Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Empresas & Negócios

- Publicada em 03 de Setembro de 2018 às 01:00

Força do cabelo e do discurso é a base do projeto Meninas Crespas

Iniciativa, realizada na Casa Emancipa, mistura dança, protesto e afirmação da cultura negra

Iniciativa, realizada na Casa Emancipa, mistura dança, protesto e afirmação da cultura negra


/fotos LUIZA PRADO/JC
Pedro Carrizo
As alunas mantêm olhos e ouvidos atentos. "A cada 23 minutos, um jovem negro morre no Brasil", diz a professora Perla Santos, enquanto o grupo elenca nomes de meninos e meninas negras mortos violentamente. "Não só por isso, mas por diversas outras imposições, soltar nossos cabelos crespos é um ato de libertação", completa Perla. Mesmo com pouca idade - entre seis e 15 anos -, e por mais denso que seja, as alunas presentes compreendem com clareza, repúdio e indagações tudo o que a professora fala.
As alunas mantêm olhos e ouvidos atentos. "A cada 23 minutos, um jovem negro morre no Brasil", diz a professora Perla Santos, enquanto o grupo elenca nomes de meninos e meninas negras mortos violentamente. "Não só por isso, mas por diversas outras imposições, soltar nossos cabelos crespos é um ato de libertação", completa Perla. Mesmo com pouca idade - entre seis e 15 anos -, e por mais denso que seja, as alunas presentes compreendem com clareza, repúdio e indagações tudo o que a professora fala.
A discussão faz parte da performance Vitiligo Reverso, que aborda o racismo expondo antigas técnicas de alisamento capilar, extremamente dolorosas para quem faz (no melhor estilo dedo na ferida). O ato, que mistura dança, protesto e afirmação de cultura negra, foi criado por Perla, que também é fundadora do Meninas Crespas, sediado no bairro Restinga, na Zona Sul de Porto Alegre.
No dia 31 de agosto, os 25 integrantes do projeto, meninos e meninas que expõem a africanidade em seus cabelos (com espaço para adolescentes que não são negros), apresentaram a nova performance para uma grande plateia, no painel Resistências Pautadas em Práticas Afro Centradas, no auditório da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da Ufrgs.
Por mais nervosismo que possa causar a estreia de uma nova dança, essa não foi a primeira vez que o grupo subiu ao palco. Fundado em 2015, o Meninas Crespas também realiza apresentações da dança Maculelê que, além de manifestação corporal, faz um resgate da cultura indígena e afro-brasileira que vai muito além do conteúdo ensinado em sala de aula.
"Maculelê era um guerreiro ou uma guerreira negra que salvou toda sua tribo com dois pedaços de pau de madeira (as grimas). Ele (ou ela) protegeu sua aldeia da invasão, salvou os idosos e as mulheres. Foi um ato heroico. É o que a gente precisa, ainda mais contra o racismo", conta a pequena Isabela Ribeiro, uma das alunas do Meninas Crespas, que já sabe a história de cor.
Dispostos em roda, Perla pergunta, dando continuidade à metodologia do projeto: "Por que nós usamos turbante?". Em coro, as meninas em sala respondem assertivas: "Porque ele é nossa coroa!". A fala da professora prossegue, preenchendo as alunas com histórias sobre os príncipes e princesas que reinavam no continente africano..
A abordagem foge do bê-á-bá simplista que contextualiza sociedade escravocrata, dividindo a trama entre senhores de engenho e negros explorados. Pelo contrário, o que é ensinado no projeto Meninas Crespas direciona o conteúdo para a valorização da cultura negra, para a geração de autoestima e para a dissociação de uma história na qual o negro foi meramente escravo.
"Nosso cabelo está sempre apontando para o alto, por isso temos que estar sempre de cabeça erguida. Se não, nossa coroa ancestral cai", diz Perla ao público mirim atento aos dizeres. A professora acrescenta que o significado das pinturas com tinta branca, utilizada em manifestações e no momento da aula, foi esquecido por causa das perseguições ao povo negro, que resultou na perda irreparável da cultura africana. No encontro, estavam presentes seis meninas do grupo, que é formado por 25 integrantes.
O Meninas Crespas nasceu de uma situação delicada para depois florescer como instrumento de autoafirmação. Um novo caso de bullying a uma menina negra na Restinga, as mesmas ofensas que Perla sofreu quando era menor por causa do cabelo crespo, serviu de estopim para a causa. Foi a partir disso que a professora decidiu promover discussões sobre o tema com os alunos da Escola Senador Alberto Pasqualini, fazendo um desfile dos estudantes para a valorização da beleza negra, sem prêmios e vencedores. Acontecia a primeira ação do Meninas Crespas.
A escola serviu como espaço dos encontros até este ano, mas, devido à falta de recursos municipais, o projeto teve que sair da instituição. Atualmente, as reuniões acontecem na Casa Emancipa Restinga, todos os sábados, e não têm convênios ou rendas fixas para sustentar as atividades.
"Minha filha não tem problema com a negritude dela, ama o cabelo que tem e todas as características que a fazem negra. Já eu tive que alisar o cabelo para me sentir aceita. Elas sabem o quanto são lindas, durante muito tempo eu não me vi assim", diz Denise de Fátima, mãe da Melissa, uma das integrantes do Menina Crespas.
Enquanto a mãe fala sobre como a nova geração tem evoluído nas discussões contra o racismo, Melissa, de 12 anos, se prepara para a apresentação: arruma o turbante na cabeça, testa as grimas, pinta e ajuda as amigas a pintarem seus rostos. Todos ficam prontos para a performance. Melissa se posiciona na roda, cheia de si, com o sorriso e os crespos à vista - como ela, todas na roda parecem se valorizar. A apresentação começa ao ritmo de grimas batendo, aos cantos do Maculelê, que revisita a história e mira certeiro no futuro.
Conteúdo Publicitário
Leia também
Comentários CORRIGIR TEXTO