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reportagem especial

- Publicada em 08 de Novembro de 2020 às 21:02

Vale do Sinos abre mercados com produção de cerveja artesanal

Dissociar a cerveja do cotidiano gaúcho é ignorar uma história de séculos

Dissociar a cerveja do cotidiano gaúcho é ignorar uma história de séculos


/free-photos/pixabay/divulgação/jc
Quando o príncipe Ludwig I da Baviera decidiu casar a princesa Teresa da Saxônia, em 1810, ele não fazia ideia da proporção que a festa, regada à muita cerveja e diversão, daria início a uma tradição alemã que dura até hoje: a Oktoberfest (Festa de Outubro). A população gostou tanto das comemorações - com direito à corrida de cavalos - que decidiu repetir no ano seguinte. O festival ultrapassou as fronteiras alemãs com as famílias que resolveram tentar a sorte em outros países e, com ele, a tradição de fabricar a bebida. No Rio Grande do Sul não foi diferente. A descendência alemã que domina o Vale do Sinos faz com que os municípios da região levem seus habitantes não só a apreciar a bebida, mas também a investir em sua fabricação. Atual vice-líder no número de cervejarias registradas no Brasil, o estado gaúcho vive um ciclo virtuoso da cerveja, que jamais deixou de ter sua fundamental importância para a economia e mesmo para a vida da sociedade.
Quando o príncipe Ludwig I da Baviera decidiu casar a princesa Teresa da Saxônia, em 1810, ele não fazia ideia da proporção que a festa, regada à muita cerveja e diversão, daria início a uma tradição alemã que dura até hoje: a Oktoberfest (Festa de Outubro). A população gostou tanto das comemorações - com direito à corrida de cavalos - que decidiu repetir no ano seguinte. O festival ultrapassou as fronteiras alemãs com as famílias que resolveram tentar a sorte em outros países e, com ele, a tradição de fabricar a bebida. No Rio Grande do Sul não foi diferente. A descendência alemã que domina o Vale do Sinos faz com que os municípios da região levem seus habitantes não só a apreciar a bebida, mas também a investir em sua fabricação. Atual vice-líder no número de cervejarias registradas no Brasil, o estado gaúcho vive um ciclo virtuoso da cerveja, que jamais deixou de ter sua fundamental importância para a economia e mesmo para a vida da sociedade.

Vale do Sinos trilha os caminhos das microcervejarias

Dissociar a cerveja do cotidiano gaúcho é ignorar uma história de séculos, que se firmou por meio dos imigrantes e que até os dias de hoje perdura entre gerações de pessoas. As tecnologias para sua fabricação se modernizaram, os modos e costumes mudaram, mas a dita "ceva" gaúcha permanece, com inúmeros sabores e aromas, desafiando paradigmas e, mais do que tudo, sendo cada vez mais democrática.
A descendência alemã que domina o Vale do Sinos faz com que os municípios da região levem seus habitantes não só a apreciar a bebida - tradição entre os germânicos -, mas também a investir em sua fabricação.
A Lei Alemã da Pureza da Cerveja, ou Reinheitsgebot, de 23 de abril de 1516, é um exemplo de como a bebida é tratada com status de nobreza desde a origem: promulgada, na época, pelo duque da Baviera, Guilherme IV, ela estabelece que a bebida só poderia ser elaborada com os quatro ingredientes tradicionais: lúpulo, malte, água pura e levedura. Nos dias atuais, no Vale, a cerveja entremeia a história, proporcionando emprego, renda e, não menos importante, a continuidade da tradição.
Vice-líder no ranking de cervejarias registradas no Brasil, o Rio Grande do Sul aproveita o momento positivo para a atividade, que tem importância fundamental não só para a economia, mas também para a vida da sociedade. Hoje, os números revelam esta relevância: o Rio Grande do Sul concentrava, em 2019, 236 cervejarias, ficando atrás apenas do estado de São Paulo, que conta com 241. Mas, em produtos, o Estado lidera com folga: são 5.813 itens, contra 5.450 dos paulistas. As informações são do Anuário da Cerveja 2019, desenvolvido e publicado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa).
O documento destaca ainda que, entre 2018 e o ano passado, foram abertas 320 novas cervejarias no País, ou seja, houve a abertura de quase uma por dia. Porto Alegre é o município brasileiro com mais negócios do tipo: 39.
Levantamento da Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz) mostra que houve um aumento substancial no número de microcervejarias no Rio Grande do Sul nos últimos cinco anos. Entre 2015, eram 64, chegando a 190 em 2020, ou seja, aumento de 196% no período. Cerca de 90% delas é inscrita no Simples Nacional, que passou a ser possível em 2018, e 10% no Regime Geral.
Entre todas as microcervejarias gaúchas que emitiram Notas Fiscais Eletrônicas (NF-e), por volta de 10% estão na área do Conselho Regional de Desenvolvimento (Corede) Vale do Sinos, composto por 14 municípios. O Vale está na terceira colocação no ranking, atrás dos Coredes Metropolitano Delta do Jacuí, com 21% e Serra (20%).
Já a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo (Sedetur) aponta que o Estado tinha, no começo deste ano, 451 cervejarias de todos os portes. Na soma dos 14 municípios do Corede Vale do Sinos, também havia 39 cervejarias, o mesmo número somente da capital.
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Antes da pandemia, o setor vinha apresentando crescimento significativo no Rio Grande do Sul, mas, em abril e maio deste ano, houve grande impacto.
"O isolamento social, o fechamento do comércio, bares e restaurantes e o cancelamento de festas e eventos fazem com que o setor acumule um decréscimo de 1,6% de janeiro a setembro de 2020 na emissão de NF-e em relação ao mesmo período do ano anterior", registra a Sefaz. A arrecadação de ICMS mostrou o mesmo movimento de alta expressiva, entre os anos de 2013 a 2019, porém isto foi interrompido em 2020.
Levando em conta apenas este ano, com dados corrigidos pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), a Sefaz informa que houve meses com grandes variações negativas. De julho a setembro, porém, o movimento vem apresentando leves recuperações sucessivas.
Outro mapeamento do setor foi realizado pelo Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e pela Abracerva (Associação Brasileira de Cerveja Artesanal). De acordo com o 1º Censo das Cervejas Independentes Brasileiras, divulgado em outubro de 2019, 20% das cervejarias que responderam ao questionário se concentravam no Rio Grande do Sul. E um terço dos negócios no País respondeu esperar lucrar até R$ 180 mil no mesmo ano de 2019.
Na média, o mercado nacional cresce 20% ao ano. Ou melhor, crescia até o ano passado. Em 2020, o Anuário foi divulgado em março, no início da pandemia, que trouxe, e ainda traz, incertezas a toda a cadeia produtiva. O setor, que em grande parte depende de uma vida social ativa, tombou de forma significativa nos meses de quarentena.
"A cerveja artesanal é um dos setores afetados pela crise, pois a política de isolamento resultante das medidas de contenção ao contágio pela Covid-19 afetou diretamente a economia no setor, restando quase nenhuma possibilidade de receita", afirma o coordenador da Associação Gaúcha de Microcervejarias (AGM), Gustavo Cunha.
De acordo com ele, a pandemia reduziu o faturamento das cervejarias gaúchas em pelo menos 80%. "No período inicial, as indústrias tiveram que parar sua produção e trabalhar somente com os estoques. Muitos funcionários tiveram que ser demitidos, outros fizeram acordos de suspensão de salários e demais reduziram a jornada de trabalho", diz Gustavo.
A situação é a mesma de outros setores econômicos. Mas há algumas soluções que os cervejeiros vêm procurando realizar para sustentar seus negócios, sem deixar de lado a paixão pela bebida artesanal

