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Reportagem especial

- Publicada em 24 de Maio de 2020 às 17:40

Caminhoneiros mantêm o transporte de cargas mesmo com a pandemia

Setor responde por 3,5% do PIB gaúcho, ou seja, somente em 2019,movimentou R$ 16,8 bilhões

Setor responde por 3,5% do PIB gaúcho, ou seja, somente em 2019,movimentou R$ 16,8 bilhões


ÁLVARO GUIMARÃES/DIVULGAÇÃO/JC
O peso do setor de transporte de cargas na economia gaúcha pode ser medido nos dados do Departamento de Economia e Estatística (DEE) da Secretaria Estadual de Planejamento e Gestão (Seplag), os quais indicam que o setor de transporte, armazenagem e correios - contabilizados juntos para efeitos de cálculo do Produto Interno Bruto (PIB) - responde por 3,5% do PIB gaúcho, que, em 2019, foi de R$ 480,5 bilhões. Ou seja, somente no ano passado, o setor movimentou R$ 16,8 bilhões.
O peso do setor de transporte de cargas na economia gaúcha pode ser medido nos dados do Departamento de Economia e Estatística (DEE) da Secretaria Estadual de Planejamento e Gestão (Seplag), os quais indicam que o setor de transporte, armazenagem e correios - contabilizados juntos para efeitos de cálculo do Produto Interno Bruto (PIB) - responde por 3,5% do PIB gaúcho, que, em 2019, foi de R$ 480,5 bilhões. Ou seja, somente no ano passado, o setor movimentou R$ 16,8 bilhões.
Para os pesquisadores da Fundação Getulio Vargas (FGV), o desempenho da economia abalada pela Covid-19, tanto no primeiro como no segundo trimestre deste ano, deve passar essencialmente pelas estradas, de carona nas cargas dos caminhões.

Com o peso da economia nas rodas

Ação dos caminhoneiros é essencial para abastecer supermercados e cidades

Ação dos caminhoneiros é essencial para abastecer supermercados e cidades


ÁLVARO GUIMARÃES/DIVULGAÇÃO/JC
Sob a luz dos faróis, a BR-392 se revela à medida que o Scania 360 ano 1991 vence aclives, declives e curvas sinuosas dos 221 quilômetros que separam as cidades de Santa Maria, na Região Central do Rio Grande do Sul, e Santo Ângelo, no Noroeste. Já passa das 22h de uma segunda-feira, e a viagem iniciada às 14h no porto de Rio Grande, no Sul do Estado, ainda tem mais algumas horas pela frente.
Diante do volante, Laércio Schüler, 40 anos, também conhecido como Faísca, fala das dificuldades do trabalho em tempos dominados pelo novo coronavírus, como o dia no qual dirigiu por oito horas sem encontrar um único posto de gasolina aberto para fazer uma refeição ou abastecer; o aumento da concorrência com o fechamento da indústria calçadista e moveleira; e a redução do volume de cargas.
O panorama desenhado por ele ganha a forma de números e percentuais nos relatórios da pesquisa semanal elaborada pela Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC & Logística), cuja sétima edição, divulgada no dia 11 de maio, apontava para uma redução de 40,47% da demanda geral por transporte rodoviário de cargas no País entre 4 e 10 de maio.
O mesmo levantamento mostra que 88% das empresas, a maior parte pequenas e médias, sofrem com queda no faturamento e começam a penar com a falta de capital de giro, necessário para dar manutenção nas frotas responsáveis por abastecer as cidades e manter a fragilizada economia gaúcha viva.
Ao som da dance music comandada por DJ Wagner - o DJ caminhoneiro do Tocantins, autor das setlists preferidas pelos motoristas que rodam a noite sem rebite ou outros aditivos -, Schüler vence a estrada rumo a um frigorífico de carne suína cuja produção, em sua maior parte, é exportada para a China. Esta é a primeira das duas viagens que pretende fazer na semana. Cada frete custa R$ 3,1 mil à transportadora para a qual presta serviço.
Quando terminar de percorrer os 1.132 quilômetros de ida e volta, já será quarta-feira, e o lucro líquido do trabalho ficará em torno de R$ 1,1 mil. Se tudo der certo, conseguirá carregar outro contêiner e "virar o pescoço" para as Missões até o final do dia, reiniciando o ciclo do setor que, no Rio Grande do Sul, envolve 270 mil caminhões, 13 sindicatos e 13 mil empresas, segundo números da Federação das Empresas de Logística e Transportes de Cargas do Rio Grande do Sul (Fetransul).

