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Tributos

- Publicada em 19 de Março de 2019 às 17:49

Debates sobre a Lei Kandir voltam à tona

Rio Grande do Sul acumula perdas que ultrapassam R$ 50 bilhões, boa parte pela venda de grãos

Rio Grande do Sul acumula perdas que ultrapassam R$ 50 bilhões, boa parte pela venda de grãos


JONNE RORIZ/AE/JC
Os repasses da União aos estados devido à Lei Kandir vêm ganhando cada vez mais relevância. Conforme levantamento mais recente do Executivo estadual, de meados do ano passado, o Rio Grande do Sul acumula perdas que ultrapassam R$ 50 bilhões. Os valores que deixaram de ser repassados poderiam representar um alívio aos estados - cujas dificuldades orçamentárias refletem em atrasos nos salários dos servidores públicos e cortes em despesas fundamentais.
Os repasses da União aos estados devido à Lei Kandir vêm ganhando cada vez mais relevância. Conforme levantamento mais recente do Executivo estadual, de meados do ano passado, o Rio Grande do Sul acumula perdas que ultrapassam R$ 50 bilhões. Os valores que deixaram de ser repassados poderiam representar um alívio aos estados - cujas dificuldades orçamentárias refletem em atrasos nos salários dos servidores públicos e cortes em despesas fundamentais.
Em fevereiro deste ano, parecer técnico do Tribunal de Contas da União (TCU) defendeu que a União não teria mais obrigação de fazer qualquer repasse aos estados por causa da Lei Kandir. Nos últimos 10 anos, de acordo com dados da Comissão Mista Especial sobre a Lei Kandir do Congresso Nacional divulgados em 2018, a União devolveu apenas 10% do que os estados têm a receber.
Dados de novembro de 2018 do Banco Central indicam que o valor que os estados têm a receber do governo federal, em razão de compensações da Lei Kandir, chega a R$ 637 bilhões. Em vigor há quase 22 anos, a Lei Complementar nº 87/96 instituiu a isenção de imposto sobre as exportações de produtos primários e semielaborados. Neste caso, caberia ao governo federal compensar as perdas na arrecadação com repasse dos valores desonerados aos estados.
Contudo, a falta de regulamentação da Lei Kandir faz com que, na prática, isso não aconteça integralmente. O Estado deixou de receber, entre 1996 (ano da sanção da lei) e 2015, R$ 27 bilhões. Corrigido pela inflação, o montante retroativo se aproximaria de R$ 45 bilhões.
Em novembro de 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou prazo de 12 meses para que o Congresso editasse lei complementar regulamentando a compensação financeira da União aos estados. O Supremo decidiu que, caso o Congresso não editasse a lei, o TCU deveria definir os critérios e o montante a ser transferido.
Em cumprimento à decisão, o TCU constituiu grupo de trabalho e iniciou procedimento de levantamento de informações, para estudar a matéria. Não há pronunciamento do TCU nesse processo até o momento, inclusive porque novos dados, de diversas fontes, ainda devem ser recebidos e analisados.
A questão da omissão dos repasses foi levada inclusive ao STF em Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO). A ADO 25 foi ajuizada pelo Pará, com a participação de outros 15 estados, dentre eles o Rio Grande do Sul. O plenário do STF havia inclusive dado um prazo de 12 meses para o Congresso legislar sobre o assunto.
Entretanto, o Congresso não votou o tema, e o ministro relator do caso no STF, Gilmar Mendes, concedeu prazo até fevereiro de 2020. Caso contrário, o TCU deverá fixar as regras e proporções e calcular os repasses devidos a cada ente da Federação. A Lei Kandir regulamentou a aplicação do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação (ICMS). Feita pelo então ministro do Planejamento Antonio Kandir, transformou-se na Lei Complementar nº 87/96, que já foi alterada por várias outras leis complementares.
Uma das normas da Lei Kandir é a isenção do pagamento de ICMS sobre as exportações de produtos primários e semielaborados ou serviços. Por esse motivo, a lei sempre provocou polêmica entre os governadores de estados exportadores, que alegam perda de arrecadação devido à isenção do imposto nesses produtos.
Até 2003, a Lei Kandir garantiu o repasse de valores a título de compensação pelas perdas decorrentes da isenção de ICMS, mas, a partir de 2004, a Lei Complementar 115 - uma das que alterou essa legislação -, embora mantendo o direito de repasse, deixou de fixar o valor. Com isso, os governadores precisam negociar a cada ano com o Executivo o montante a ser repassado, mediante recursos alocados no orçamento geral da União.
O secretário da Fazenda gaúcha, Marco Aurelio Cardoso, afirmou que o governo do Estado continua atento, assim como os outros estados interessados, nas discussões acerca do tema. Cardoso admite que os repasses do governo federal, descontinuados no início deste ano, ainda que não representassem o valor total devido, faziam a diferença no fluxo de receitas do governo estadual. "No orçamento deste ano estávamos prevendo esses valores e fará falta. Mas o Executivo federal tem indicado que vai procurar uma saída", espera o secretário.