Relevância da bebida leva universidades e startupsa ampliarem cursos para profissionais do ramo

O ambiente acadêmico é fértil para a formação de profissionais do ramo cervejeiro. No Vale do Sinos, Ulbra e Unisinos já realizaram cursos de extensão voltados ao tema. A Ulbra, por exemplo, o promoveu em seis edições. Já a Universidade Feevale foi além. Está em curso, neste ano, a primeira edição da especialização em Fabricação e Harmonização de Cervejas Especiais, com previsão de término no ano que vem.
"A importância deste ambiente existe para que não possamos apenas formar profissionais capazes de produzir, mas sobretudo lidar com a cerveja e a alimentação. O aluno que ingressa nas disciplinas acaba tendo, no mínimo, a curiosidade despertada", afirma o mestre e professor do curso de Gastronomia da Feevale, Paulo Eduardo Ferreira Machado.
O conhecimento do estudante na fabricação de cervejas diferenciadas, segundo o professor, também é despertado e passa a influenciar uma nova clientela. "Vai se gerando uma proporção geométrica no sentido de cada vez mais as pessoas estarem atentas a uma bebida de qualidade, a uma cerveja de verdade, diferente destas 'estupidamente geladas' que existem por aí. O setor também se desenvolve no ponto de vista da produção e do consumo", afirma Machado, que também docente do curso de extensão promovido pela universidade hamburguense.
Há casos de startups voltadas à formação de novos profissionais, e até aluguel de equipamentos, criadas e incubadas em universidades da região para produção da cerveja. Uma delas, incubada no parque tecnológico do Tecnosinos, na Unisinos está inativa no momento, mas seus representantes informam que a previsão de retorno ao mercado é em 2022.
Em São Leopoldo, a República das Cervejas, - que ostenta o título de primeira incubadora de cervejas do Brasil - também se destaca na formação de profissionais.
Formada em 2014, quando um grupo de microempreendedores procurou se unir para fabricar e comercializar a própria bebida, a República ofereceu cursos desde o ano de sua fundação. Naquele ano, o empresário André Rotta ministrava aulas de fabricação de cerveja artesanal, emprestando a estrutura para alunos. Mais de 2,5 mil pessoas foram ensinadas, segundo ele. A partir daí, o modelo se transformou em uma estrutura cooperativa, na qual os futuros empreendedores podem dividir o espaço e os lucros.
A República tem ainda a fábrica - localizada no imóvel de uma antiga selaria e hoje é considerado de interesse histórico e cultural -, um restaurante e um pub. "Por enquanto, a cervejaria e a incubadora estão paradas, mas devemos retornar com força total após a pandemia", afirma Rotta. Há 25 torneiras no espaço, utilizadas em eventos e ações temáticas, como a Oktoberfest.