Cotidiano alterado em postos de gasolina e restaurantes de estradas pelo interior gaúcho

Movimento do restaurante de João Vieira caiu 30% em Santo Ângelo

Movimento do restaurante de João Vieira caiu 30% em Santo Ângelo


/ÁLVARO GUIMARÃES/DIVULGAÇÃO/JC
No final de março, quase um mês depois do aparecimento do primeiro caso de Covid-19 no Brasil, o governo federal incluiu o transporte rodoviário de cargas nas atividades consideradas essenciais em tempos de isolamento social, o que ajudou a reduzir os transtornos sofridos pelos caminhoneiros nas primeiras semanas da quarentena.
"Mandaram fechar tudo, preocupados com as vidas, mas parece que as vidas dos caminhoneiros têm menos valor. Foi um absurdo dos absurdos o que aconteceu", reclama o presidente da Fetransul, Afrânio Kieling. "Não tinha uma borracharia ou um posto de gasolina aberto, chegaram a proibir os motoristas de tomar banho nos postos", conta o empresário Marcos Roberto Radunz, dono de uma transportadora de Pelotas, cuja frota de oito caminhões costuma carregar arroz para a Região Sudeste do País e voltar com produtos industrializados para o Uruguai.
O presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT) e do Conselho Nacional do Sest/Senat, Vander Costa, avalia que o Decreto nº 10.282/2020 teve como principal efeito prático abrir as portas das cidades aos caminhões e permitir o abastecimento da população. A medida garante, ainda, o funcionamento de postos de combustíveis, lancherias, restaurantes, borracharias, oficinas mecânicas, lojas de pneus e autopeças. Em muitos casos, são pequenos negócios que dependem do setor para se manter, como o buffet da família Vieira em Santo Ângelo. Localizado a duas quadras do frigorífico, o estabelecimento tem a maior parte de sua freguesia formada por caminhoneiros.
O patriarca da família, João Vieira, 52 anos, conta que o restaurante não fechou as portas por saber ser essencial aos motoristas. "Dentro do pátio da empresa é proibido 'abrir as caixas' para cozinhar, e, no Centro da cidade, a comida é bem mais cara, então achamos que fechar seria prejudicá-los", conta. Apesar disso, os Vieira contabilizam uma redução de 30% a 40% do movimento diário. "A gente servia umas 30 refeições por almoço e abria à noite, agora não temos mais janta e, ao meio-dia, caiu bastante o movimento", diz Roberta Vieira, 22 anos.
O problema que deixa os Vieira apreensivos também é motivo de dor de cabeça para Nelson Júnior, 25 anos, proprietário de outro restaurante, localizado próximo aos terminais das transportadoras de contêineres na Via Um em Rio Grande, no Sul gaúcho. "Não posso fechar por causa dos funcionários, mas, se continuar como está, só consigo manter as portas abertas por mais dois ou três meses, no máximo", lamenta ele. O movimento despencou 40%.

