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consumo

- Publicada em 04 de Agosto de 2019 às 19:39

Varejo foca para atender bem o público LGBT

Varejo de bens e serviços treina equipes para saber lidar com a diversidade

Varejo de bens e serviços treina equipes para saber lidar com a diversidade


FREEPIK.COM/DIVULGAÇÃO/JC
Empresas de bens e serviços têm investido em capacitação e feito mudanças em suas operações para melhorar o atendimento ao público LGBT e garantir que seus funcionários dediquem o mesmo tratamento a todos os clientes.
Empresas de bens e serviços têm investido em capacitação e feito mudanças em suas operações para melhorar o atendimento ao público LGBT e garantir que seus funcionários dediquem o mesmo tratamento a todos os clientes.
Valorizar e saber atender diferentes consumidores é cada vez mais parte da estratégia das companhias do setor.
"As empresas enxergam que a diversidade é importante para a sociedade e que gera um lucro maior para o negócio", afirma Alex Bernardes, que é diretor do Fórum de Turismo LGBT do Brasil.
Segundo Bernardes, grandes empresas, como as aéreas Gol e American Airlines, são exemplos por realizarem treinamentos constantes com as equipes, para que o público LGBT seja bem atendido.
Pequenos negócios podem seguir os passos dessas companhias maiores. Mas a qualidade do serviço tem mais chance de melhorar quando a iniciativa de oferecer o mesmo tratamento para todo tipo de pessoa parte do proprietário, opina Luiz Felipe Granata, 33 anos, dono da hamburgueria Castro Burger.
Quando abriu o estabelecimento com dois sócios, em 2016, na Zona Sul de São Paulo, Granata não pensou que montaria um ambiente "hetero-friendly" - amigável também ao público hétero, e não apenas ao público gay -, como hoje o lugar é definido por clientes em redes sociais.
Acabou que a hamburgueria foi definida assim por abrigar a todos de forma harmoniosa. "Meu objetivo era investir em um lugar democrático, tanto pela comida que serve quanto por aceitar as pessoas da melhor forma possível", afirma Granata.
A primeira iniciativa dos sócios, na abertura da casa, foi recorrer a uma empresa de marketing e treinamento especializada em diversidade. Em pouco tempo, perceberam que a melhor forma de capacitar a equipe era pela troca de experiência entre os funcionários, de perfis diversos.
"Conversamos sobre como gostaríamos de ser tratados nos lugares que frequentamos, e as sugestões e práticas surgiram disso", conta o empresário.
Pequenas mudanças fazem a diferença. Hoje, as bebidas de teor alcoólico mais elevado e a conta são entregues sempre para quem as pede, e não para os homens da mesa, exemplifica ele.
A decoração também faz diferença para deixar claro que todos são bem-vindos na casa: há exposições rotativas com imagens de ícones da comunidade LGBT, como Elton John e a atriz trans Laverne Cox, ou de artistas heterossexuais que sejam próximos desse público, como Madonna e Cher.
Os eventos também prezam pela diversidade: organizam exibições tanto do reality show RuPaul's Drag Race quanto de séries como Stranger Things. Já fizeram saraus literários, noites do vinil e também shows de drags ou de comédia stand-up de um grupo LGBT.
No setor de turismo, bastante sensível à questão da diversidade, a demanda por treinamentos na área tem crescido nos últimos anos, diz Clóvis Casemiro, profissional que trouxe a Associação Internacional de Turismo LGBT (IGLTA, na sigla em inglês) para o País em 1998.
"Há uma abertura maior tanto das empresas quanto dos profissionais que estão sendo treinados, do piloto de avião à camareira de hotel", afirma ele.
Empresas que já investem na qualidade do serviço devem ter em mente que, dada a rotatividade dos funcionários, oferecer cursos e orientações a quem trabalha com atendimento é uma necessidade constante.
É o que faz a rede de hotéis Accor. A empresa começou instruindo sua equipe para atender um público com deficiência, como pessoas com baixa visão.
Em 2017, passou a investir em um material específico para ensinar todos a receber os clientes gays nos 400 hotéis da marca.
"Incluímos as implicações jurídicas decorrentes de um atendimento discriminatório, explicações sobre diferenças de terminologias e formas de gênero e os cuidados com os detalhes do atendimento que esses clientes merecem", diz Antonietta Valerse, vice-presidente de comunicação e responsabilidade social corporativa da Accor América do Sul.
Entre as orientações da rede, há algumas específicas para o setor - como receber casais homossexuais com roupões de cores e tamanhos iguais nos quartos - e outras adaptáveis a qualquer tipo de negócio, como perguntar a um cliente trans como ele prefere ser chamado.
"Não são privilégios, mas respeito e tratamento igualitário", diz Valerse.
Para o empresário Reinaldo Bulgarelli, da consultoria Txai, criada em 2001 com o intuito de adaptar negócios para, além de atender, contratar o público gay, a essência do treinamento é igual para empresas de todos os tamanhos.
"Todos deveriam se preocupar em seguir as mesmas regras, nem que seja pelas preocupações legais que isso pode acarretar ao negócio", afirma Bulgarelli.
Para além do básico, as necessidades de cada companhia no que diz respeito ao atendimento variam de acordo com seu tipo de negócio.
Quem conta com muitos prestadores de serviços terceirizados, por exemplo, deverá reforçar seus valores com mais frequência.