Cerveja, substantivo feminino

Coletivo feminista criado em 2016, a Ceva das Minas tem cerca de 40 integrantes e usa a bebida como polo agregador

Coletivo feminista criado em 2016, a Ceva das Minas tem cerca de 40 integrantes e usa a bebida como polo agregador


/Alexsandro Rogério Pereira Cabral/divulgação/jc
Não há dados precisos sobre a participação feminina nos negócios do Vale do Sinos, ou mesmo no Rio Grande do Sul. Contudo, segundo o Sebrae, elas ainda são minoria no País, representando apenas 11% do total de empreendedores. Buscando integrar mais as trabalhadoras dentro deste universo, foram criadas iniciativas como o Ceva das Minas, que surgiu em 2016.
"Ao longo do caminho nos definimos como um coletivo feminista que tem a cerveja como polo agregador", afirma uma das integrantes do grupo, Gabriela Lando. O grupo, hoje, tem em torno de 40 integrantes, entre elas, pessoas do Vale do Sinos.
Com a Covid-19, houve uma pausa nas reuniões presenciais, mas o Ceva das Minas sempre foi igualmente unido em prol de levar a causa e, especialmente, os ensinamentos adiante. "O nosso objetivo é agregar as mulheres enquanto classe, trazendo educação e a inserção de verdade nesse meio. Mas nunca deixamos de apoiar umas às outras, pois muitas de nós perdemos nossos empregos ou trabalhos informais", diz Gabriela, ressaltando que ainda há ideias e campanhas em desenvolvimento por parte do grupo.
A cozinheira Bruna Zimer, 24 anos, formada em Gastronomia pela Feevale, é apaixonada pelas cervejas artesanais. Moradora de Novo Hamburgo, a jovem diz que começou a se interessar por este universo após uma aula na graduação.
"Sempre fui curiosa com cerveja, mas nunca havia me aprofundado tanto. Após essa aula, da disciplina de Zitogastronomia, comecei a procurar e comprar mais, principalmente as da região", afirma ela, salientando que gosta também de fotografar e anotar as características dos produtos consumidos. Paulo foi o professor desta disciplina referida por ela.
Segundo Bruna, as mulheres sempre tiveram relação de longa data com a bebida, e que a preferência delas tem sido por produtos fortes, amargos e de qualidade. Sua paixão a fez acompanhar de perto o mercado cervejeiro no Vale do Sinos, seja nas compras ou frequentando locais que as comercializam. "Percebo que houve um grande crescimento. Algumas cervejarias que começaram no 'fundo de quintal', hoje cresceram e abriram pubs com a marca, o que chama muito a atenção dos consumidores", diz a jovem, afirmando também que seus estilos favoritos são as Ales, especialmente as IPA (Indian Pale Ale, de sabor mais intenso) e Red Ale (de cor avermelhada e amargor médio a intenso).
Próximo às margens da BR-116, em Morro Reuter, na Encosta da Serra, fica a Oripacha - Cervejaria Pomar, cuja sede está localizada em um sítio. Fundada em 2019, a marca tem, entre seus três sócios, a jovem porto alegrense Júlia Quadros, além de dois outros rapazes de Novo Hamburgo. Na visão dela, não há "inclusão" de mulheres no mercado cervejeiro do Vale, embora elas estejam reconquistando este espaço das mais diferentes formas. "Me sinto privilegiada por conseguir ser sócia de uma cervejaria hoje nessa sociedade. Por enquanto, desconheço de projetos que ajudem nesta aproximação da mulher no meio", afirma ela.
A ideia da marca também tem um caráter social envolvido. "A Oripacha também tem o objetivo de sempre estar compartilhando e mostrando em suas redes sociais e outros canais que o lugar de mulher é onde ela quiser", comenta Julia. Outra preocupação da cervejaria é com o meio ambiente.
"Ela surgiu de uma paixão por cerveja junto com a vontade de estar perto da natureza e retribuir todos os benefícios que ela nos presenteia, desde o alimento até a água". A marca trabalha com duas linhas: a de cervejas "fixas", produzidas o ano todo, e cujo projeto inclui o replantio de árvores em áreas desmatadas, e as "sazonais", nas quais os insumos são coletados na própria sede, respeitando ciclos naturais de cada um deles.

Sebrae apoia os futuros empreendedores do setor

Quem quer empreender neste mercado pode contar com o apoio de entidades representativas. Até 2019, o Sebrae-RS tinha a proposta do Polo Cervejeiro do Rio Grande do Sul, voltado exclusivamente para cervejarias artesanais.
Mas, por uma questão estratégica, elas migraram para o projeto Desenvolvimento da Cadeia Produtiva de Alimentos e Bebidas, que passou a incluir empreendimentos do setor de alimentação em geral. A mudança proporcionou mais incentivos à participação em feiras e imersões em eventos nacionais e internacionais, com curadoria de equipes técnicas. O projeto tem previsão de encerramento em dezembro de 2021.
Em função do ano atípico, nem as feiras e eventos, puderam acontecer. "Ao invés disso, trabalhamos a transformação digital das empresas por meio da ampliação do atendimento virtual, geração de novos pedidos pelas redes sociais, aumento do número de leads e da comunicação das empresas com seus clientes finais", explica a Analista de Articulação de Projetos Pleno do Sebrae, Francine Oliveira Danigno.
O Sebrae-RS aposta em 2021 como um ano em que se projeta uma melhoria significativa. "Com o mercado aquecido novamente, temos o objetivo de potencializar os dois canais de vendas, online e presencial", afirma ela.
 

