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Agronegócio

- Publicada em 04 de Abril de 2021 às 10:00

Crédito privado e mercado de capitais fazem a nova revolução do campo

A nova Lei do Agro, de abril de 2020, expandiu as fronteiras para captar recursos para a produção

A nova Lei do Agro, de abril de 2020, expandiu as fronteiras para captar recursos para a produção


WENDERSON ARAUJO/CNA/DIVULGAÇÃO/JC
Financiar a gigantesca safra brasileira de grãos exige, todos os anos, investimentos bilionários - e a origem desses recursos vem mudando gradativamente. Desde abril de 2020, com a entrada em vigor da nova Lei do Agro, as fronteiras do crédito agrícola foram significativamente ampliadas e ainda devem se expandir muito nos próximos anos. Assim como ocorreu a modernização das máquinas que estão no campo, a forma de financiamento rural também está passando por uma revolução no Brasil.
Financiar a gigantesca safra brasileira de grãos exige, todos os anos, investimentos bilionários - e a origem desses recursos vem mudando gradativamente. Desde abril de 2020, com a entrada em vigor da nova Lei do Agro, as fronteiras do crédito agrícola foram significativamente ampliadas e ainda devem se expandir muito nos próximos anos. Assim como ocorreu a modernização das máquinas que estão no campo, a forma de financiamento rural também está passando por uma revolução no Brasil.