Pressões de todos os lados

Jader Colvara diz que empresas estão deixando de chamar terceirizados

Jader Colvara diz que empresas estão deixando de chamar terceirizados


/ÁLVARO GUIMARÃES/DIVULGAÇÃO/JC
A queda do movimento na rede de apoio ao setor do transporte de carga é reflexo direto da diminuição da demanda sentida pelas transportadoras desde março. O levantamento da NTC & Logística mostra que a busca por cargas fracionadas, aquelas que contêm pequenos volumes, caiu 39% no geral, mas, em alguns casos, como nas entregas para as lojas de rua, por exemplo, reduziu em 56,9%.
Enquanto as cargas fechadas ou de lotação, que ocupam toda a capacidade do veículo, experimentam uma retração média de 41,1%, no caso dos produtos da linha branca, a diminuição da necessidade de transporte chegou a 63,5% nos primeiros dias de maio.
A redução da procura por fretes gera uma pressão extra sobre os profissionais autônomos que veem a concorrência aumentar nas áreas onde o impacto da pandemia ainda não fez tanto estrago, como no transporte de produtos farmacêuticos e químicos, mercadorias para supermercados ou alimentos refrigerados para exportação.
"A gente se preocupa, porque, onde tem muita oferta, baixa o preço do frete, e, daqui a pouco, quem está parado vai ter que trabalhar, e as empresas podem querer barganhar uma redução do preço do frete, esse seria o pior cenário para nós", comenta o motorista Laércio Schüler, que, no final de 2019, apostou na troca do transporte de grãos para os contêineres como forma de aumentar a renda e, agora, vê crescer o número de colegas que tentam migrar para esse tipo de carga.
"Algumas empresas já não estão mais chamando os terceirizados, estão usando somente seus próprios caminhões, isso gera mais apreensão", acrescenta Jader Colvara, 43 anos, que, há seis anos, carrega contêineres para uma transportadora do Sul do Estado.
Nas empresas, os efeitos mais preocupantes são a falta de capital de giro para manter a folha de pagamento do pessoal fixo e a manutenção dos veículos. A última pesquisa da CNT sobre o impacto da Covid-19 nos contratos de trabalho mostra que, até abril, 33% das empresas já demitiram funcionários, e a estimativa é de que, até o final de maio, esse percentual suba para 42%. A possibilidade de redução da jornada de trabalho com diminuição dos salários é uma opção analisada em 47,5% das transportadoras.
"Se trabalha de dia para pagar as contas de noite, e nem todo mundo está conseguindo pagar os boletos. Tem empresa fazendo uma ou duas viagens por semana", comenta Nelson Vergara, presidente da Associação dos Proprietários de Caminhões de Pelotas, que, hoje, tem 500 associados. De acordo com ele, o impacto negativo só não foi maior porque, apesar da quebra superior a 40% na soja devido à estiagem, o escoamento do arroz manteve os caminhões ativos até abril.
O lado ruim dessa história, conforme Vergara, é que o preço do frete baixou, pressionado pelo mal resultado das lavouras, mesmo com o valor da saca de 60 kg subindo dos R$ 68,00 pagos na safra anterior para preços que variam entre R$ 90,00 e R$ 110,00 neste ano, o que garante um aumento superior a 60% no preço pago ao produtor. "Em 2019, com a soja na casa dos R$ 70,00, pagavam R$ 60,00 pelo frete e, hoje, com a saca a R$ 100,00, pedem R$ 50,00 por tonelada, querem espremer o frete", reclama. A falta de uma tabela capaz de garantir o preço mínimo é apontada como alternativa para minimizar esse tipo de problema.
Toda essa pressão tem reflexos diretos em quem está ao volante, como Faísca, que, para tentar manter o maior número possível de viagens por semana, opta por enfrentar as madrugadas na estrada e dormir nos períodos de espera para carregar ou descarregar. Na prática, isso significa trocar o sono profundo por alguns cochilos de duas ou três horas intercalados por períodos dedicados a tratar da papelada da carga, esperar testes e inspeções no contêiner, controlar a contabilidade, dar manutenção no caminhão, fazer refeições, pagar contas, acompanhar como as coisas estão em casa e, claro, as características rodinhas de conversa com os colegas para saber detalhes sobre fretes, acidentes, problemas mecânicos, cotação de peças e acessórios, e por aí vai.
"Um caminhão é uma empresa, o mais fácil é dirigir", sentencia Schüler, antes de admitir que sentiu a pressão aumentar nos últimos meses. "É um momento difícil para todo mundo, então não tem como o cara se lamentar, quem pode tem que trabalhar."