A reinvenção da marca da microcervejaria pioneira no Vale

Daitx destaca a responsabilidade de criar novos sabores e o desafio que isso representa na conquista de clientes

Daitx destaca a responsabilidade de criar novos sabores e o desafio que isso representa na conquista de clientes


/Felipe Faleiro/especial/jc
Uma das microcervejarias pioneiras no Vale do Sinos é a Factory Beer, fundada em 1998, em São Leopoldo, que depois se mudou para a vizinha Sapucaia do Sul, praticamente na divisa com Esteio, devido a um processo natural de expansão. Hoje, comercializa seis estilos de cerveja, entre elas a Brazilian Stout, feita com cacau e cumaru (semente do fruto de árvore do Norte do País que tem sabor e aroma semelhantes à baunilha).
Está presente principalmente em cerca de 200 pontos de venda na Grande Porto Alegre, vales do Sinos e Paranhana, Litoral Norte, região Carbonífera e adjacências, graças a uma forte rede de distribuidores. A marca também tem e-commerce próprio e está presente em marketplaces.
A Factory, que até então era muito associada a festas, baladas e eventos em geral, em 2019 reposicionou a marca, com novo logotipo e o slogan "Cerveja artesanal descomplicada". "Começamos a pensar se a Factory era tudo aquilo que estávamos pensando, e descobrimos esta vertente de ser uma cerveja acessível, fácil de beber", afirma o diretor comercial da marca, Maiquel Daitx.
De acordo com ele, muitas vezes, o público em geral, geralmente acostumado às cervejas industrializadas, tem dificuldade de entender o que é a cerveja artesanal, fazendo com que haja este relativo distanciamento. Contudo, é este o público-alvo da marca.
"Temos o propósito de trazer estas pessoas para a artesanal. Aos poucos, estamos começando a vencer esta barreira, mas ainda é um longo processo", afirma Daitx. A empresa, em janeiro deste ano, havia crescido 60% em relação ao mesmo período de 2019. Em fevereiro, o aumento proporcional foi de 50%, e na metade de março, a Factory esperava dobrar o faturamento ao mesmo mês do ano passado. Mas, veio a Covid-19. "Em setembro, havíamos faturado apenas um pouco a menos do que o normal. Já tínhamos uma robustez e uma boa organização financeira, e assim conseguimos nos manter." Em outubro, a expectativa é crescer de 20% a 30% sobre o mesmo mês de 2019.
A Factory, segundo Daitx, hoje fabrica por volta de 50 mil litros por mês, tem 15 funcionários diretos, fora distribuidores, e está em processo de expansão, adquirindo mais tanques de armazenamento. Daqui a cerca de 15 dias, a empresa vai começar a instalação de energia fotovoltaica na planta.
"O mercado se transforma a todo momento. Por essa questão do pioneirismo, muitas vezes servimos de inspiração e também aprendemos muito. A cerveja artesanal precisa ser vista como conjunto, algo que precisamos nos unir e nos desenvolver. É gratificante quando as pessoas começam a experimentar e gostar. É uma responsabilidade grande, mas um desafio legal", diz o diretor comercial.

Cervejas Artesanais viram oportunidades turísticas

A fim de fomentar o turismo cervejeiro nos vales do Sinos e Paranhana, deve ser lançado oficialmente em dezembro o Caminho das Cervejas Artesanais, iniciativa do Vale Germânico com o Sebrae. Serão 25 cervejarias integrantes, dos nove municípios que compõem o Vale: Araricá, Campo Bom, Dois Irmãos, Ivoti, Morro Reuter, Novo Hamburgo, Santa Maria do Herval, São Leopoldo e Sapiranga.
O lançamento aconteceria em março, porém a pandemia adiou os planos. O Vale Germânico está ativo e desde o ano passado compõe o Mapa do Turismo Brasileiro, do Ministério do Turismo.
"Estamos focando com as cervejarias, que são negócios muito empreendedores, e no qual cada uma tem uma experiência diferente.
Neste tempo, foi possível fomentar ações conjuntas", salienta a coordenadora do Vale Germânico e secretária de Cultura e Turismo de Araricá, Mara Alexandra de Souza Lima. O Caminho das Cervejas, diz ela, será o segundo a ser lançado. Antes, em 26 de novembro, deve tomar forma o Caminho da Contemplação, unindo a arquitetura, fé e cultura regionais, e com foco nas igrejas da região.
 

Premiada microcervejaria projeta retomada

Apelido do empresário Alcebíades Cardoso da Silva Júnior, um dos sócios, deu o nome ao empreendimento

Apelido do empresário Alcebíades Cardoso da Silva Júnior, um dos sócios, deu o nome ao empreendimento