Semear a terra pode ser um negócio bastante lucrativo, como prova a safra 2020/2021 e seus recordes de preços. Mas na chamada indústria a céu aberto, onde se impõe sempre uma variável incontrolável (o clima), os riscos também são consideráveis.
Manter em certo equilíbrio essa atividade fundamental - seja para alimentar a população ou para robustecer a economia com suas exportações - sempre teve no subsídio público, o Plano Safra, um forte pilar. Essa estrutura de sustentação ciclo 2021/2022 deverá ter rachaduras com as restrições orçamentárias em meio à pandemia.
Um segundo pilar de apoio à produção rural, porém, já se revela encorpado e cheio de frutos. A captação de recursos em bancos privados e no mercado de capitais (com investidores nacionais e estrangeiros) avançou consideravelmente em 2020.
Da mesma forma, cresceu o apetite das instituições financeiras em geral pelos lucros que podem vir das lavouras. Um bom exemplo deste movimento é o mercado de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), que com a Lei do Agro ganhou credibilidade, segurança e, neste ano, um Fundo Garantidor específico do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes).
Em 2018, a movimentação de CRAs no Brasil era de apenas R$ 6,89 bilhões, de acordo com dados da consultoria Uqbar. Saltou para R$ 12,31 bilhões em 2019 (alta de quase 80%) e somou cerca de R$ 16 bilhões em 2020, segundo Fernanda Schwantes, assessora de Política Agrícola da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).
"O volume de operações abertas, ou seja, cujo prazo do CRA ainda não se encerrou, soma R$ 48 bilhões, o que mostra a relevância da ferramenta para o setor atualmente", acrescenta a executiva.
Para efeitos de comparação, o Plano Safra contou com R$ 236,3 bilhões no ciclo 2020/2021, parte com juros equalizados pelo Tesouro Nacional para diminuir o custo da produção. Mas o aporte público ao setor começa a ser desidratado e a grande aposta agora é mesmo o estímulo à captação de dinheiro no setor privado, com regulamentação extra e mais possibilidades de fontes de financiamento.
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Novas modalidades de financiamento estão brotando no campo. Foto: Alexandro Auler/Arquivo/JC
De acordo com o economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Antônio da Luz, entre cinco e dez anos os volumes de recursos captados com CRAs devem alcançar R$ 100 bilhões ao ano em recursos injetados no campo.
Não por acaso esta "modernização do crédito agrícola", como o setor classifica as mudanças, cresce concomitantemente à já expressa posição do governo federal de reduzir os aportes públicos em Planos Safras. O que, neste ano, será ainda mais visível com os cortes no Orçamento da União em geral, medida já esperada pelo Ministério da Agricultura.
Neste cenário, estimular a busca de recursos entre investidores privados se tornou mais urgente e necessário do que nunca. Entre as novas modalidades que estão brotando no horizonte o destaque é para os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro) - que, no entanto, ainda precisa ser adubado com alguns ajustes.
"A Lei do Agro trouxe diversos ajustes nos títulos do agronegócio comercializados diretamente no mercado de capitais e deu mais segurança para que os investidores em geral passem a olhar de outra forma o investimento em agronegócio, especialmente com mudanças na emissão de Cédula de Produto Rural (que lastreia estas operações)", explica Fernanda.
No caso do Fiagro, porém, vetos do presidente Jair Bolsonaro estão exigindo intensa mobilização do setor para que se torne realmente atraentes, avalia a executiva da CNA, em coro com outros especialistas.
Isso porque sem os mesmos estímulos dos fundos imobiliários, especialmente na questão tributária, o Fiagro dificilmente se tornará uma alternativa aos Fundos de Investimentos Imobiliários (FIIs), que têm isenção tributária nos ganhos obtidos com a aplicação.
Levando-se em conta a força do agronegócio no Congresso Nacional, a derrubada dos vetos é uma chance real para o setor. Vice-presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Francisco Matturro, também presidente da maior feira rural no Brasil, a Agrishow, pondera que "não há nada que não possa ser arrumado" e se diz otimista quanto ao futuro do Fiagro.
"Nada vai para o Congresso pronto e acabado. O Fiagro será uma importante ferramenta depois de alguns ajustes. E assim que operacionalizado pela B3 (a Bolsa de Valores brasileira) teremos um fundo robusto, onde a população urbana também terá atrativos e ajudará a suportar os investimentos que o agronegócio demanda. E ganhará isso", assegura Matturro.
O economista da Farsul avalia que, alterados os vetos, o fundo deverá estrear de maneira mais consistente no ano que vem. Enquanto isso, a grande estrela atual do agronegócio são as captações via CRA, que tiveram sua primeira operação garantida pelo Bndes em abril deste ano, em uma operação da cooperativa gaúcha Cotrijal. Agora, diz o economista, o banco está se estruturando para poder operar em larga escala.
Esse novo conjunto de instrumentos está trazendo ao cenário rural a concorrência pelo produtor. Segundo Luz, até pouco tempo, os agricultores tinham basicamente apenas uma porta para bater na busca por recursos e "precisavam implorar" nesta porta - bancos públicos que tinham exclusividade para operar com recursos públicos de equalização de juros.
"O produtor passa a ser disputado como um ativo importante a qualquer operador do mercado financeiro. Ao ter sua CPR fortalecida, pode levar no banco, participar de um CRA ou será comprado por um Fiagro. Muda completamente o jogo. Ao invés de o banco ser o grande poderoso, agora o tomador de recursos tem poder", compara Luz.

