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Direitos trabalhistas

- Publicada em 03 de Novembro de 2020 às 11:08

Pandemia impacta o trabalho doméstico

Precarização do trabalho é uma preocupação nesse período

Precarização do trabalho é uma preocupação nesse período


JOÃO MATTOS/ARQUIVO/JC
O impacto generalizado da pandemia do coronavírus afetou diretamente a força de trabalho doméstico no Brasil. No segundo trimestre deste ano, somente o Rio Grande do Sul perdeu 65 mil postos de trabalho doméstico se comparado com o mesmo período do ano passado. O número equivale a quase 20% do total de vagas formais e informais na atividade e também de diaristas.
O impacto generalizado da pandemia do coronavírus afetou diretamente a força de trabalho doméstico no Brasil. No segundo trimestre deste ano, somente o Rio Grande do Sul perdeu 65 mil postos de trabalho doméstico se comparado com o mesmo período do ano passado. O número equivale a quase 20% do total de vagas formais e informais na atividade e também de diaristas.
Os dados constam no estudo do Instituto Doméstica Legal, com base na PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O levantamento aponta ainda a eliminação de 1,54 milhão de postos de trabalho domésticos no Brasil, com queda de 20,69% em contratações formais e 26,19% nas informais. “A pandemia foi catastrófica para o emprego doméstico”, lamenta Mário Avelino, presidente do Instituto Doméstica Legal. “A retomada depende de o empregador voltar à atividade normal, de recuperar a renda e também da vacina”, pontua.
Outra preocupação que surge neste período atípico é quanto à precarização do trabalho. “Isso inclui a diminuição do pagamento das diárias, o desrespeito ao salário-mínimo e outras formas de sucateamento”, argumenta Jéssica Pinheiro, coordenadora de projetos da Themis, organização da sociedade civil com foco em direitos das mulheres.
“Acredito que a grande solução é a divulgação da lei, assim ninguém poderá descumprir as normas alegando desconhecimento”, defende. Ela conta que, desde o começo da pandemia, as advogadas da Themis tem conversado com sindicalistas e trabalhadoras para acompanhar o aumento de violações de direitos nesse período.
Em março, o Ministério Público do Trabalho emitiu nota falando sobre os direitos das trabalhadoras domésticas durante a pandemia. O fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs), por exemplo, é responsabilidade do empregador, e é algo que ela aponta não estar ocorrendo como deveria.
“Sabemos que essa desigualdade histórica está conectada à questão racial, 68% das trabalhadoras domésticas são mulheres negras”, diz Jéssica. “Se pararmos para pensar estruturalmente, essa marca da escravidão seguiu e segue até hoje quando pensa nas relações de trabalho. Falar e fazer esse posicionamento é importante para fazer essa desconstrução. Temos falado sobre isso tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, e é muito importante que a sociedade fique atenta para isso”, pondera.
A desigualdade apontada por Jéssica fica evidente considerando casos de proporção nacional ocorridos neste ano, tanto relacionados à pandemia quanto à desumanização dessas profissionais. O primeiro caso registrado de morte decorrente do coronavírus no Rio de Janeiro, ainda em março, foi de uma trabalhadora doméstica contaminada pela patroa, que retornou da Itália no auge da primeira onda por lá e não cumpriu protocolos de distanciamento social.
A ativista cita que houve casos semelhantes de contaminação por causa dos empregadores em Recife, além de relembrar o trágico caso do menino Miguel, filho de uma trabalhadora doméstica, morto após cair de um prédio pela falta de cuidado da patroa.
“Quatro estados declaram trabalho doméstico como essencial, e as trabalhadoras perguntam o que a sociedade questiona como essencial. É a disponibilidade de serviços a qualquer custo ou a saúde dos trabalhadores?”, indaga Jéssica.

Tecnologia é aliada para levar conhecimentos sobre os direitos

App Laudelina, da Themis, oferece informações úteis para a categoria

App Laudelina, da Themis, oferece informações úteis para a categoria


/THEMIS/DIVULGAÇÃO/JC
Uma das maiores preocupações de entidades de incentivo ao direito das trabalhadoras domésticas nesse período de pandemia é justamente o acesso às garantias legais e, para quem já retornou, a condições saudáveis de trabalho. Para ter acesso rápido aos seus direitos, é possível baixar o aplicativo Laudelina. Lançado em 2017, o aplicativo foi idealizado pela Themis junto à Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), com apoio da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O aplicativo tem esse nome em homenagem à Laudelina de Campos Melo (1904-1991), pioneira na luta pelos direitos das trabalhadoras domésticas, e fundadora do primeiro sindicato da categoria. Dentre os serviços oferecidos estão informações sobre direitos, calculadora para salários e rescisões, busca de contatos de órgãos e sindicatos nas cidades das usuárias e também encontrar outras domésticas. Segundo Jéssica Pinheiro, coordenadora de projetos da Themis, houve um aumento de downloads do app a partir de abril, quando o isolamento social ganhou força.
Além disso, a Themis e a Fenatrad, com o apoio da Agência Francesa de Desenvolvimento, Ministério Público do Trabalho (MPT), Care e a UniRitter, organizaram o curso de formação Formação Domésticas com Direitos, feito via WhatsApp com 400 trabalhadoras domésticas. Recebendo recarga de créditos telefônicos pela própria Themis, as trabalhadoras tiveram acesso a conteúdos como direitos humanos, trabalhistas e previdenciários da categoria até sindicalismo e feminismo, visando a autonomia financeira e pessoal. Com foco em audioaulas e videoaulas, para facilitar o acesso ao conteúdo, o curso contou até com poesias e músicas. Além do acesso ao curso, as trabalhadoras também podem contar com a Clínica de Direito do Trabalho da UniRitter, que fornece assessoria jurídica para consultas trabalhistas.
 