Carga de solidariedade

Pureza Júnior diz que nunca encontrou orientação de saúde na estrada

Pureza Júnior diz que nunca encontrou orientação de saúde na estrada


/ÁLVARO GUIMARÃES/DIVULGAÇÃO/JC
Quando a quarentena foi decretada e os postos de gasolina e os restaurantes de beira de estrada fecharam, em várias cidades, a população se encarregou de distribuir alimentos para os caminhoneiros. Alguns daqueles, que estavam à espera de um posto para abastecer, carregavam produtos farmacêuticos ou alimentos para hospitais, entidades ou centros públicos de assistência social.
A solidariedade demonstrada pelas comunidades naqueles dias de pânico tem sido praticada diariamente por empresas e profissionais autônomos. As contas da Fetransul indicam que, a cada 24 horas, entre quatro e cinco transportadoras gaúchas fazem algum frete gratuito com carregamentos de materiais médicos, respiradores mecânicos para Unidades de Tratamento Intensivo (UTI), remédios, camas e colchões para hospitais de campanha ou alimentos para distribuição à população vulnerável.
"A sociedade gaúcha está de parabéns, pois se fosse unida sempre, como é agora, o Rio Grande do Sul iria crescer muito, é bonito ver essa união", comenta Kieling, da Fetransul. As ações das empresas e entidades de classe também têm colocado os motoristas na sua mira, como, por exemplo, a distribuição de vacinas para caminhoneiros na BR-386, em Nova Santa Rita. A atividade realizada no fim de abril foi planejada e executada através de uma parceria entre a prefeitura, o Exército e a Fetransul.
Os relatos da estrada, no entanto, mostram que, apesar de relevantes, as ações ainda são esparsas. "Nunca fui parado para receber orientação, vacina ou qualquer atendimento, tudo o que sei e faço com relação à higienização pessoal e do caminhão vi ou ouvi na mídia", conta Róbson Pureza Júnior, 37 anos, que semanalmente realiza a rota do porto de Rio Grande até as regiões Noroeste ou Norte do Estado. A observação é ratificada por Schüler e Colvara.
Mais preocupante é que ações de orientação e apoio à saúde dos caminhoneiros correm o risco de serem atingidas em cheio pelo corte de 50% dos recursos destinados ao Sest/Senat, promovido pelo governo federal através da Medida Provisória nº 932, publicada no dia 31 de março e que afeta todo o Sistema S.
Como presidente da CNT, Vander Costa também responde pela coordenação do Conselho Nacional do Sest/Senat e não poupa críticas à medida, classificada como contraditória e perversa por reduzir a capacidade de ação da estrutura das entidades responsável por dar suporte de saúde e assistência social aos trabalhadores do transporte e a suas famílias. "Usaram a pandemia para tomar uma medida oportunista que desmonta algumas das instituições mais sólidas que contribuíram para o desenvolvimento do País nas últimas décadas", declara Costa.
Na prática, a redução de orçamento já se traduz no corte de 25% do pessoal nas 158 unidades do Sest/Senat espalhadas pelo Brasil - sendo 12 no Rio Grande do Sul - e no adiamento da construção de 30 novas unidades que estavam previstas para serem inauguradas no final do ano. De acordo com a direção da entidade, a redução de pessoal vai afetar diretamente cursos de qualificação profissional e, sobretudo, projetos e ações voltadas para os pontos de paradas dos caminhoneiros às margens das rodovias, ou seja, exatamente as atividades de segurança sanitária contra o novo coronavírus.