O que mudou com a Lei do Agro e o que ainda está por vir

UM ANO DA NOVA LEI DO AGRO
- Lei 13.986/2020, originada na MP do Agro, alterou significativamente o mercado de crédito rural a partir de 7 de abril de 2020. De acordo com a CNA, melhorou e amplio o mercado de crédito privado para o agronegócio brasileiro ao aprimorar o ambiente regulatório para a concessão de crédito privado em três frentes principais:
  1. Cria novas modalidades de garantia nas operações de financiamento rural: o Fundo Garantidor Solidário (FGS) e o patrimônio rural em regime de afetação.
  2. Viabilizou a expansão do financiamento ao agronegócio por meio do mercado de capitais, inclusive para a atração de investimento estrangeiro.
  3. Possibilitou o aumento da competição no mercado de crédito rural, ao prever que o mecanismo de equalização de taxas de juros pode ser acessado por qualquer instituição financeira autorizada pelo Banco Central a operar o crédito rural.
  • Com o Fundo Garantidor Solidário (FGS) os próprios produtores, na forma de aval coletivo e solidário, ganharam um leque maior de possibilidades de obter recursos com fornecedores de insumos, beneficiadores de produtos agropecuários e nas instituições financeiras.
  • A Lei 13.986/2020 também passou a permitir ao proprietário rural oferecer todo ou parte de seu imóvel como garantia nos financiamentos rurais. Neste regime de afetação se pode ofertar também uma parcela do bem apenas, o que atrai mais os bancos (porque facilita a cobrança) e evita que o produtor perca toda a propriedade em casa de não cumprimento.
  • Também e fortaleceu a Cédula Imobiliária Rural (CIR), um título de crédito transferível e de livre negociação e que pode ser emitido pelo proprietário rural para financiar sua atividade produtiva dando como garantia parte ou a integralidade do patrimônio rural em afetação
  • Já a Cédula de Produto Rural (CPR) permitiu a liquidação financeira da CPR buscando facilitar o acesso do investidor institucional e investidor estrangeiro e a emissão, depósito e distribuição dos títulos do agronegócio, como Certificado de Depósito Agropecuário (CDA), o Warrant Agropecuário (WA), o Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), a Letra de Crédito do Agronegócio (LCA).
FIAGRO AINDA PRECISA DE AJUSTES
  • Apesar de comemorado pelo setor, a lei que autoriza os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro), criada em dezembro de 2020, sofreu vetos do presidente Jair Bolsonaro – o que tornaria a ferramenta sem atratividade ao investidor. Vetos que o setor negocia para que sejam derrubados no Congresso Nacional.
  • Originalmente a lei previa benefícios fiscais para os investidores dos Fiagros, como isenção de imposto de renda e para os rendimentos de cotas negociadas em bolsas de valores, por exemplo. O veto do presidente seguiria recomendação do Ministério da Economia, sob alegação de que isto seria renúncia de receita.
  • Entidades rurais, no entanto, dizem que a regra seria somente uma equiparação fiscal com o FII (Fundo de Investimento Imobiliário), e que sem isso o Fiagro perderia o sentido e a atratividade.
CRA AVANÇA COM AVAL DO BNDES
  • O Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) já eram operados há bastante tempo no mercado brasileiro, mas em contratos com pouco visibilidade, que ficam parados em gavetas, e não muito representativos ou totalmente mensuráveis. Com a nova Lei do Agro e seu regramento ampliado, ganhou força em 2020.
  • Em 2021 e nos próximos anos, as negociações devem decolar turbinadas pelo Fundo Garantidor específico aos certificados lançado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em março, tendo como primeira operação a captação feita pelo Cotrijal, de Não-Me-Toque, no norte do Estado.
  • O CRA pode ser utilizado para renegociações de dívidas fora do sistema bancário ou concessão de novos créditos e, diferente do Crédito Rural controlado, o formato não está relacionado aos aportes oficiais da política pública. O recurso pode ser utilizado tanto para crédito de custeio, como de investimento.
  • A estrutura da operação consiste na emissão de Cédula de Produto Rural (CPR) pelos agricultores para a originadora do Certificado (cooperativas ou revendas de insumos, por exemplo).
  • Os papéis são transformados em CRA por uma securitizadora, e são negociados no mercado financeiro. Os investidores terão a garantia do BNDES, o que reduz os riscos da operação e, consequentemente, os juros para os produtores.
Fontes: CNA, Uqbar, Farsul, FGV, Mapa, Abag

Plano Safra é uma incógnita ainda maior para o ciclo 2021/2022

Fetag o Pronaf precisa ser ampliado, por apenas a manutenção de valores não é suficiente frente a alta dos custos

Fetag o Pronaf precisa ser ampliado, por apenas a manutenção de valores não é suficiente frente a alta dos custos


