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investimentos

- Publicada em 18 de Abril de 2022 às 03:00

Fundos que compram dívidas em atraso esperam novas oportunidades em 2022

Combinação de aumento dos juros e alta da inadimplência pode trazer mais dificuldades às empresas

Combinação de aumento dos juros e alta da inadimplência pode trazer mais dificuldades às empresas


PATRICIA COMUNELLO/ESPECIAL/JC
A combinação do aumento dos juros pelo BC (Banco Central) para combater a inflação e um crescimento fraco da atividade econômica neste ano deve fazer com que uma série de pessoas e negócios enfrente mais dificuldades para honrar suas dívidas nos próximos meses.
A combinação do aumento dos juros pelo BC (Banco Central) para combater a inflação e um crescimento fraco da atividade econômica neste ano deve fazer com que uma série de pessoas e negócios enfrente mais dificuldades para honrar suas dívidas nos próximos meses.
O que é péssima notícia para muitos, porém, deve ser oportunidade de negócios para outros. Na temporada de balanços, os grandes bancos foram unânimes em sinalizar a expectativa por um aumento da inadimplência, tendência que já começa a aparecer nos dados mais recentes do BC. Além disso, levantamento do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) aponta que uma em cada três famílias brasileiras possui dívidas em atraso.
Neste cenário, gestores de fundos de investimento que atuam no mercado de dívidas em atraso esperam por um ano repleto de oportunidades. Esses operadores se dedicam a comprar ativos considerados problemáticos no mercado, especialmente carteiras de crédito de pessoas jurídicas e físicas inadimplidas, que estão nas mãos de grandes bancos.
Os bancos, muitas vezes, preferem se desfazer dos títulos em troca de um valor menor do que receberiam se as dívidas fossem pagas a seguir na tentativa de recuperar os valores devidos.
Sob a posse dos créditos vencidos, adquiridos com uma boa margem de desconto, os gestores partem então para tentar recuperar ao menos uma parcela dos débitos. Para isso, se valem de uma equipe de cobrança e de um corpo jurídico reforçados, para ir atrás dos devedores e costurar possíveis acordos, o que garante o investimento feito na compra dos papeis.
Guilherme Ferreira, sócio responsável pelas áreas de originação e estruturação de investimentos da gestora Jive Investments, prevê para este ano desembolsar uma cifra ao redor de até R$ 4,5 bilhões na aquisição de créditos em atraso, o dobro do valor despendido em 2021.
"Ainda vamos ter muito mais volatilidade pela frente, o que tende a ser favorável para o surgimento de oportunidades em ativos estressados", diz o especialista. Ele faz referências às incertezas tanto na cena global, com a guerra na Ucrânia e o aumento de juros nos Estados Unidos, como internamente, com um PIB (Produto Interno Bruto) baixo, a taxa Selic de volta aos dois dígitos e as incertezas eleitorais.
O setor imobiliário e o de consumo e varejo, dos mais sensíveis ao aumento dos juros, são apontados pelo sócio da gestora entre os que podem gerar um número maior de oportunidades para os fundos. "Aumentou a probabilidade de as empresas desses setores terem dificuldades financeiras."
Com cerca de R$ 8,2 bilhões em ativos sob gestão, a Jive iniciou as atividades em meados de 2010, quando arrematou o que restou das operações do Lehman Brothers na América Latina, banco que veio à falência em 2008 e se tornou um dos símbolos da crise imobiliária americana. Entre os investimentos já realizados pela Jive no mercado local, Ferreira aponta a construtora Viver e a empresa de tratamento de resíduos Orizon, ambas com ações listadas na Bolsa de Valores, a B3.
Ferreira explica que, além de dívidas vencidas, é comum no chamado "ramo de ativos estressados" o investimento em empresas que atravessam uma fase complicada, mas mostram capacidade de se reestruturar mediante a aplicação de capital estratégico.
"Viver e Orizon eram negócios que passavam por um momento difícil do ponto de vista financeiro e operacional quando receberam nossos investimentos", diz Ferreira.
Pelo grau de complexidade e nível de risco assumido, os três primeiros fundos da Jive foram destinados somente ao investidor classificado pela legislação de mercado como profissional - aquele com ao menos R$ 10 milhões em aplicações financeiras. A expectativa de retorno dos fundos é de cerca de 20% ao ano.

Gestoras buscam empresas que precisam de reestruturação

Com uma atuação similar, a gestora Starboard Restructuring Partners está em vias de encerrar o processo de captação do seu terceiro fundo de private equity, que deve levantar cerca de R$ 1,5 bilhão até meados de junho.
Óleo e gás, energia, varejo e até o agronegócio, são apontados pelo diretor da Starboard, Marcus Bitencourt, entre os setores no radar da gestora, fundada em 2017 por executivos egressos do banco Brasil Plural.
A Starboard soma cerca de R$ 5 bilhões em ativos sob gestão, com o foco voltado para identificar negócios em situação financeira delicada, necessitando de um fôlego financeiro para se reestabelecer.
Para isso, a gestora assume nas empresas escolhidas participações relevantes, que lhe deem a capacidade de sugerir as estratégias de recuperação.
"Buscamos empresas que precisam de uma reestruturação de capital. Entramos no 'management' [gestão] da companhia para fazer um choque de gestão e levar governança", afirma o diretor, que diz ter identificado, na volatilidade recente do câmbio, exportadoras de commodities que tiveram problemas para fazer as proteções adequadas de modo a se proteger dos solavancos de mercado.
A meta de retorno dos fundos, voltados somente aos investidores profissionais, começa a partir de 5% ao ano, além da variação do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), mas Bitencourt diz que já houve investimento em que o retorno foi até nove vezes o valor aplicado.
Por causa do nível de risco assumido, contudo, há exemplos de negócios que não atenderam exatamente às expectativas. Um deles foi a aposta feita no Grupo Máquina de Vendas, controlador da varejista Ricardo Eletro, do qual a Starboard se tornou uma das principais credoras no começo de 2019.
Bitencourt recorda que a empresa até chegou a apresentar alguma melhora dos resultados após o investimento, mas, com a pandemia, o desenvolvimento não se deu como o planejado.
O impacto das medidas de isolamento social levou a uma saída precoce da Starboard em agosto de 2020, pouco antes do pedido de Recuperação Judicial (RJ) da Ricardo Eletro.
"Acreditávamos que o negócio ia dar certo, senão não teríamos investido, mas o futuro é imprevisível", diz Bitencourt, acrescentando que a gestora estrutura todas as operações com garantias, créditos tributários no caso da varejista, de modo a se resguardar de qualquer intercorrência.
Já um caso considerado de sucesso estruturado pela gestora foi o da 3R Petroleum. A empresa é uma resultante de alguns investimentos da Starboard no setor, entre eles na Ouro Preto Óleo e Gás, petroleira fundada por Rodolfo Landim, presidente do Flamengo. Landim chegou a ser apontado pelo governo Jair Bolsonaro (PL) para presidir o conselho da Petrobras, mas abriu mão da posição para se dedicar ao clube.
Se valendo dos planos de desinvestimento da estatal para adquirir uma série de campos maduros de exploração de petróleo, a 3R fez a abertura de capital (IPO, na sigla em inglês) na Bolsa brasileira em novembro de 2020 e soma atualmente um valor de mercado de aproximadamente R$ 8,5 bilhões.