Antes de usar discurso da moda, é preciso praticar a inclusão

Manifestar publicamente o apoio à causa LGBT pode trazer benefícios mesmo para empresas de setores que inicialmente nada tenham a ver com essa comunidade. O primeiro deles é a ampliação do mercado, porque grupos que não se sentem representados pela maioria das marcas tendem a se tornar fiéis às empresas que são pró-diversidade.
Pesquisa realizada no último trimestre do ano passado pela consultoria Accenture, com mais de 18 mil profissionais em 27 países, incluindo o Brasil, mostra que há outras vantagens, mais estratégicas, de investir na inclusão. Corporações que têm o valor como pilar e adotam o recrutamento mais diverso são 11 vezes mais inovadoras e têm funcionários seis vezes mais criativos que as suas concorrentes, apontou o estudo.
Para colher os frutos, porém, as companhias devem fazer um trabalho de base. É preciso ser autêntico no apoio à causa e não abraçá-la apenas por marketing. Antes que a empresa se coloque publicamente a favor de causas sociais - não apenas relacionadas ao universo LGBT - é preciso que ela tenha cuidado para ter legitimidade. Essa conquista dependerá do trabalho interno com os valores da igualdade e da diversidade, diz Ronaldo Ferreira, sócio-fundador da consultoria de imagem com foco em inclusão Um.a #DiversidadeCriativa.
Para iniciar um trabalho sério nesse sentido, é recomendável que a empresa mensure a composição de seu corpo de funcionários, afirma Thalita Gelenske, fundadora da Blend Edu, consultoria empresarial com foco em promoção da diversidade nas companhias. "Qual é a porcentagem de negros na equipe? E de mulheres? Quantos estão em posição de liderança? Quantas pessoas se sentem confortáveis para se declararem gays? Só quando a empresa acompanha isso ela avança."
Também é importante que a empresa crie uma política de tolerância zero a qualquer tipo de preconceito. Para que essas iniciativas sejam colocadas em prática com sucesso também é preciso ter apoio das lideranças da companhia. Foi o que aconteceu no escritório de advocacia Mattos Filho. Desde 2016, Luiz Felipe Ferraz, um dos sócios do negócio, está à frente do grupo #MFriendly, que promove discussões sobre o tema LGBT no universo corporativo e na sociedade. O #MFriendly tem um comitê de 12 pessoas, responsável por organizar as ações, e outras 200 participam das atividades com frequência.
Trabalhar a diversidade internamente com sucesso facilita a comunicação dos valores ao público. "É o primeiro passo para uma comunicação genuína, que não pareça oportunista", diz Carolina Soutello, gerente global da Natura, que considera fundamental ter cuidado com as escolhas, a começar pela linguagem, além de estar preparado para uma repercussão negativa por parte dos clientes. A Natura já teve reações desfavoráveis. A reação recomendada por especialistas é buscar diálogo com quem não gostou da publicidade, mas manter-se firme no posicionamento.
 

'Montação' de drags movimenta o mercado de moda

Customização de itens ganha cada vez mais espaço e estimula negócios milionários em vestuário e maquiagem

Customização de itens ganha cada vez mais espaço e estimula negócios milionários em vestuário e maquiagem