UBIRAJARA MACHADO/DIVULGAÇÃO/CIDADES
Com recursos escassos da União, taxa Selic mudando de patamar e sinalização do Copom para um cenário de alta até o final do ano, o Plano Safra 2021/2022 não deverá passar incólume pela crise, em valores aportados ou taxas oferecidas.
Especialistas avaliam que, se há segmentos que podem ser poupados de maiores cortes, serão o Pronaf (destinado à produção familiar, com menos acesso às modernidades da Lei do Agro) e o Seguro Rural (ferramenta defendida com afinco pelo governo federal inclusive como forma de reduzir o custo do crédito privado). 
O presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag/RS), Carlos Joel da Silva, alerta que mesmo a manutenção dos valores do plano anterior põe em risco milhares de famílias devido à elevação significativa de preços dos insumos com a alta do dólar.
"Se o valor do Plano Safra de 2020 for mantido, muitos produtores não conseguirão recursos em 2021. Os recursos acabaram mais cedo no ano passado e, ainda que tenha recebido um pequeno reforço posterior, muita gente ficou na mão", argumenta Silva.
Há, porém, visões ainda otimistas sobre o próximo plano, como a do vice-presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Francisco Matturro. Para o dirigente, mesmo com as restrições do orçamento, o governo poderá lançar um Plano Safra ainda robusto dada a relevância do setor para a economia e, principalmente, focado nos produtores de menor porte, que tem menos ferramentas para buscar as novas ferramentas de crédito privado e disponíveis para captação de investidores.
"O pequeno e médio dificilmente têm acesso a essas ferramentas, salvo via cooperativas, por exemplo. Já o grande produtor tem volume suficiente de colheita e expertise para trabalhar com novas ferramentas, pessoas especializadas na fazenda e costuma negociar safras futuras. Ou seja, ele já está mais ambientado com esse mercado financeiro", explica Matturro.
O vice-presidente da Abag não descarta que, mesmo com a Selic em alta, os juros do Plano Safra não tenham elevação. "É possível que sejam mantidos como estão. Já viemos Selic muito maior e, se a taxa for mantida no Plano, chegaremos em um equilíbrio inclusive. Não vejo um espaço para subir juros. E vale ressaltar que é preciso ter algumas ferramentas para estimular o agronegócio. O plano safra é um balizador para todo o sistema quando se fala em investimentos", defende Matturro.
Já Felippe Serigati, coordenador do mestrado profissional em Agronegócios da Fundação Getulio Vargas, diz que como o "cobertor ficou mais curto" o governo terá que necessariamente que fazer um grande corte em algum ponto específico ou pequenas reduções em diferentes modalidades que compõe o Plano Safra.
E ainda que o campo dependa de dinheiro para ampliar áreas plantadas, o professor alerta que não se pode descartar a possibilidade de que o apoio do governo à próxima safra venha até menor do que no ciclo 2020/2021.
"O instrumento do seguro rural é um dos pilares da política agrícola deste governo, mas não tenho expectativa de que vai passar ileso. E não por uma vontade do governo, mas uma imposição da realidade", resume Serigati.