eSocial teve qualificação tecnológica

Na última década, pautas defendidas historicamente por movimentos de trabalhadoras domésticas se tornaram avanços legislativos. Em abril de 2013, a Emenda Constitucional nº 72 estendeu direitos trabalhistas à categoria de trabalhadoras domésticas, e em 2015 com a Lei Complementar nº 150 mais direitos foram assegurados, como jornada semanal de 44 horas, hora extra, salário-família, seguro-desemprego, adicional noturno, multa por dispensa sem justa causa e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
Lançado em 2015, a plataforma eSocial é tida como uma das principais conquistas da categoria de trabalhadoras domésticas para garantir tanto a legitimidade jurídica quanto os benefícios trabalhistas da profissão. Entretanto, este lançamento foi trepidante no começo. "A lei foi sancionada em 1º de junho de 2015 e deu um prazo de 120 dias para que o poder executivo criasse o eSocial, o que era impossível tecnicamente. Então o que fez a Receita Federal para cumprir a lei? Fez um eSocial que não funcionava, então foi caótico", critica Mário Avelino, presidente do Instituto Doméstica Legal. Entretanto, ele aponta que as deficiências encontradas no eSocial foram aprimoradas. "Se pegar histórico de 2015 até agora, os dois primeiros anos foram traumáticos, mas foi melhorando".
Este ano, por exemplo, duas novidades vieram para a plataforma. Em junho, se disponibilizou a possibilidade de alterar no sistema quem é o responsável pela contratação do trabalhador doméstico. Já em agosto, o Governo Federal lançou o aplicativo eSocial Doméstico, para que o empregador possa fazer o registro e o gerenciamento da folha de empregados através da tela do celular, além de fazer o pagamento do Documento de Arrecadação do eSocial (DAE) no aplicativo do banco de preferência. Hoje, há 1,5 milhão de empregadores domésticos registrados no eSocial.
Segundo Avelino, ainda há deficiências dentro do eSocial que devem ser remediadas. "Há empregados domésticos que pagam pensão alimentícia, e por determinação da Justiça isso é descontado em folha. O eSocial hoje não aceita você fazer o desconto da pensão alimentícia", aponta. Outra falha no sistema, segundo ele, é que o empregador tem que calcular manualmente o impacto de hora extra, adicional noturno e outros benefícios na hora de pagar o décimo terceiro salário ou a rescisão. "O empregador não tem essa cultura. É uma deficiência que até hoje ele tem que fazer. O empregador doméstico não é um departamento de pessoal", diz.
 

Impacto da pandemia na classe C pode prejudicar trabalhadoras domésticas

Para Mário Avelino, emprego depende de cenário saudável na economia

Para Mário Avelino, emprego depende de cenário saudável na economia


/IDL/DIVULGAÇÃO/JC
A retomada de empregos domésticos durante e pós-pandemia ainda é um desafio complexo. A expectativa de Mário Avelino, presidente do Instituto Doméstica Legal (IDL), é que, a partir do momento em que a vacina esteja disponível, se tenha um aumento na admissão e principalmente na readmissão de trabalhadoras domésticas. "Tem gente segurando readmissão por medo de contaminação. O que deve ser mais preponderante é o medo da profissional levar para o lar dele a Covid-19, e é um medo natural".
Para mensurar o impacto da pandemia na classe, Avelino divide o trabalho doméstico em três categorias: trabalhadoras com carteira assinada, trabalhadoras informais e diaristas. No primeiro caso, eram mais de 1,5 milhão de trabalhadoras domésticas com carteira assinada no fim de 2019, e agora este número está em torno de 1,35 milhão. No segundo caso, embora mais difícil de mensurar, o impacto foi maior. "No primeiro grupo, o empregador tinha a opção do governo pagar o salário da doméstica. No segundo grupo, como era informal, demitiu e não pagava nada - e poderia estar sujeito a uma ação trabalhista", explica.
No caso das diaristas, que não prestam serviço contínuo, elas foram dispensadas das diárias. "Quem tem diarista não é empregador, contrata uma diária de uma profissional autônoma. Agora, ele dispensa pelo medo da Covid-19", diz. Além disso, como há muitas pessoas trabalhando em home office, os empregadores acabam assumindo essas funções, ou substituindo o trabalho doméstico recorrente pelo de diaristas.
Para Avelino, também existem três tipos de empregadores domésticos. O primeiro é o de classe média, que contrata uma trabalhadora doméstica por necessidade, por ter filho pequeno ou idoso morando junto, e precisa de alguém em casa. O segundo é o da classe B, que pode ter mais que uma trabalhadora doméstica contratada, como por exemplo uma para cuidar da casa e uma babá. "A trabalhadora doméstica da classe C é polivalente, a trabalhadora doméstica da classe B não", diz. E o terceiro tipo é o da classe A, que pode a ter mais empregados em casa, tanto por necessidade quanto por conforto.
Segundo Avelino, o emprego doméstico depende diretamente de um cenário saudável na economia. Como muitos empregadores domésticos também perderam o emprego, e a recuperação da economia deve ser gradual, a retomada nessa área pode ser mais lenta. "A classe C, que é a maior empregadora, vai ser a mais demorada para recuperar. Ela normalmente não é empreendedora, ela é funcionária. É a pessoa que vai ter mais resistência a recontratar", afirma. "O emprego doméstico está na ponta da linha. Como houve muitas demissões de empregador doméstico, aquele empregador perdeu a renda e demitiu a trabalhadora. O emprego foi afetado de várias maneiras, e no emprego doméstico não existe home office", diz.