/Felipe Faleiro/especial/jc
A marca Alcebier é desenvolvida no bairro São Jorge, na zona Norte de Novo Hamburgo. Ela foi fundada em 2016, mas a produção mesmo começou em 2018. O nome vem do apelido "Alce", dado a um dos sócios-proprietários do negócio, Alcebíades Cardoso da Silva Júnior, natural de São Leopoldo. "Foram anos bons 2018 e 2019. E, em 2020, almejávamos um crescimento de 20% até o final do ano", afirma ele. O negócio cresceu e se desenvolveu, de forma que a marca conquistou duas medalhas de prata no 7º Concurso Brasileiro de Cervejas, realizado em março de 2019 junto ao Festival Brasileiro da Cerveja, um dos maiores do País, e que ocorre em Blumenau (SC).
A Alcebier venceu, na ocasião, com dois rótulos: o Cerração, na categoria South German-Style Hefeweizen, e a Neblina, na Belgian-Style Witbier. "Como na Witbier não houve medalhas de ouro, fomos eleitas a melhor do Brasil na categoria", informa Alcebíades, exibindo os murais com as láureas, expostas em uma das paredes da sede. Depois das conquistas, a microcervejaria hamburguense encarou a pandemia. As vendas para bares e restaurantes, dois dos carros-chefes da marca, minguaram. Os eventos, muitos deles temáticos, como o St. Patrick's Day, celebrado anualmente, cessaram no mesmo ritmo. Estima-se que 90% dos clientes sumiram. No pior da crise, a empresa ficou com um funcionário apenas, contra sete que haviam antes. "Nosso faturamento reduziu praticamente a zero", diz Alce.
O jeito, então, foi se reinventar, primeiramente com os números. Alcebíades e a outra sócia, sua esposa Denise Kolling, estudaram as finanças e viram que podiam negociar diretamente com os credores, já que não haviam contratado financiamentos bancários. Isto proporcionou um certo alívio ao casal. Outra questão foram as ações de ativação da marca. Com as aglomerações não apenas desencorajadas, mas proibidas, criou-se uma estratégia de pit stop, ou drive-thru. "A pessoa realizava o pedido e não descia do carro para receber.
Em abril e maio, foi o que nos manteve", conta ele. Deste modo, conseguiram manter o giro dos insumos e a produção, ainda que menor.
Ao mesmo tempo, recém haviam chegado, na sede da Alcebier, quatro novos fermentadores adquiridos anteriormente, cada um com capacidade de armazenar dois mil litros da bebida. Até março do ano que vem, serão mais sete equipamentos, de mil litros cada. É o começo da retomada: o sócio da microcervejaria vislumbra uma melhoria nos eventos até meados do ano que vem. O empresário também realizou algumas contratações.
"No primeiro trimestre, talvez tudo retorne à normalidade", projeta Alcebíades, otimista. A Alcebier disponibilizar, hoje, rótulos de diversos estilos, além de uma linha própria de vestuários, comercializada na sede e em eventos, a exemplo do Festival de Cervejas Artesanais, na Fenac, também em Novo Hamburgo, que ocorre junto à Feira da Loucura por Sapatos, duas vezes por ano.
Outra curiosa atração da marca é uma simpática Kombi, fabricada em 2010, adquirida por Alcebíades junto a Ronaldo Nast, gaúcho e um dos pioneiros no País em divulgação da cultura cervejeira itinerante. Nast é também um dos fundadores da Associação dos Cervejeiros Artesanais do RS (ACervA Gaúcha), criada em novembro de 2007.
A aquisição da Kombi ocorreu em 2015, e ela já havia sido adaptada pelo antigo proprietário para rodar pelas ruas, inclusive com três torneiras prontas para servir na parte externa. Depois da compra, Alce instalou mais duas e manteve o nome Kom Bier, que hoje é indissociável da Alcebier.