Captação de recursos via CRA avança no Rio Grande do Sul

Captar recursos com o Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) precisa, em geral, ter respaldado externo em processos que exigem regularização e aval de consultorias. Se para um pequeno ou médio produtor não é possível fazê-lo sozinho, recorrer a cooperativas e revendas de insumos é uma alternativa plenamente viável.
"Para fazer essa estrutura de captação, há custos administrativos, e o mercado de capitais atrai investidores com volume de recursos maiores", acrescenta Fernanda Schwantes, assessora de Política Agrícola da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Mas por meio de cooperativas e revendas, esses recursos começam a chegar a qualquer produtor.
Em abril deste ano, por exemplo, a cooperativa Cotrijal captou no mercado R$ 29 milhões com CRA garantidas pelo Bndes como forma de amenizar os danos da estiagem nas contas de seus associados. O mesmo caminho foi trilhado pela Cotribá, de Ibirubuá, que foi ao mercado buscar recursos com os certificados em 2020 e está voltando em 2021.
"Fizemos um emissão de CRA no final do ano passado, de R$ 53 mi-
lhões parcelado ao produtor em quatro anos, em função da estiagem que assolou nossa área de atuação. Agora estamos elaborando mais dois, um com valor entre R$ 70 milhões a R$ 80 milhões, e outro com fundo garantidor do Bndes, que ainda estamos estudando o quanto será necessário", antecipa Ana Marlise Schreiner, gerente administrativa e financeira da Cotribá.
A CRA também foi a alternativa financeira escolhida pela Referência Agroinsumos, de Dom Pedrito, em janeiro de 2020. A Agroinsumos foi a primeira revenda de insumos a fazer uma operação de crédito do gênero no Estado. De acordo com estudo recente da consultoria Uqbar, empresas de insumos agropecuários estão entre as que mais se fortaleceram no ano passado com emissões de CRA.
"Entre os setores que faziam mais captações por CRA estavam usinas de etanol, por exemplo, mas com a mudança da Lei do Agro as revendas de insumos foram as que mais captaram recursos pelo CRA em 2020", acrescenta Fernanda.
Com os cortes já previstos no orçamento federal para o Planos Safra, a representante da CNA ressalta que esses instrumentos se tornam ainda mais importantes. E ainda que o produtor esteja um pouco mais capitalizado pela alta nos preços das commodities - e em tese apto a financiar mais com recursos própria a próxima lavoura - Fernanda destaca que o próximo plantio terá custos elevados devido ao câmbio.

Bancos privados ampliaram presença no campo

Agronegócio atrai atenções de instituições financeiras que mal olhavam para o segmento

Agronegócio atrai atenções de instituições financeiras que mal olhavam para o segmento


