No século XIX, o inglês Charles Frederick Worth deu início à transformação do que era entendido como "moda" ao redor do mundo. Embora o conceito tivesse acompanhado a evolução humana, foi com o Worth e seus desfiles em Paris que se estabeleceu a alta costura. Somado a isso, a criação da máquina de costura, em 1830, e a consequente mudança no imaginário popular sobre as vestes formaram um sistema complexo e socialmente importante: a moda. Entre teoria e prática, o curso "Corte, costura e modelagem sustentável" busca ensinar a jovens e adultos, de 14 a 24 anos, sobre os princípios da moda e a logística de trabalho.
A iniciativa da Fundação O Pão dos Pobres, em Porto Alegre, atende duas turmas com aulas semanais, totalizando 18 alunos. Iniciada em 19 de março deste ano, o projeto foi um dos vencedores do edital "Ideias para um mundo melhor", feito pela Coca-Cola Femsa há quatro anos.
Da costura à mão até as máquinas de costura, o curso ultrapassa as técnicas de produção e o ensinamento sobre as teorias da moda e apresenta um olhar voltado para a sustentabilidade. Carolina
Wudich, professora do projeto, explica que a produção em sala de aula é voltada para a transformação dos produtos: "Todas as peças que estamos fazendo aqui tem essa ideia de customizar e trazer um novo olhar sobre ela, aproveitando ao máximo o tecido". Grande parte dos tecidos utilizados nas aulas vem de doações de fábricas que fecharam ou que não os utilizam mais. Nessa ideia, as alunas também trabalham em parceria com o brechó mensal da fundação, customizando e reparando as peças expostas nele.
A ideia dos brechós sintetiza parte do projeto, trazendo a ideia de reutilização e de sustentabilidade nas roupas vendidas. Além das linhas e agulhas dentro da sala de aula, os alunos aprendem competências gerais para o mercado de trabalho, como o desenvolvimento da criatividade e o entendimento da logística da produção. Os brechós fora dos limites da Fundação O Pão dos Pobres também representam um ponto importante para o desenvolvimento dos estudantes.
A aluna Chayenne Nunes, criadora do brechó Luna Serena, conta que buscou o curso pela ligação com o tema da moda sustentável: "Eu queria fazer além do garimpo em brechó. Tinha o sonho de criar através do que já se tem, e o curso traz essa ideia de transformar e reutilizar o tecido". Desmistificando o preconceito em cima da reutilização de tecidos, a moda sustentável vai transformando a forma como se pensa a costura, evidenciado em movimentos como o Fashion Revolution - que traz à luz a importância da sustentabilidade no segmento.
Além da atuação dos estudantes no mercado de brechós, alguns alunos já estão produzindo suas próprias peças para vender. Esse é o caso de Nathalia Pascoal, que começou a costurar por influência da tia quando criança e hoje produz casacos e bolsas graças ao aprendizado na fundação. Outra aluna que desenvolveu o interesse pela costura na infância é Júlia da Cunha. A estudante, influenciada pela avó, busca unir os ensinamentos da moda com a sua paixão por cosplay, no qual ela une o trabalho artesanal com a arte ilustrada nas vestes.
Além da importância do tema no contexto financeiro dos alunos, a qualificação também causa impacto direto na vida social deles: "O curso está mudando a minha vida, porque faço tratamento para depressão, e isso aqui é uma terapia junto com o tratamento", conta Júlia. Esse pensamento é reforçado pela coordenação da fundação, que busca unir o bem-estar dos estudantes com as técnicas ensinadas em sala de aula. Para Simone Quadros, coordenadora do Centro de Educação, aponta que, além da empregabilidade, o curso representa um forte papel social na vida dos alunos, "além de ensinar, ele cura", como explica Simone.
O projeto tem duração de seis meses na modalidade de qualificação, e, em agosto, o curso profissionalizante tem início, com 15 alunos em cada turma. Ambas iniciativas vieram do aporte financeiro conquistado no edital "Ideias para um mundo melhor". "O programa tem o objetivo de apoiar no desenvolvimento do trabalho realizado pelas organizações, buscando gerar valor social", explica a gerente de sustentabilidade da Coca-Cola Femsa, Wanessa Scabora.
Com 157 projetos inscritos no Brasil - 31 somente em Porto Alegre -, o programa investe R$ 50 mil em cada uma das sete regiões onde a empresa está alocada. Além do aporte financeiro, a iniciativa criou um projeto de capacitação para outras ONGs, o qual Wanessa considera como "independente, mas complementar" para o funcionamento das organizações que buscam conquistar os editais propostos pela empresa.