/MIGUEL SCHINCARIOL/AFP/JC
A "montação" movimenta a moda customizada. O verbete é definido no "Aurélia", dicionário com expressões do universo LGBT, como o ato de se vestir de mulher, em geral, de forma exagerada.
A montação exige um processo de glamourização da imagem. Não basta colar paetês ou aumentar os tamanhos dos saltos altos. É preciso ouvir, sanar e respeitar as necessidades de quem "bate o cabelo" - faz performance profissional - ou só quer mudar o visual para uma noite de festa.
Assim o gaúcho Fábio Dreher, 41 anos, conseguiu que mais de metade dos 700 pares de sapatos vendidos por sua loja Domínio da Moda fossem endereçados à clientela drag. Parcerias com influenciadoras digitais do meio, como Rebecca Foxx e Gloria Groove, permitiram à marca conhecer de perto o universo da montação e, assim, faturar com ele.
Mas um salto quebrado, ele diz, pode minar o negócio que tem faturamento anual de R$ 1,3 milhão e funciona no polo calçadista de Igrejinha, a 66 quilômetros de Porto Alegre.
"Prego reforçado, palmilha acolchoada e tiras mais resistentes diferenciam o produto. Imagine um rasgo no meio do show? É um desastre para ela e para nós", diz Dreher, que, desde 2014, se especializou em numerações grandes.
Quando, há três anos, começou a investir mais em personalização, o negócio passou a crescer 30% ao ano, diz. "O segredo é ser sincero e respeitoso. O pós-venda, a pontualidade e o interesse em aprender é primordial nesse nicho." A marca prepara sua primeira campanha virtual com uma modelo montada, ação que, ele sabe, pode enfrentar críticas da parcela de clientes fora do espectro LGBT. "Também haverá uma modelo comum, mas precisamos levar a diversidade ao pé da letra."
Fernando Pires, 65, foi precursor nesse mercado. Nos anos 1990, seus sapatos com brilho e meias-patas extravagantes agradavam as pioneiras da noite paulistana, como Salete Campari e Nanny People.
Ele diz que, mesmo quando Madonna calçou um de seus saltos em uma passagem que fez pelo País, em 1993, as madames viravam a cara para suas criações. "As drags foram importantes para mostrar que o exagero pode ser glamouroso." Hoje, Pires calça sob medida cantoras, atrizes e, claro, drags, com saltos enormes. Um par custa em média R$ 800,00. Essa personalização vale ouro no mercado.
O estilista Renato Mit, 26, que passa o tempo desenhando e cortando panos forrados de paetês, sabe disso. Ele diz que as drags não compram roupas femininas, porque são feitas para biótipos curvilíneos. "Uma calça de cintura alta comum fica baixa no tronco masculino, mais alongado. Também não há tanta diferença entre a cintura e os ombros, por isso há recortes específicos para dar a ilusão da cintura", diz Mit.
 

Bares e restaurantes colocam pessoas trans na linha de frente

Quando Fernando Aquino, 25, foi fazer a entrevista de emprego para garçom no Blue Note, filial de um famoso clube de jazz norte-americano que fica no Conjunto Nacional, em São Paulo, ele ainda tinha traços femininos. Depois de contratado, Aquino, que passava pelo processo de transição, foi questionado por um colega ao usar o vestiário masculino.
"Também fui chamado de 'ela' algumas vezes. Como isso aconteceu no começo, fiz uma apresentação para a equipe, dizendo como gostaria de ser chamado. Foi bem tranquilo", explica ele. "Homens trans são muito invisibilizados. Quando a pessoa me olha, é mais fácil me identificar como uma lésbica", diz ele, lembrando que, na época em que foi contratado, não havia iniciado o tratamento hormonal.
Aquino faz parte de um grupo pequeno, mas em expansão, de pessoas trans empregadas em restaurantes, bares e cafés - muitos, fora da cozinha. "Ainda é reduzido o número de trans lidando com o público. A sociedade está assimilando esse profissional", diz Keila Simpson, 54, presidente da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais).
Não à toa, para Márcia Rocha, do Transempregos, um dos setores que mais contrata trans é o de telemarketing, porque não há contato visual com cliente. "Ainda é preciso lidar com uma imagem de hiperssexualidade da pessoa trans", afirma ela, que está à frente do projeto de empregabilidade para transgêneros. Eleita Miss Brasil Transex 2018, Gabriella Bueno, 33, é hostess no Bar dos Arcos, concorrido endereço no subterrâneo do Theatro Municipal.
Muitos estabelecimentos ainda não estão prontos para receber pessoas trans e, por isso, passam por uma capacitação com foco em diversidade e inclusão -que pode até ser feita por uma consultoria.
Além de ser responsável pela curadoria musical do grupo Vegas, Junior Carvalho, 28, também responde pela frente de empregabilidade da Casa 1, centro de cultura e de acolhida LGBT. Segundo Carvalho, a formação que o centro faz com empresas parceiras reforça a importância de questões como respeito ao nome social no crachá e na carteira do convênio médico.