NILSON KONRAD/MASSEY FERGUSON/DIVULGAÇÃO/JC
Um dos principais motores do crescimento nacional nos últimos anos, e uma entre as poucas atividade que fecharam 2020 no positivo, o agronegócio vem atraindo as atenções de instituições financeiras que até pouco tempo mal olhavam o segmento.
Com a redução na taxa Selic ao longo do tempo e o Brasil em crise já antes da pandemia, o setor passou ser alvo de investidas de diferentes bancos em busca de um cliente que demanda constante de crédito e é, tradicionalmente, um bom pagador.
Felippe Serigati, coordenador do mestrado profissional em Agronegócios da Fundação Getulio Vargas (FGV), destaca que, nos últimos dois anos, a participação maior do crédito privado no setor teve diferentes estímulos.
A demanda crescente do agronegócio e a Lei do Agro, que reduziu os custos de transação e deu mais segurança para as operações de financiamento, se incorporaram a outras alternativas, diz o professor.
"A Lei do Agro, por exemplo, permite que qualquer instituição financeira possa acessar recursos públicos para equalização de crédito rural como forma de aumentar a competição entre instituições públicas e privadas e reduzir o custo do crédito", explica Serigati, já que essa era uma opção quase exclusiva de bancos públicos até pouco tempo.
Aliado a isso, as taxas de juros mais baixas reduziram as chances de ganhos do setor financeiro - e os bancos precisaram buscar fontes para rentabilizar o seu dinheiro.
Tendo um setor demandante de crédito, todos os anos, para tocar sua indústria a céu aberto, o agronegócio ficou sob os holofotes do setor privado. Serigati diz, porém, que o cenário pode ter alguns entraves com a Selic voltando a subir.
Ainda que os recursos oriundos da poupança rural (que, por lei, devem regressar, em parte, ao setor na forma de crédito) tenham registado captação de mais de R$ 36 bilhões em 2020, a alta da taxa básica de juro da economia tende a afetar a oferta.
"O crédito vai ficar mais caro e, assim, a capacidade do governo de equalizá-lo para o produtor será reduzida com o déficit fiscal. E a taxa de juro mais alta reduz o apelo de instrumentos privados de financiamento. A resposta exata dessa equação não sabemos, mas gera uma série de consequências", analisa Serigati.
Fernanda Schwantes, assessora de Política Agrícola da CNA, diz que há duas prioridades da entidade para tentar aumentar neste ano a oferta de recursos via bancos privados. Um dos pleitos, já encaminhados, é que o Banco Central ajuste a regulação que define que maior direcionamento de valores ao campo aumentam a exposição da instituição a riscos.
"Hoje, para o Banco Central, na prática a carteira do agronegócio é quase comparada ao risco do cartão de crédito, quando na verdade é semelhante ao risco imobiliário. Isso leva os bancos a terem que reter mais crédito a cada real que empresta ao agronegócio. São recursos que as instituições financeiras acabam tendo que deixar parados", explica Fernanda.
Em abril, a CNA encaminhou ofício ao Ministério da Economia e ao Banco Central solicitando formalmente a revisão desses pontos. Outro tema a ser combatido, diz Fernanda, é o elevado custo administrativo e tributário para operacionalizar o crédito rural.
"Para emprestar recurso do Pronaf ao produtor, a instituição tem um grande custo por trás, o que acaba gerando despesa para o governo para equalização. O custo do Banco do Brasil, por exemplo, é muito acima das cooperativas de crédito, e acaba consumindo boa parte dos R$ 8 bilhões a R$ 10 bilhões que temos para equalização, e se reduz muito o número de operações possíveis", explica a executiva da CNA.
Serigati acredita que, por estar um pouco melhor capitalizado pelos bons preços da safra e com a possibilidade de a Selic chegar a 7% ao ano, o produtor poderá financiar um pouco mais sua lavoura com recursos próprios. Se a Selic avançar ao patamar de 7%, o produtor acabará refletindo mais sobre o quanto vale a pena buscar o recurso e pagar até 10%, contando custos de administração, diz o representante da FGV.
Isso porque todo o custo que o produtor consegue reduzir ao implantar a lavoura se reverte em ganho para ele próprio - e neste ano as opções a serem levadas em conta são maiores. Com as novas opções de crédito e financiamento privado, juros elevados e dinheiro no bolso, são muitas as variáveis para analisar na hora de financiar a lavoura 2021/2022.
"Mas isso considerando a produção de grãos, porque quem trabalha com leite, suínos, aves e bovinos está passando por um aperto. E quem sofreu com a estiagem, como no Rio Grande do Sul, tem dívidas a pagar", reforça Serigati. 

PIB robusto ajuda a 'pagar a conta' do déficit e atrai investidor

Aumenta a intenção de investir no agronegócio e a e ganhar dinheiro com este mercado

Aumenta a intenção de investir no agronegócio e a e ganhar dinheiro com este mercado


