O mercado de produtos orgânicos tem crescido 30% em média anual no Brasil, enquanto a produção avança em índice bem menor, na casa de 10%, segundo estudo realizado em 2017 pelo então Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Essa diferença tende a diminuir nos próximos anos por meio do incremento na produção a partir do ingresso de grandes empresas que já atuam no agronegócio e de novos investidores, que devem redirecionar recursos aplicados em outras atividades, como a de imóveis, para a agroecologia.
A análise é do técnico agrícola Leandro Venturin, que atua junto ao Centro Ecológico, do qual foi coordenador, e com presença em 47 municípios da Serra do Nordeste, dos Campos de Cima da Serra e do Litoral Norte. A organização não governamental, criada em 1985, tem unidades em Ipê, onde foi fundada, e em Torres.
O mercado mundial de alimentos orgânicos movimentou em torno de € 75 bilhões, segundo dados de 2015 do Research Institute of Organic Agriculture (Instituto de Pesquisa da Agricultura Orgânica), tendo os Estados Unidos como líder de mercado, com praticamente 40% do total. O Brasil apareceu na 28ª posição, com € 780 milhões, mas com expectativa de € 900 milhões no ano passado. O País tem 11,3 mil propriedades orgânicas certificadas, sendo 3.611 no Rio Grande do Sul e 397 na região de abrangência do Centro Ecológico.
"A cadeia que mais deu certo é a do suco de uva, com crescimento exponencial, porque quem absorve a matéria-prima são as cooperativas e as indústrias. Tem produção, logística de venda e mercado. Por isso, está avançando"
JC Empresas & Negócios - Que trabalho o Centro Ecológico desenvolve no momento?
Leandro Venturin - A instituição surgiu a partir da associação de técnicos e produtores para transmitir informações sobre agricultura orgânica. Foi se ajustando, acompanhando o avanço da discussão, e passamos a trabalhar a agroecologia, não tratando apenas do uso de produtos químicos e sintéticos, mas de toda a técnica de apropriação dos agricultores, como elaboração de insumos, acesso ao mercado e de apoio à certificação. Nos últimos, damos suporte aos municípios e estados para implantação da produção orgânica. Até pouco tempo, os recursos vinham de cooperação internacional. Com o avanço, começou o incentivo público. Agora, a cooperação internacional vem deixando de existir, ficando o suporte com o setor público, em especial, as prefeituras dos municípios da nossa região de abrangência.
Empresas & Negócios - É pensamento da instituição incrementar a atuação atual?
Venturin - A situação atual não permite a expansão, porque não se tem perspectivas claras de investimento nessa área. Esse suporte à produção depende de programas públicos e é focado na agricultura familiar. Com a fusão de ministérios, não se sabe qual será o rumo. Os municípios, de forma geral, estão quebrados financeiramente, por isso, não é prioridade deles investir em agricultura. Mas existe demanda para ampliar o trabalho.
Empresas & Negócios - Que fatores contribuem para o aumento de procura dos produtos orgânicos?
Venturin - Os mais mobilizadores são o próprio consumidor demandando, e isso vem crescendo de forma significativa. Outra questão são as políticas públicas direcionadas à conversão, com legislação clara e participação da sociedade civil. Em escala menor, o agricultor começa a se conscientizar, até porque ninguém gosta de trabalhar com venenos. É o viés ambiental e de saúde.
Empresas & Negócios - O que prejudica o maior envolvimento do produtor?
Venturin - Tem a questão cultural, porque a geração atual nasceu usando agrotóxicos, e essa dependência impacta. É uma mudança complexa. Outro ponto é onde buscar referências sobre o mercado. No segmento, não tem logística estruturada, como ocorre na agricultura convencional. Por vezes, temos volumes de produção maiores do que o mercado absorve, mas menores que os necessários para buscar outros espaços. A maioria das culturas não pode ser vendida fora do Estado, é um gargalo de logística que precisa se estruturar. A cadeia que mais deu certo é a do suco de uva, com crescimento exponencial, porque quem absorve a matéria-prima são as cooperativas e as indústrias. Tem produção, logística de venda e mercado. Por isso, está avançando.
Empresas & Negócios - Como se distribui o mercado de orgânicos?
Venturin - Até cinco anos, 90% das vendas no Rio Grande do Sul ocorriam em feiras. Na sequência, surgiram as pequenas fruteiras, depois, seguiu para os supermercados e, agora, tem o e-commerce em construção. Isso se repete em praticamente todos os estados. As feiras seguem como principal ponto de venda, porque têm clientes cativos, não é só um espaço de negócios, é cultural, é de lazer. Os demais meios vêm crescendo atendendo a novos grupos de consumo, que estão se criando.
Empresas & Negócios - A agricultura orgânica é rentável tanto quanto a convencional?
Venturin - De forma geral, é bem rentável, é raro ver agricultor desistir por questão financeira. O que preocupa é a segurança, tal como ocorre com a tradicional. Nesta, a insegurança se dá pela oscilação de oferta e procura; na agroecologia, pelos caminhos para atingir o mercado. Tem gargalos para resolver, alguns técnicos, mas o principal é a estrutura de mercado, o grande desafio.
Empresas & Negócios - Diante desse cenário, de onde virá o incremento na produção para atender à demanda?
Venturin - O agronegócio ou a agricultura de escala, mais empresarial, está entrando no segmento. É bom, porque amplia os canais de mercado, mas dificulta que os agricultores menores tenham acesso a esses mesmos pontos. Teremos grandes produtores orgânicos que acessarão determinados mercados. Estimo que, em uma década, vamos duplicar a atual produção. Os pequenos terão de se organizar em cooperativas para disputar com esses grandes. Se optarem por seguir sozinhos ficarão limitados aos canais locais. Mas também não é ruim, porque a cadeia é curta, tem baixa pegada de carbono e proximidade com o cliente, características próprias da agricultura familiar. Os grandes assumirão, inclusive, a exportação. Além das grandes empresas já tradicionais no agronegócio, também teremos investidor novo. É um pouco resultado da crise. Na Serra, se investia em imóveis, agora não é tanto. A procura é por outras áreas rentáveis, e a produção orgânica tem potencial de crescimento. Já temos, por aqui, aportes em produção de grãos em escala, em áreas de 200 hectares; em carnes, principalmente ovina e de frango, além da produção de ovos.
Empresas & Negócios - E a questão da certificação? Como ela se insere neste contexto?
Venturin - Ela se tornará mandatória no futuro, especialmente para aqueles que atuarão em mercados mais organizados. Para atuar nas feiras, de forma geral, a tendência é que os produtores não invistam em certificação, que tem custo elevado. Nesse canal, mais do que o documento, vale a relação de confiança com o consumidor. Isso é ainda muito forte no Rio Grande do Sul e nos estados do Nordeste. Nos grandes centros, a realidade é outra. A certificação é necessária para fornecer para mercados, por exemplo. No passado, tinha-se 10% de produtos certificados, hoje, são 40%. Creio que a tendência é o pequeno agricultor participar de cooperativas e associações para ampliar seu mercado. Outro mercado interessante é o institucional, com abastecimento a hospitais, presídios, escolas e guarnições militares, entre outros. Isso quase que obriga a ser cooperado ou ficar fora desse mercado. Se decidir seguir sozinho, terá de limitar sua atuação aos mercados que não exigem esse perfil de cadeia.