Novas tendências devem agitar o mercado artesanal e aumentar ofertas ao público

Diante do atual cenário, qual o segredo da cerveja artesanal ter crescido na preferência? "Uma das razões para o surgimento de tantas empresas nesse segmento está relacionada a liberações governamentais para produzi-las, que acabaram por atrair empresários e aumentar a oferta", diz o coordenador da Educação Executiva da ESPM Porto Alegre e especialista em Negócios e Marketing, Flávio Martins.
Maiquel Daitx, da Factory Beer, diz que elas representam, hoje, no Brasil, uma fatia de mercado relativamente pequena, de cerca de 2% do total, ao contrário do que é visto em regiões como Europa e Estados Unidos, onde a artesanal chega a níveis de 15% e até 20%, dependendo do País. Aqui, a chave é a experiência de consumo, segundo Daitx, caráter visto unicamente nas cervejarias artesanais.
"Consumidores mais exigentes vão exigir delas mais qualidade na escolha dos insumos e processos produtivos, bem como melhorias nos processos de armazenamento e transporte, já que bebidas fermentadas sofrem mais em condições inadequadas de refrigeração", diz ele, prevendo que haverá uma depuração do mercado. "Quanto mais exigentes ficarem os consumidores, mantêm-se apenas os fabricantes com condições de garantir esses aspectos", diz o empresário.
Daitx também diz acreditar que uma tendência crescente nos comércios, não apenas da região, deve se manter: barbearias, lojas de vestuário e de acessórios automotivos que oferecem também a degustação da bebida como complemento. "Estes são ambientes masculinos que têm maior aderência ao apelo de bebida encorpada que as cervejas artesanais se propõem", afirma. Um destes negócios é a BarBearia 2015, que funciona há cinco anos em um ponto tradicional no Centro de Novo Hamburgo.
"Nossa ideia é ter um público bem qualificado, pois é a característica do consumidor da cerveja artesanal. Cada um tem sua preferência, mas procuramos atender a todos", afirma um dos sócios-proprietários do espaço, Marcio de Mattos. A outra sócia é a esposa dele, a professora Margareth Helena Weber. Mattos relata que cerca de 80% das pessoas que frequentam a BarBearia 2015 consomem a bebida. "Ela tem um apelo bem interessante. Temos a possibilidade de atuar nos dois segmentos, tanto no corte de cabelos quanto no bar em si", comenta.
Em meio à pandemia, o local também encerrou as atividades em caráter temporário, mas pôde abrir depois de três semanas em que havia sido fechado por força da legislação municipal. Apesar das restrições impostas, isso representou uma vantagem para o negócio se manter ativo. Marcio sugere que, apesar disto, a retomada vai ser bem lenta. "Haverá um agravante para nós, os 'sobreviventes', que terão de competir o mercado com bares novos, gente que não passou por isto, e que vão estrear sem perdas e investindo forte", opina Mattos.
Outro gênero de negócio possível de prosperar neste meio é o de pessoas que optam por produzir a própria cerveja em casa. A Brewhouse, com filiais em Novo Hamburgo e Porto Alegre, é uma loja que comercializa insumos diversos, e é denominada como uma brewshop.
"Temos aqui no Vale do Sinos talvez o segundo maior mercado de cerveja artesanal do Estado, com seu centro em Novo Hamburgo, que se destaca pelo número de cervejarias e pubs. Além de nós, há aqui um Centro de Distribuição da Agrária, maltaria brasileira e a maior da América Latina", afirma o CEO da empresa, Francisco da Silva, outro apaixonado pela bebida.
O local realiza cursos de produção da cerveja e de formação, além de ter loja virtual própria. Para ele, a pandemia produziu efeito contrário para a empresa, com aumento das vendas aos cervejeiros que passaram a produzir em casa. "Desde o começo, uma das bandeiras foi tentar 'salvar' os nossos clientes e parceiros, prorrogando prazos, negociando preços e vendendo as cervejas de nossos clientes, ou seja, as cervejarias, a preço de custo para tentar ajudá-los nessa fase." Na visão de Francisco, o mercado de cervejarias é mais imprevisível e foi duramente afetado pela Covid-19. "Apesar disso, acredito sim em um forte crescimento nos próximos anos", salienta.
E, diante dessas situações que desafiam a todos, o que deve fazer quem quer desenvolver um novo negócio neste mercado? A analista de Articulação de Projetos Pleno do Sebrae, Francine Oliveira Danigno, afirma que, ao contrário do que muitos pensam, este é um momento de oportunidades.
"Quando uma empresa nasce em um momento de crise, aquele momento é o normal dela, e quando tudo melhora, ela está no topo. A dica pra quem está empreendendo agora com cervejas artesanais é que faça tudo pensando no desejo e bem-estar do cliente. Seja no online ou no presencial, o importante é focar nas preferências de consumo dele em relação ao seu produto ou serviço. Sendo assim, não terá erro", diz a profissional.
 

Eventos como vitrines das marcas cervejeiras da região

Hamburgerberg Fest ocorre nas ruas do bairro Hamburgo Velho

Hamburgerberg Fest ocorre nas ruas do bairro Hamburgo Velho


/HAMBURGerBERG/DIVULGAÇÃO/JC
Os eventos voltados à cultura cervejeira no Vale do Sinos têm sua relevância e reúnem centenas de visitantes, além de integrar os diferentes empreendedores. Até a pandemia, eles eram vistos também como vitrines de seus produtos, sejam eles novas criações ou receitas já consagradas. Nestes casos, não apenas as bebidas costumam ser as agregadoras, mas também a gastronomia e a música ao vivo. Em Novo Hamburgo, algumas destas ações merecem destaque.
Uma delas é o anteriormente citado Festival de Cervejas Artesanais, que já teve 11 edições. A mais recente, realizada durante 11 dias em outubro do ano passado, teve a participação de 24 marcas da região. Outro é o Fenac Festival Beer & Food, também realizado nos pavilhões da Fenac, e que iniciou em 2017, com edições ocorrendo no período do inverno, reunindo em torno de 25 cervejarias. Fora dos ambientes fechados, há dois eventos cujo "charme" fica por conta do local de realização, no coração do Centro Histórico hamburguense. O primeiro deles é o Festeja Hamburgo Velho, em caráter mensal e que já ocorreu 39 vezes desde 2015.
Além do aspecto gastronômico e da música, o Festeja, que não ocorre desde março, agrega também o comércio de produtos artesanais diversos, itens orgânicos e de brique em uma praça. O segundo é a Hamburgerberg Fest, nas ruas do mesmo bairro de Hamburgo Velho, mas que na realidade foi pioneiro nestas integrações. O evento foi realizado anualmente, entre 1990 e 2011, pela antiga Associação dos Amigos de Hamburgo Velho (AAHV), com apoio dos habitantes da área e da Prefeitura Municipal, e de 2016 aos dias atuais pela Associação de Moradores e Empreendedores do bairro (AME HV).
"Eventos como este possibilitam o acesso das pessoas ao produto de forma fácil e descompromissada. Isso fortalece a cultura cervejeira local", afirma um dos organizadores do Festeja, Renato Rübenich, também proprietário da Cervejaria Rübe Beer. Na visão dele, a notícia da pandemia foi recebida com tristeza e preocupação pelo setor que os organiza. "Com o passar do tempo, vimos que vários conseguiram de adaptar e se reinventar, seguindo na sua atividade, ainda que de forma muito mais modesta", afirma ele, ressaltando que o Festeja, cuja comissão organizadora é composta por sete pessoas, apenas deve retornar após a vacina, apesar das recentes flexibilizações. "Aí será muito bom para todos".
Renato também foi um dos fundadores da Cervasinos (Cervejeiros Artesanais do Vale do Sinos), associado à ACervA Gaúcha (Associação dos Cervejeiros Artesanais do Rio Grande do Sul), e que tem como objetivo fomentar a cadeia cervejeira, agregando novos criadores e consumidores. Porém, hoje, o grupo, voltado especialmente aos cervejeiros caseiros, não está tão ativo como era antigamente. "Ele foi nossa porta de entrada para este meio. Com o passar do tempo, os encontros presenciais foram se perdendo. Principalmente com a entrada do WhatsApp, o pessoal ficou mais cômodo, foi inevitável. A Cervasinos até existe, mas não tem mais movimento", informa o proprietário da Rübe Beer.