WENDERSON ARAUJO/CNA/DIVULGAÇÃO/JC
O agronegócio é o setor que mais tem ajudado a mitigar parte dos danos com a crise econômica e sanitária - o que não garantiu que ficasse de fora dos cortes previstos no Orçamento da União. O diretor executivo da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Eduardo Daher, diz que é justamente o fato de o agronegócio viver um bom momento que acaba levando o governo a reduzir, de certa forma, o apoio à atividade.
"Muito restaurante quebrou, assim como o pequeno salão de beleza, e temos auxílio emergencial e apoio a inúmeros setores como esses com recursos públicos. Não condeno esse apoio social, mas é uma conta que tem de ser paga. E se está cobrando do agro o que não se consegue em outros lugares", alerta Daher.
Por outro lado, como o PIB do agronegócio é o único que cresceu significativamente em 2020, há mais pessoas físicas e investidores querendo entrar neste mercado e ganhar dinheiro com ele. Ainda assim, diz Daher, o governo vetou ao Fiagro os mesmos benefícios concedidos desde 1997 ao setor imobiliário - como a isenção de Imposto de Renda sobre os ganhos aplicados no setor.
"Mesmo em meio à pandemia, em São Paulo estão erguendo inúmeros prédios e shoppings, fruto dos fundos imobiliários. Queremos que os investidores façam o mesmo com o agronegócio. Mas se o Fiagro é tributado, o investidor naturalmente vai para o fundo imobiliário ou um VGBL (sistema de previdência privada) nos quais há isenção de imposto", argumenta Daher.
O representante da Abag diz que, ao vetar ao setor os mesmos benefícios dos fundos imobiliários, o governo inviabilizou o Fiagro. Mas, com a força da bancada ruralista e a relevância o setor para a economia nacional, até mesmo dentro do governo a aposta é de reversão do veto no Congresso.
O secretário-adjunto de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, José Angelo Mazzillo Júnior, afirma que hoje prevalece no setor um "certo consenso" de que haverá a derrubada dos vetos presidenciais.
"Não queremos aumentar a base de isenções com o Fiagro, mas ter simetria tributária com outros fundos. Caso contrário, já se lança um fundo condenado a ser acessório. Isso é sabido pelo Executivo desde as discussões internas, nas quais acabou prevalecendo a opinião da Receita Federal, com posição contrária do Mapa", explica Mazzillo.
O representante do Ministério da Agricultura destaca, porém, os muitos avanços já obtidos para a injeção de recursos privados na atividade desde o ano passado. A base inicial da mudança do sistema público de crédito para o privado começou com a Lei do Agro e teve como base o fortalecimento da Cédula de Produto Rural (CPR), uma garantia dada pelo produtor na busca por crédito. Com uma regulamentação mais fraca e muita insegurança jurídica e econômica até 2019, diz Mazzillo, o cenário se inverteu com a Lei do Agro.
"Nosso objetivo é desenvolver o sistema de financiamento privado para o agronegócio. Uma das bases é pelo fortalecimento da CPR, o produtor já usava para captar recursos com tradings, esmagadoras e revendas, mas em operações que ficavam dentro das gavetas, sem formalização", avalia o representante do Mapa.
Sem a formalização destes títulos, diz Mazzillo, não se tinha uma visão integral do que estava sendo negociado e nem mesmo era efetivamente uma ferramenta para diminuir o juro ao produtor. Para reduzir esse custo, a Lei do Agro entrou em cena corrigindo algumas falhas e criando um volume maior de negócios. E a visibilidade dada pela nova regulamentação, avalia ele, criou um mercado de crédito "verdadeiro", atraindo investidores privados urbanos e até estrangeiros.
"O produtor já negociava a CPR, mas havia insegurança jurídica e um mercado com pouca transparência. Como o investidor saberia o nível de endividamento de um produtor se aquelas CPRs estavam todas nas gavetas? Era preciso ter tudo isso registrado e codificado em prol do próprio produtor rural", questiona Mazzillo.
Ainda que o ministério não tenha uma contabilização atual de quanto as mudanças nas regras já aumentaram a injeção de recursos privados no setor, o secretário-adjunto de política agrícola diz que algumas estimativas quantificavam a circulação de R$ 200 bilhões em CPRs anualmente.
"A captação por meio de CPR tem sido usada de uma forma mais ampla atualmente, mas não temos uma quantificação precisa ainda. De forma qualitativa, posso garantir que tem CPR sendo emitidas em cima de biocombustível, soja e até frango vivo e utilizadas para captar dinheiro da população brasileira como um todo, inclusive urbana, o que antes não acontecia", comemora o representante do ministério.

*Thiago Copetti é jornalista, especializado em Gestão de Empresas e setorista de agronegócio do Jornal do Comércio. Também é bacharel em Relações Internacionais, com foco em temas sino-brasileiros