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renda

- Publicada em 17 de Outubro de 2021 às 18:45

Quase 20 milhões de brasileiros passam fome

No total, mais da metade (55%) dos brasileiros sofriam de algum tipo de insegurança alimentar

No total, mais da metade (55%) dos brasileiros sofriam de algum tipo de insegurança alimentar


MARCELO G. RIBEIRO/arquivo/JC
Quase 20 milhões de brasileiros declaram passar 24 horas ou mais sem ter o que comer em alguns dias. Mais 24,5 milhões não têm certeza de como se alimentarão no dia a dia e já reduziram quantidade e qualidade do que comem. Outros 74 milhões vivem inseguros sobre se vão acabar passando por isso.
Quase 20 milhões de brasileiros declaram passar 24 horas ou mais sem ter o que comer em alguns dias. Mais 24,5 milhões não têm certeza de como se alimentarão no dia a dia e já reduziram quantidade e qualidade do que comem. Outros 74 milhões vivem inseguros sobre se vão acabar passando por isso.
No total, mais da metade (55%) dos brasileiros sofriam de algum tipo de insegurança alimentar (grave, moderada ou leve) em dezembro de 2020, segundo levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).
O inquérito, conduzido pelas pesquisadoras que validaram no país a Escala Brasileira de Segurança Alimentar usada pelo IBGE, procurou dar sequência a levantamentos do órgão estatal, feitos a cada quatro anos, como anexo da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) e Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF).
Realizada em 1.662 domicílios urbanos e 518 rurais, a pesquisa trouxe esses números antes do repique inflacionário dos últimos meses - que deve ter agravado o quadro. Em setembro, o índice de difusão do IPCA para alimentos, que mostra o percentual de itens com aumentos, estava em 64%. Em 2019, quando a inflação equivalia a menos da metade da atual, a difusão nos alimentos era pouco superior a 50% - fato que não limitava tanto a opção pela substituição de produtos.
Segundo pesquisa Datafolha para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, desde o início da pandemia os brasileiros vêm comendo mais alimentos ultraprocessados e baratos. Os adultos na faixa dos 45 a 55 anos foram os que mais aumentaram esse tipo de consumo, passando de 9% para 16%.
Dados do IBGE mostram que a insegurança alimentar caía no Brasil desde 2004, mas voltou a subir em todas as suas formas a partir de 2014, na esteira da forte recessão de 2015-2016, que encolheu o PIB em 7,2%.
Desde então, com o Brasil atravessando uma crise fiscal aguda e a pandemia, o crescimento médio da economia tem sido medíocre. Nesse cenário, a criação de empregos informais e pior remunerados prevalece e achatou a renda dos mais pobres. Em seus domicílios, quase toda a renda é gasta em alimentos, transporte e moradia.
Desde 2014, segundo a FGV Social, o rendimento domiciliar real per capita do trabalho caiu de R$ 249 mensais para R$ 172, em média, na metade mais pobre do Brasil. Como trata-se só da renda do trabalho, muitos desses domicílios podem ter outros rendimentos, como da Previdência ou do Bolsa Família --mas a queda dá a dimensão do aperto orçamentário dos últimos anos.
A inflação oficial acumulada entre o fim de 2014 e setembro passado foi de 47,5%; e o valor do dólar mais do que dobrou, com impacto direto no preço dos alimentos e custos de produção, como de fertilizantes importados.
Embora o Brasil seja um dos maiores produtores globais de soja, carne e milho, esses produtos são commodities, com preços negociados em dólar -moeda em que muitos brasileiros mais ricos têm se refugiado neste momento de incerteza política, econômica e fiscal, pressionando sua cotação.
Quando o dólar sobe, as commodities ficam mais caras, pelo aumento do preço da moeda americana e pela diminuição interna da oferta de produtos, que passam a ser exportados em maior quantidade.

