúcha Marcopolo, que buscou excluir da tributação o lucro inflacionário. A decisão já transitou em julgado, em um caso único no tema.
Franco observa que a decisão cabe recurso. Desde março, a Receita Federal já recorreu. Com isso, a matéria subiu para o Tribunal Federal da 4ª Região (TRF-4), que poderá manter a decisão em favor do escritório ou não. Se derrubar a liminar, o advogado pode seguir e buscar o reconhecimento em tribunais superiores. Outras ações com a mesma causa foram derrubadas no tribunal regional.  
Um obstáculo extra é a recente decisão da 1ª turma do STJ, que julga causas tributárias, negou a retirada da inflação da base de cálculo do IR para pessoa jurídica. A posição se somou à decisão da 2ª turma o que vai consolidando um entendimento na matéria. Mesmo sendo relacionados a ações de empresas, os julgamentos podem influenciar a apreciação no TRF-4, adianta o advogado do Carpena.     
Franco admite que será muito difícil manter a medida e reconhece que a intenção era tentar chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde a discussão, caso fosse encarada pela repercussão geral, seria sobre constitucionalidade de incluir a inflação na tributação das aplicações.
A exclusão da correção monetária já foi praticada no Brasil e coincidiu com os períodos de forte corrosão dos preços, como nos anos de 1980 e primeira metade dos anos de 1990, até a virada para o Plano Real, em julho de 1994. A exclusão valia tanto para pessoa jurídica como física. A inclusão da correção foi sacramentada em 1995, com a Lei 9.250, que promoveu alterações nas regras de cobrança do IR.
Outro fator que pesa nas ddeliberações da corte é a própria repercussão da medida para o caixa da União. Até porque a aplicação valeria por até cinco anos anteriores.  

Decisões do STJ são balde de água fria para ações contra tributação

A jurisprudência se consolidou contrariamente ao interesse dos contribuintes, diz Pimentel

A jurisprudência se consolidou contrariamente ao interesse dos contribuintes, diz Pimentel


PIMENTEL & ROHENKOHL ADVOGADOS ASSOCIADOS/DIVULGAÇÃO/JC
O advogado tributarista Cláudio Pimentel, do escritório Pimentel & Rohenkohl, que tem ações sobre a exclusão da correção monetária na incidência de imposto de renda (IR) tanto para empresas como clientes pessoa física, admite que as recentes decisões de cortes superiores tornaram a causa mais difícil. Foi como um balde de água fria para quem busca reduzir a conta tributária.   
"A jurisprudência se consolidou contrariamente ao interesse dos contribuintes", lamenta Pimentel, resumindo o efeito da posição das duas turmas do STJ.
Uma última esperança poderia surgir se a questão fosse levada para a primeira seção, quando as duas turmas da mesma instância se reúnem para formar um entendimento, explica. Mas o tributarista pondera que este tipo de situação é provocado quando há posições diferentes. 
"Como não tem divergência, a princípio, nem vai à primeira seção", resume o sócio do Pimentel & Rohenkohl. O advogado não vê muita chance também para o STF reconhecer a repercussão geral do tema por se tratar de legislação ordinária. As regras da cobrança do IR estão no Código Tributário Nacional.
O desembarque no Supremo poderia ocorrer pelo canal da tese sobre o que é renda e proventos, base dos argumentos para exclusão da inflação e que é tópico constitucional, mas Pimentel não é otimista sobre a possibilidade da corte suprema entrar nessa pendência:
"A tendência do STF é não aceitar que tudo tenha repercussão geral devido à grande demanda que isso geraria. Pela composição atual, acho difícil a corte enfrentar esta matéria", projeta o tributarista.
No tema recente que reivindicou a exclusão da incidência do PIS e da Cofins na parcela do ICMS cobrado na venda de mercadorias e serviços, chamada de tese do século, a corte fez a modulação (definiu o período de vigência) restringindo o alcance para evitar um rombo maior para o caixa federal.
Tributaristas e contadores convergem na opinião que distorções da estrutura tributária nacional acabam suscitando essas demandas. A esperada reforma tributária, cuja apreciação em 2021 é uma incógnita, poderia aparar arestas. "Duas medidas seriam importantes: a correção da tabela do IRPF e o fim de isenção sobre dividendos", exemplifica o advogado.
O vice-presidente de Gestão do Conselho Regional de Contabilidade do RS (CRC-RS), Celso Luft, também não espera que a causa da eliminação da correção na tributação do IR alcance o STF, muito pelo impacto para a União e o que isso pode implicar em apuração retroativa, por exemplo, pois o alcance normalmente é nos últimos cinco anos. 
Luft reforça que este tipo de questionamento ganha força em meio à histórica pendência da defasagem da tabela do IR sobre rendimentos tributáveis. Apenas quem ganha até R$ 1.903,98 por mês está livre da tributação, ou seja, menos de dois salários mínimos, que vale R$ 1.100,00 em 2021. O presidente da República, Jair Bolsonaro, prometeu que faria a atualização, mas até agora não agiu.
O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional) aponta defasagem acumulada de 113,09%, com base no IPCA, que é o índice oficial de preços, desde 1996 até 2020. A isenção, se fosse aplicada a correção, iria até R$ 4.022,89. 