Governo do Estado desenvolve ações para fomentar o setor e estimular empreendedores

O governo do Estado está de olho neste mercado, e tem algumas iniciativas voltadas ao empreendedorismo e criação de oportunidades. Um deles é a previsão da redução do cálculo da substituição tributária para as microcervejarias, de 27% para 13%, alinhando os tributos estaduais aos de outras regiões, por meio do pacto cooperativo setorial.
O anúncio foi feito pelo governador Eduardo Leite, em dezembro do ano passado, com efeitos de abril a dezembro deste ano. "Os cervejeiros tiveram uma melhoria de competitividade fiscal garantida na Secretaria da Fazenda", diz o diretor de Desenvolvimento Econômico da Sedetur, Marcelo Zepka Baumgarten.
Outra foi a criação de um financiamento especial em meio a pandemia, em uma parceria da Secretaria de Trabalho e Assistência Social (Stas), através do programa RS Trabalho, Emprego e Renda (RS TER). A intenção é permitir que microcervejeiros vinculados à AGM consigam realizar operações de crédito de até R$ 125 mil. Na prática, o microempresário precisa garantir 20% do valor, e o restante é coberto pelo Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil (Sicoob), por meio do RS Garanti - Associação Garantidora de Crédito. As taxas variam de 1% a 1,3%, dependendo do tempo, porém no máximo de 36 meses, 0,7% mais o Certificado de Depósito Interbancário (CDI), até 48 meses, e uma linha de investimentos, de até R$ 200 mil e prazo de 60 meses.
"Somos um polo gastronômico, e este projeto começou por demandas de consumidores. Ele iniciou pequeno, e hoje está crescendo muito. Estão acontecendo trocas de tecnologias com outros países que já produzem cervejas artesanais, e que vão melhorar ainda mais a qualidade do produto", afirma o gerente regional do Sicoob Credicapital, Charles Rafael Krahl. Segundo ele, há mais parcerias em estudo. "A gente quer crescer a cadeia. Temos projetos de fazer novas linhas, e apoiar empresas que vão gerar empregos e renda. Mas no primeiro momento vamos apenas apoiar aquelas que precisam durante a pandemia".
As microcervejarias lideram a Câmara Setorial de Bebidas Regionais na Secretaria Estadual da Agricultura (Seadpr). Elas ainda têm acesso ao Programa de Apoio à Participação de Empresas Gaúchas em Feiras, ao Fundopem, para ampliações e instalações de fábricas, e agora ao mais recente edital do Programa Redes de Cooperação, formado para fomentar a parceria entre entidades sem fins lucrativos e universidades. O documento traz ações como a ampliação do acesso a mercados e da capacidade produtiva, qualificação de profissionais, incentivo à cooperação e redução de custos. "Ele é focado na Região Metropolitana de Porto Alegre. As ações devem certamente beneficiar as empresas do Vale do Sinos", comenta Baumgarten. A apresentação de propostas encerrou no último dia 30 de outubro.
No final de setembro, a Seapdr, a AGM, a Universidade de Caxias do Sul (UCS) e a Emater lançaram o Projeto Monitoramento e Desenvolvimento da Cultura do Lúpulo no Rio Grande do Sul, para justamente acompanhar o plantio desta variedade, responsável direta pelo amargor e aroma da cerveja. Propriedades em seis municípios da Serra gaúcha estão sendo monitoradas para o levantamento de informações. Segundo a Seadpr, por muitos anos esta cultura esteve restrita aos imigrantes que se estabeleceram no Estado, mas já está mais presente nos dias atuais graças a agricultores e demais empreendedores.
"Estamos na fase inicial do projeto, os resultados vamos ter a partir da metade do ano que vem", informa o gerente de Planejamento da Emater, Rogério Mazzardo. Segundo ele, na conclusão, são esperadas orientações técnicas de desenvolvimento e resposta da cultura a solo, clima, adubação e manejo. "E a partir desse acompanhamento, gerar informações que possam subsidiar agricultores no cultivo do lúpulo". Questionado sobre se o projeto pode ser expandido a outras regiões do Estado, ele afirma que é necessário avaliar a adaptação da cultura ao clima delas.