Norte e Nordeste registram os piores índices

Nas regiões mais pobres do Norte e Nordeste, a fome (insegurança grave) chega a afetar 18% e 14% dos domicílios, respectivamente, ante média nacional de 9%. No Centro-Oeste, polo produtor do agronegócio, mais de um terço das famílias sofre de insegurança leve.
"Antes mesmo da pesquisa, esperávamos o agravamento do quadro. Mas não que fosse tão profundo", diz Renato Mafuf, coordenador da Rede Penssan, que repetirá o levantamento neste ano, ampliando-o para quase 7.000 domicílios.
Maluf diz que se, por um lado, a pandemia refluiu e está permitindo a volta do trabalho informal, melhorando um pouco a renda, a inflação acelera desde o final de 2020, impedindo avanço significativo nas condições alimentares dos pobres.
Para Daniel Balaban, do United Nations World Food Programme (programa mundial de alimentos da ONU), ao contrário de muitos países africanos, o Brasil não promoveu mudanças em sua estrutura tributária, que onera demasiado o consumo com impostos como o ICMS.
A reforma tributária em tramitação no Congresso não prevê alterar isso. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, a carga de impostos sobre alimentos no Brasil equivale a 22,5%, ante 6,5% na média mundial.
"A tributação sobre o consumo é uma das mais injustas, porque os pobres consomem toda a sua renda no dia a dia. Temos que modificar isso, para que os mais ricos contribuam mais via Imposto de Renda", afirma Balaban. "Quando defendemos isso, não queremos que todos sejam iguais, mas que ninguém morra de fome."

Número de favelas também cresce no País

Além do aumento na insegurança alimentar, o alto desemprego e a queda da renda nos últimos anos fez explodir o número de favelas no Brasil. Em dez anos, elas mais que dobraram em número e presença nas cidades brasileiras.
Segundo estimativa do IBGE, o total de "aglomerados subnormais" (favelas, palafitas, etc.) saltou de 6.329 em 323 municípios para 13.151 em 734 cidades de 2010 a 2019. Caracterizadas por padrão urbanístico irregular e falta de saneamento básico, as moradias nessas condições aumentaram de 3,2 milhões para 5,1 milhões no período.
Os dados de 2010 são do Censo e os de 2019 foram estimados pelo próprio IBGE para subsidiar a operação do próximo Censo, em 2022, e distribuir o trabalho aos recenseadores. Segundo essas projeções, um de cada quatro desses domicílios precários fica nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro; mas a proporção é bem maior em capitais como Belém (55,5% do total de residências), Manaus (53%) e Salvador (42%).
Além de viverem de forma precária, esses moradores sofrem com uma espécie de segregação urbana e "preconceito de CEP", que leva empresas de delivery e transporte por aplicativo a não atuar nessas comunidades, onde a oferta de serviços públicos também é precária. "O Brasil está se tornando um país margeado por favelas. O que não podemos é chegar numa situação de não reversão, embora isso não esteja distante", afirma Edu Lyra, ex-favelado e fundador do Instituto Gerando Falcões, ONG voltada à promoção social de crianças e adolescentes.
A favelização brasileira cresceu apesar de o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) ter construído cerca de 5 milhões de moradias entre 2009 e 2018, quando passou a ser desidratado. No total, foram destinados cerca de R$ 230 bilhões em subsídios diretos e recursos do FGTS à iniciativa. Mas a velocidade do programa não acompanhou a crise econômica e a inflação, que empobreceram a sociedade.
Segundo a Fundação João Pinheiro, o déficit habitacional brasileiro em 2019 era de 5,8 milhões de moradias. Nesse total estavam incluídas cerca de 3 milhões de unidades onde residiam famílias comprometendo mais de 30% da renda com o aluguel -o chamado "ônus excessivo".
Com o MCMV substituído por Bolsonaro pelo Casa Verde e Amarela, o novo programa agora sofre com a falta de recursos e tem atualmente, segundo o Ministério do Desenvolvimento Regional, cerca de 1.600 obras em andamento.
Para Ana Maria Castelo, especialista em construção civil no Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), enquanto durou, o MCMV foi importante porque teve previsibilidade orçamentária, permitindo às construturas desenvolver métodos e tecnologia para massificar e baratear as construções.