'Tem de acabar com a memória inflacionária', reage professor da Ufrgs

Martins questiona a indexação para fins de incidência do IR apenas nas aplicações financeiras

Martins questiona a indexação para fins de incidência do IR apenas nas aplicações financeiras


MARCELO G. RIBEIRO/JC
"A tese precisa ser melhor analisada: vai isentar de imposto de renda a inflação só para aplicação financeira? E o resto?", reage Marco Antônio dos Santos Martins, professor do Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais da Faculdade de Economia da Ufrgs e conselheiro da Apimec-Sul. 
Para Martins, o País convive com uma taxa de inflação mais baixa e sem indexação generalizada da economia, quando se vincula a recomposição geral de preços de produtos, serviços e rendas, como salários, à inflação. Isso era comum no período de hiperinflação. 
O professor da disciplina de análise de ativos, que trata do valor dos bens e patrimônio de uma empresa, que inclui aplicações, lembra que os cálculos eram sobre o ganho real, que excluía o índice de preços. 
"A tese até pode fazer sentido do ponto de vista econômico, pois a parcela inflacionária é recomposição de compra da moeda, mas é uma volta ao passado", critica. "Enquanto cidadão que paga imposto, é ótimo recolher sobre o que exceder, mas tem de pensar na indexação como um todo, do imposto às demais coisas", provoca o conselheiro da Apimec-Sul.
Martins viveu o período de alta inflação e abomina qualquer instrumento que possa considerar que a correção seja algo aceitável. Mesmo no quadro atual, o IPCA, que é o indicador oficial, acima da meta estabelecida pela política monetária, já preocupa. A elevação é alimentada pela crise gerada pela pandemia, alta de commodities e câmbio.
"O Brasil e o cidadão precisam entender que inflação é coisa ruim e não para ter mecanismo de ganhar com a correção", contrapõe o professor. "Tem de acabar com a memória inflacionária."

Lógica da economia monetária já embute a correção, adverte economista

Weiss explica que a rentabilidade é medida pela moeda e que não tem lógica descontar a inflação

Weiss explica que a rentabilidade é medida pela moeda e que não tem lógica descontar a inflação


MAURÍCIO WEISS/ARQUIVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO/JC
Questionamentos sobre a separação da inflação do que é considerado ganho em uma aplicação financeira devem observar a lógica de como a economia se organiza e forma valor, provoca o professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Faculdade de Ciências Econômicas (FCE) da Ufrgs Maurício Weiss. 
Há décadas já se entende que a moeda é o parâmetro para fluxos dos agentes, do lucro das empresas ao salário recebido pelos trabalhadores, como também na remuneração do capital investido. "Ela é a unidade de referência justamente por ter mais estabilidade que quaisquer outros produtos e ativos", resume o professor. 
O padrão atual da dinâmica econômica foi explicado pela obra Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, de John Maynard Keynes, de 1936 e pós-grande depressão nos Estados Unidos, situa Weiss, trazendo um pouco de conceito sobre a Ciência Econômica.
"A rentabilidade é medida pela moeda, por isso não tem lógica descontar a inflação da base do imposto", opina o professor. A variação traduzida na rentabilidade é nominal. Também não  faz sentido, esclarece Weiss, separar ganho real do nominal porque já se presume que haverá certa inflação. "Os contratos são monetários para mitigar as incertezas. A moeda é o elo entre o presente e o futuro", conceitua Weiss. 
O professor da FCE cita que alguns índices, como dos títulos públicos do governo federal, que podem ser comprados pela plataforma do Tesouro Direto (TD) são formados pela por taxa de juros pré ou pós-fixada mais IPCA. "Esta especificação é uma característica mais do Brasil", lembra ele. 
A exclusão da correção monetária seria possível caso o contrato da aplicação já trouxesse a previsão de desconto na rentabilidade final. Com isso, a incidência da inflação ocorreria no que é o ganho lançado na aplicação. Mas o professor reforça que esta modalidade não é o padrão dos contratos.