O começo ligado à tradição germânica

Dado Bier foi um dos pioneiros a investir em uma microcervejaria nos anos 1990

Dado Bier foi um dos pioneiros a investir em uma microcervejaria nos anos 1990


/LUIZA PRADO/JC
A cerveja é uma bebida com importância cultural inquestionável, e seus registros históricos mais antigos datam da civilização suméria, uma das primeiras a serem formadas no planeta. A primeira receita conhecida dela é o Hino a Ninkasi, deusa suméria da cerveja, datada de 1800 anos antes de Cristo. Muitos séculos se passaram, e na medida em que a bebida foi se fortalecendo na Europa e Ásia, integrou-se aos diferentes povos. Nas Grandes Navegações, ela esteve presente, chegando ao Brasil no início do século XIX por meio da Família Real Portuguesa. Com as imigrações europeias, a bebida chegou a outros pontos do País, a exemplo do Rio Grande do Sul.
"Algumas informações históricas apontam que a primeira fábrica da atual região do Vale do Sinos, na época Colônia Alemã de São Leopoldo, data de 1824 ou 1825, e era de propriedade do imigrante Ignácio Rasch", conta o historiador e integrante do Instituto Histórico de São Leopoldo, Rodrigo Luis dos Santos.
Rasch havia nascido na região alemã da Baviera, em 1790, e chegou ao atual território leopoldense alguns dias após o desembarque da primeira leva de alemães por aqui. Em outubro do mesmo ano, ele recebeu o lote de número 01, à margem esquerda do Rio dos Sinos, próximo da atual Igreja Nossa Senhora da Conceição, e dentro do Plano Diretor Colonial.
Segundo Santos, Rasch é também considerado o primeiro comerciante e precursor da navegação fluvial nas áreas de colonização, fazendo o transporte de mercadorias entre São Leopoldo e Porto Alegre. Sua pequena cervejaria foi fundada junto a um armazém de secos e molhados. Na década de 1850, conforme censos realizados pelo Governo da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, São Leopoldo já possuía seis cervejarias.
Em 1875, na localidade de Neu Schneiss, hoje município de Linha Nova, no Vale do Caí, o imigrante Georg Heinrich Ritter se estabeleceu. Chegou ao Brasil em 1846 e, baseado no conhecimento que trouxe da Europa, logo fundou a Cervejaria Ritter, considerada a primeira do ramo comercial do Rio Grande do Sul.
Por este motivo, até hoje, Linha Nova é considerada o Berço das Cervejarias no Estado. A casa comercial de Ritter ainda está de pé na sede do município. "Este título traz muito orgulho à cidade. Hoje temos duas cervejarias que exploram este título em suas divulgações e, aos pouco,s está havendo um reconhecimento estadual desta história", destaca o diretor de Turismo de Linha Nova, Christian Albers.
Um dos 11 filhos de Georg, Friedrich Jakob Ritter, estudou o ofício na Alemanha, e quando retornou, fundou, em 1879, com o irmão Carl Ritter, a Cervejaria Carl Ritter & Irmão, em Pelotas, no Sul do Estado. Em 1888, outro filho de Georg, Henrique Ritter, muda-se para Porto Alegre para auxiliar sua prima e o marido, Guilherme Becker, que tinha uma cervejaria desde 1879. No ano de 1894, Henrique funda a própria cervejaria, no bairro Moinhos de Vento, auxiliado pelos filhos. Em 1906, a Cervejaria H. Ritter e Filhos se muda para a Rua Voluntários da Pátria, 501, no bairro Navegantes, em local mais amplo e moderno. A empresa se uniu às cervejarias Bopp & Irmãos e à Bernardo Sassen & Filhos.
Criou-se ali a Cervejaria Continental, que foi a maior do Estado por muitos anos e funcionava no prédio da Cervejaria Bopp, na avenida Cristóvão Colombo, 625, no bairro Floresta, em Porto Alegre. O negócio funcionou no local até 1998, e depois mudou-se para o município de Viamão. Já o prédio foi restaurado e hoje abriga o Shopping Total. Com a aquisição da Continental pela Companhia Cervejaria Brahma, o antigo prédio da Ritter & Filhos, na Voluntários, foi demolido.
Outro grande nome de destaque nos primórdios das cervejas no Vale do Sinos foi Wilhelm Haertel, que integrou o grupo de fundadores da Sociedade Orpheu, em 1858. O Orpheu é o clube social mais antigo do Brasil ainda em atividade. "Assim como ocorreu com a família de Georg Heinrich Ritter, descendentes de Wilhelm também se radicaram em Pelotas", conta Santos.
Em 1936, a sede e os distritos de São Leopoldo tinham três fabricantes principais:, a Cervejaria Leopoldense, na sede, a de Armindo Mallmann, em Lomba Grande, e a Reuter & Reichert, em Sapiranga. A partir daí, as artesanais em geral perdem espaço e têm uma grande lacuna na história, com o surgimento das grandes marcas, impulsionadas pela publicidade nos meios de comunicação. As microcervejarias voltam a ganhar força novamente em meados da década de 1990. A pioneira no País foi a Dado Bier, de Porto Alegre, fundada em 1995.
"Com a abertura econômica do período, começamos a ter acesso a produtos vindos do exterior, e isso atiçou a curiosidade. Antes mesmo do surgimento das microcervejarias, as pessoas acessavam esses insumos para fabricação própria da cerveja", relata o professor Paulo, da Feevale. Muitas empresas começaram a se especializar em trazer para o Brasil, ou desenvolver no País, aparelhos para a produção cervejeira. "Talvez a retomada veio por aspectos econômicos, que beneficiaram mais as grandes empresas da área do que os pequenos empreendimentos", afirma Santos.
 

Felipe Faleiro é jornalista formado pela Universidade Feevale, de Novo Hamburgo, nascido e criado no Vale do Sinos. Trabalha desde 2016 como repórter em veículos da região.