Quase dois dias depois, o retorno ao Sul gaúcho

Volume de contêineres caiu com o fechamento de portos asiáticos

Volume de contêineres caiu com o fechamento de portos asiáticos


/TECON/DIVULGAÇÃO/JC
Exatas 39 horas depois de sair do porto de Rio Grande, o "Verde" - como Faísca chama seu caminhão - está de volta ao Sul do Estado. Ainda é madrugada quando o Scania cruza os portões do Terminal de Contêineres (Tecon) para descarregar as 28,1 toneladas de espinhaço de porco avaliadas em R$ 136 mil que embarcarão durante o dia em um navio com destino a Hong Kong.
A rápida operação encerra a primeira viagem da semana, e gera um intervalo de três horas para um novo cochilo antes do terminal da transportadora abrir e começar um lento processo de movimentação e carregamento de um novo contêiner vazio e confirmação de um novo frete, carga, destino e valor.
Porém, o que deveria ser um processo dinâmico, capaz de fazer a economia girar rápido, tem se convertido em um desafio logístico cada dia mais difícil de resolver desde que a descoberta do primeiro caso de Covid-19 em Wuhan, na China, no final do ano passado, obrigou o fechamento de vários portos asiáticos e a retenção de navios cargueiros. Isso fez o volume de contêineres em circulação - especialmente os refrigerados - diminuir, enquanto o tempo de ida e vinda de um contêiner da Ásia - principal destino das exportações brasileiras -, que era de, aproximadamente, 40 dias, se tornar imprevisível. No porto gaúcho, a escassez tem seu primeiro reflexo na queda do preço do frete pago para unidades refrigeradas, que caiu de R$ 3,6 mil, em dezembro, para R$ 3,1 mil no final de março.
Em algumas regiões do planeta, a ausência desses equipamentos interrompeu completamente o comércio internacional, como no caso da África do Sul. Para minimizar o problema, no final de abril, a dinamarquesa Maersk - maior empresa de logística de contêineres do mundo - montou uma grande operação para levar 1,8 mil unidades vazias do Oriente Médio até o porto de Durban para garantir o escoamento da safra de frutas cítricas.
Com isso, as transportadoras do setor de contêineres são obrigadas a administrar verdadeiros quebra-cabeças com caixas de metal de 4,5 toneladas, transportando-as de um terminal para outro para "fazer estoque", despachando algumas, segurando outras e tentando administrar, do melhor modo possível, a demanda dos clientes.
Por causa disso, as manhãs costumam ser lentas na Via Um, com muitas idas e vindas entre um terminal e outro, entre um escritório e outro. Contêineres, caminhões, papéis, agenciadores de cargas, operários, fiscais e caminhoneiros se movimentam daqui para lá e de lá para cá, com o objetivo final de recolocar as carretas nas rodovias. E, quando isso finalmente acontece, o relógio volta a correr contra quem está na direção.
 

Muitas incertezas no horizonte

Para Afrânio Kieling, transporte de cargas precisará se reinventar

Para Afrânio Kieling, transporte de cargas precisará se reinventar


/CLAITON DORNELLES/arquivo/JC
"Não há condições de saber como a economia vai andar porque depende de toda a questão da doença e seus impactos. É impossível saber como será o comportamento da população e do consumo na volta da economia, quando tudo acabar", diz o economista Martinho Lazzari, do Departamento de Economia e Estatística (DEE) da Secretaria Estadual de Planejamento e Gestão (Seplag).
Um dos responsáveis por analisar e organizar os números que dão forma ao PIB gaúcho, Lazzari aponta que o maior impacto, por enquanto, será sentido no segundo trimestre, especialmente nas contas públicas, que devem sofrer com a violenta queda na arrecadação. "O Rio Grande do Sul já vem de uma situação fiscal muito ruim, com uma sequência de déficits, e, agora, há uma queda de arrecadação e a necessidade de novos e maiores investimentos na área da saúde", justifica. Apesar de declarar ser impossível estimar ou prever o que virá, Lazzari faz uma observação que soa como um aviso: "Vai ser bem difícil".
A míngua dos cofres do Estado representa a incapacidade de qualquer tipo de investimento, que não seja essencial, por parte do setor público. A partir daí, recai sobre a iniciativa privada a responsabilidade de fazer a economia andar. Como boa parte de atividades econômicas importantes, como comércio e serviços, só começou a reabrir após a adoção do modelo de distanciamento baseado em bandeiras, implementado há duas semanas pelo governo gaúcho, recai sobre aqueles que já estavam trabalhando e não irão parar, como transportes e indústria alimentícia, a esperança de reaquecer a economia.
As medidas, por sinal, foram bem recebidas, tanto pelos dirigentes como pelos trabalhadores do transporte. "O governador está buscando enfrentar a situação. Não gostaria de estar na cadeira dele. Ele está ouvindo a sociedade e se dando conta de que é preciso fazer alguma coisa para garantir a atividade econômica", comenta Afrânio Kieling, da Fetransul.
A retomada do comércio e de outras atividades, obedecendo a protocolos específicos de segurança sanitária, tem sido defendida desde o início de abril. "É preciso pensar no todo. Quando a gente ou outros setores privados trabalham, é dinheiro que entra para os cofres públicos, é dinheiro que vai para os aposentados e para a saúde. Se a gente não trabalhar, vai levar um ano para colocar as contas em dia, porque os custos são muito altos, por isso a gente precisa seguir na estrada", argumenta Max Reboredo, 42 anos, que desde os 18 dirige caminhões Brasil afora.
O aumento progressivo do número de doentes e mortos no Brasil pela Covid-19, nas últimas semanas, lança muitas incertezas sobre o futuro das comunidades e dos setores econômicos. "Toda a última milha do transporte de qualquer produto ou mercadoria no Brasil é feito em caminhão, não podemos parar, mas o futuro é incerto - como muitos outros setores, será preciso se reinventar em muitos aspectos", comenta o presidente Kieling. Vander Costa, da CNT, acredita que "haverá uma depuração no mercado".