Presidentes do TCU e da Câmara dos Deputados discutem a questão

Maia recebe presidente do TCU, Ministro José Múcio Monteiro, para falar sobre o tema

Maia recebe presidente do TCU, Ministro José Múcio Monteiro, para falar sobre o tema


AGÊNCIA CÂMARA/JC
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, defendeu que a Casa encontre uma solução definitiva sobre a Lei Kandir. Ele espera votar um texto sobre o assunto até o final do mês de março.
Maia se encontrou com o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro José Múcio Monteiro para tratar do tema. O TCU constituiu grupo de trabalho e iniciou procedimento de levantamento de informações, para estudar a matéria. Não há pronunciamento definitivo do TCU nesse processo até o momento, inclusive porque novos dados, de diversas fontes, ainda devem ser recebidos e analisados.
Para Rodrigo Maia, qualquer decisão sobre a Lei Kandir cabe ao Legislativo, e não ao TCU. No ano passado, não houve acordo para votação do Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 511/18, que obriga a União a repassar anualmente R$ 39 bilhões a estados, ao Distrito Federal e aos municípios. O texto está pronto para ser votado pelo Plenário.
Maia afirmou que vai solicitar ao STF prazo maior para que a Câmara vote uma proposta e enfatizou que vai pautar as mudanças da lei Kandir para que o Plenário decida. "O Plenário existe para resolver aquilo que não tem solução no diálogo. É para resolver na votação", enfatizou Maia.
O TCU vem se dedicando a compreender o tema e vem realizando um levantamento a fim de obter números e informações sobre a variação da arrecadação dos estados e analisar as condições de repasse de recursos da União aos entes federados.
Como regra geral nos trabalhos de fiscalização, as análises são realizadas de acordo com o ordenamento jurídico vigente, que pode vir a ser alterado a qualquer tempo pelo exercício da competência legislativa do Congresso Nacional - nesse caso, seja pela edição da lei complementar prevista para regulamentar a matéria ou mesmo alteração constitucional, entre outras possibilidades.
De acordo com o presidente do TCU, a definição de critérios e de montante de recursos não integra as competências constitucionais e legais originais do Tribunal, mas se tornou um dever institucional em decorrência da decisão do STF. Trata-se de decisão de natureza política, que se insere na discussão mais ampla do federalismo fiscal.
Uma possibilidade discutida no encontro seria a prorrogação, pelo STF, do prazo para o Congresso editar a Lei Complementar. Solicitação nesse sentido já foi feita pela AGU em petição avulsa, a pedido do governo federal, e encontra-se pronta para decisão no STF.
Em coletiva à imprensa, após a reunião, o presidente da Câmara dos Deputados disse que aguarda a decisão do STF sobre a prorrogação de prazo para regulamentação da Lei pelo Congresso Nacional, solicitada pela AGU. 

Como funciona com o ICMS

Isenção

O ICMS é um imposto estadual, ou seja, somente os governos dos estados e o Distrito Federal têm competência para instituí-lo, conforme determinou a Constituição Federal de 1988. A Constituição atribuiu competência tributária à União para criar uma lei geral sobre o ICMS, o que foi feito por meio da Lei Kandir. Essa lei proíbe a incidência do ICMS nas operações que incluam:
  • livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão;
  • envio ao exterior de mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semielaborados ou serviços;
  • transações interestaduais relativas à energia elétrica e petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, quando destinados à industrialização ou à comercialização;
  • transações com ouro, quando definido em lei como ativo financeiro ou instrumento cambial;
  • mercadorias utilizadas na prestação de serviço de qualquer natureza;
  • transações que decorram da transferência de propriedade de estabelecimento industrial, comercial ou de outra espécie;
  • transações decorrentes de alienação fiduciária em garantia, inclusive a operação efetuada pelo credor em decorrência do inadimplemento do devedor;
  • transações de arrendamento mercantil, não compreendida a venda do bem arrendado ao arrendatário;
  • transações de qualquer natureza relativas à transferência de bens móveis salvados de sinistro para companhias seguradoras.

Cobrança de ICMS

Pela Lei Kandir, o ICMS deve incidir sobre as seguintes operações:
  • circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares;
  • prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores;
  • prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, emissão, recepção, transmissão, retransmissão, repetição e ampliação de comunicação de qualquer natureza;
  • fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos municípios;
  • fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual;
  • entrada de mercadoria ou bem importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade;
  • serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior;
  • entrada, no território do estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao estado onde estiver localizado o adquirente.

Projeto quer criminalizar presidente por falta de repasse da lei

Um projeto de lei apresentado este mês caracteriza como crime de responsabilidade do presidente da República contra a lei orçamentária o não repasse das verbas da contrapartida da União aos governos estaduais e municipais sobre exportação, previstas na Lei Kandir (Lei Complementar nº 87, de 1996). O projeto foi apresentado pelo senador Jayme Campos, de Mato Grosso.
Além deste, um projeto que aguarda votação na Câmara dos Deputados (o PLP 511/2018) determina o pagamento de
R$ 39 bilhões por ano aos estados exportadores a título de compensação. A tramitação aguarda a definição das comissões da Câmara para prosseguir.
O PL 1.122/2019, por sua vez estabelece que o presidente da República pode perder seu cargo, caso não faça cumprir a compensação financeira aos estados prevista na Lei Kandir. Segundo vários governadores que estiveram em Brasília para conversar com o ministro Gilmar Mendes, relator do processo no STF, a dívida da União com os estados já ultrapassou os R$ 600 bilhões.
O projeto foi encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça do Senado, para que delibere sobre a proposta, em decisão terminativa. Se aprovado pela CCJ sem recurso para votação no Plenário do Senado, será enviado diretamente para exame da Câmara.
Segundo o senador que apresentou o projeto, Jayme Campos, o PL 1.122 é fundamental para a economia de estados exportadores, como o Rio Grande do Sul. "Essa iniciativa contribuirá decisivamente para um maior equilíbrio federativo e para o equacionamento da grave crise fiscal que os entes nacionais enfrentam. Os estados e municípios não podem ficar à mercê da União, com suas fianças prejudicadas", disse.
O senador Paulo Paim defendeu a iniciativa. "Tivemos um período para votar, o Congresso não votou e o TCU não decide. Nós temos de fazer um movimento com a Câmara e o Senado para cada estado receber o que tem de direito", destacou Paim.