Pauta de reivindicações é enviada para Brasília

Ainda em abril, diante dos números negativos, os dirigentes de sindicatos, federações e confederações deram início a uma difícil agenda de negociações com os setores governamentais em busca de incentivos fiscais e financiamentos. A pauta dos gaúchos inclui redução do ICMS sobre o diesel, prorrogação ou parcelamento do ICMS das empresas, postergação e novo parcelamento do IPVA. Em Brasília, a negociação com o governo federal buscou, além da redução do preço do combustível, alguma forma de socorro para as empresas.
"Após muitos debates, o governador disse não poder perder arrecadação neste momento e não aceitou abrir mão do IPVA", revela Afrânio Kieling, da Fetransul. "Mas continuamos batendo nessa tecla", admite. Dentro desse contexto, a não realização de barreiras de fiscalização é vista como um "prêmio de consolação" pela categoria. Estimativas não oficiais indicam que 30% dos motoristas, atualmente, roda com os papéis atrasados.
Em Brasília, a direção da CNT comemora a abertura do crédito para financiamento de capital de giro do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) com taxa fixa. Com prazo de pagamento variável entre três e cinco anos, a linha tem custo de 9,5% ao ano mais spread do agente financeiro. Dirigido para pequenas e médias empresas com faturamento anual de até R$ 300 milhões, a linha de crédito é apontada por dirigentes sindicais como uma boia de salvação capaz de evitar o fechamento de muitas empresas. "Quem não tiver capital de giro vai quebrar, pois a situação é crítica e não há como vender ativos, pois, se ninguém está comprando nada, quem vai comprar caminhão neste momento?", analisa Vander Costa, da CNT.
O próximo passo, conforme o presidente da entidade, é garantir a adoção da taxa fixa também para a linha de Financiamento da Produção e Aquisição de Máquinas e Equipamentos (Finame), o que já foi negociado e pode ser anunciado em breve.
Além disso, Costa revela que as negociações com o governo continuam na tentativa de obter mais ajuda para o setor. "Estamos otimistas, há uma sinalização positiva da equipe econômica e, agora que foi aprovado o plano de ajuda para estados e municípios, esperamos que seja a vez do privado", comenta.
 

Na contramão das estatísticas

O setor de transporte rodoviário de cargas é formado por milhares de trabalhadores que atuam em diversas frentes essenciais para a manutenção dessa complexa atividade econômica. É um sujeito que está na ponta da cadeia, no comando de gigantes de oito toneladas carregados com mais de 30 mil quilos de mercadorias, e acaba atraindo as atenções. A ideia incorreta sobre a simplicidade do trabalho, aliada à costumeira visão de Scanias, Volvos, Mercedes, Fords e outros gigantes rodando pelas cidades ou rodovias, impede muita gente de perceber que, a cada dia, em todo o Brasil, 2,5 milhões de homens e mulheres, conforme dados da CNT, engatam a primeira marcha para rodar por estradas, muitas vezes, sem condições.
Além dos perigos naturais da profissão, agora, são obrigados a enfrentar, também, um inimigo invisível e mortal. O objetivo é claro: garantir não apenas a sobrevivência de suas famílias, os caixas das empresas ou a arrecadação pública, mas também permitir que respiradores cheguem aos hospitais, máscaras e álcool em gel estejam nas prateleiras de farmácias e supermercados, ou que não falte comida para crianças daqui ou do outro lado do planeta.
Mais do que nunca, esses trabalhadores são motivados por uma frase: "Bota para rodar".

*Álvaro Guimarães é natural de Rio Grande e jornalista formado pela Universidade Católica de Pelotas. Atualmente, trabalha como assessor de comunicação e repórter freelancer.