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mercado externo

- Publicada em 27 de Agosto de 2018 às 01:00

Investimento brasileiro com sotaque chinês

Vasto mercado consumidor do país asiático leva cada vez mais empresas a incluir a China em seus planos de expansão

Vasto mercado consumidor do país asiático leva cada vez mais empresas a incluir a China em seus planos de expansão


/THIAGO COPETTI/ESPECIAL/JC
São muitos os caminhos que podem levar uma empresa a desembarcar na China. Há diversos motivos para voltar o foco ao gigante asiático, assim, claro, como são diversos os desafios. Entre as principais razões para ingressar no mercado chinês está justamente a imensidão desse mercado: são 1,4 bilhão de consumidores potenciais, e com uma classe média e urbana em franca expansão.
São muitos os caminhos que podem levar uma empresa a desembarcar na China. Há diversos motivos para voltar o foco ao gigante asiático, assim, claro, como são diversos os desafios. Entre as principais razões para ingressar no mercado chinês está justamente a imensidão desse mercado: são 1,4 bilhão de consumidores potenciais, e com uma classe média e urbana em franca expansão.
Vale lembrar, ainda, que a renda de um chinês, hoje, não é mais "desprezível" como já foi há alguns anos. Em muitos casos, os salários já são maiores do que os brasileiros. Em Pequim, por exemplo, o mínimo pago é superior a 2 mil yuanes (mais do que R$ 1,3 mil e acima, portanto, do mínimo brasileiro, de R$ 954,00). O aumento médio dos salários tem inclusive levado empresas que iriam para a China estimuladas pelos baixos custos da mão de obra a migrar para outros países da Ásia. Ainda existe muita pobreza, sim, mas milhares são tirados dessa condição todos os anos, com ações constantes e consistentes do governo, em todas as esferas.
"Aqui, existe um mercado infinito na área de alimentos processados, por exemplo. Há um campo grande a ser explorado pelo Brasil. Cosméticos, joias e moda são áreas em que poderíamos ter presença maior", avalia o embaixador brasileiro em Pequim, Marcos Caramuru de Paiva, ex-sócio da Kemu Consultoria, especializada em Ásia.
Paiva vive há 11 anos no continente asiático e, tanto pelo setor privado como diplomático, é apontando como um dos maiores especialistas brasileiros em China. O diplomata alerta para as oportunidades e também para os desafios. O maior deles, diz, é exatamente o tamanho do mercado que se pode acessar. "Normalmente, os importadores querem produtos que possam entrar em grandes quantidades. Eles se desinteressam por importar um ou dois contêineres por mês", destaca Paiva.
Segundo o diplomata, muitas vezes, as empresas brasileiras querem exportar o seu excedente. Esse volume, porém, nunca vai ser o suficiente para abastecer adequadamente o mercado chinês como querem os compradores. Ou seja, para vender para a China é preciso investir em volumes. A segunda recomendação é o posicionamento no mercado, dominado por um consumidor que exige muita qualidade, sobretudo de bens de consumo.
"Eles valorizam a marca, o branding é essencial. Mas a vantagem é que estão dispostos a testar novos produtos e novas marcas, o que abre campo para as empresas brasileiras", ressalta Paiva
Outro ponto de atenção para a velocidade das mudanças são as características locais. Os chineses mudam rapidamente seus hábitos de consumo e também vão demandar algumas adaptações ao gosto do oriente. Uma das formas de chegar a esse consumidor e ter ajuda para entender o que querem é ingressar no país por meios das muitas plataformas de comércio eletrônico. Os chineses compram muito, e de tudo, por meio de sites.
"Converso bastante com plataformas de comercio eletrônico, como JD.com, e vejo que estão mapeando produtos brasileiros da área de cosméticos, saúde e beleza", alerta o diplomata. Outro segmento em alta é aquele voltado aos bebês, como leite em pó. E também há evolução no consumo chinês de mobiliário, destaca Paiva.
 

Entender o mercado asiático é fundamental

Machado diz que chineses desconhecem a qualidade dos produtos brasileiros

Machado diz que chineses desconhecem a qualidade dos produtos brasileiros


/ARQUIVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO/JC
Um busca por empresas brasileiras na China leva automaticamente a um número impressionantemente pequeno com representação física própria. A relação de empresas oficialmente listadas pela embaixada brasileira não chega a 30, por exemplo. O número pode ser maior, mas não muito, seguramente. O erro mais comum entre empresas brasileiras que miram o gigante asiático é enviar apenas uma pessoa para abrir o mercado chinês, alerta Thomaz Machado, CEO da ChinaInvest, consultoria gaúcha especializada em fazer negócios no país, onde mantém um escritório, em Shenzhen, e onde vive o executivo.
"Essa pessoa terá que ir ao banco, atender telefone, fazer pesquisas de mercado e criar sua rede de contatos, que na China é muito importante. Uma das coisas mais importantes na China é o 'Gunxì', se relacionar, conhecer gente. São as pessoas que vão te abrir as portas em qualquer tipo de negócio", ressalta Machado, com a experiência de quase duas décadas vivendo entre China e Brasil.
O executivo destaca, ainda, que o maior problema para uma empresa brasileira é o desconhecimento. E, para ter conhecimento, precisa investir em pesquisa, tanto para entender o mercado e adequar o seu produto ao consumidor quanto para compreender a forma como os chineses fazem negócios.
"Ou seja, o primeiro passo é ter um pé fincado no gigante asiático, e depois conhecer de perto o mercado, fazer contatos, promoção do produto, em um trabalho que pode levar tempo", explica Machado.
Entre os clientes da ChinaInvest que já estão colhendo resultados a partir dessas ações está o Apiário Adams, de Taquara. Depois de cerca de um ano de trabalho dedicado a desbravar o mercado chinês, a empresa fará seus primeiros grandes embarques. Outro exemplo é da Água Mineral Sarandi, que, além de água mineral, deverá exportar também sucos e refrigerantes para o mercado chinês.
Outro alerta do executivo é para não poupar recursos em promover os produtos. Há um total desconhecimento das empresas sobre o que é o Brasil além de commodities, soja, carne e café, diz Machado. "Os chineses não têm noção da qualidade dos nossos produtos. É muito diferente do trabalho de um exportador que irá colocar mercadorias europeias em uma gôndola, ou supermercado, ou nas prateleiras de uma rede de lojas", ressalta o CEO da ChinaInvest.

Chocolate gaúcho para chinês ver e saborear

Marques criou a Impressive Infinity, que trabalha com trading exclusiva

Marques criou a Impressive Infinity, que trabalha com trading exclusiva


/ARQUIVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO/JC
A tradicional fabricante de chocolates Lugano, de Gramando, fez sua primeira exportação para China em outubro de 2017, embarcando 8 toneladas do doce e cerca de 1 mil garrafas de cerveja Rasen, empresa parceira da fabricante. Em Shanghai, a Lugano chegou a abrir um showroom para dar a largada na sua divulgação, sob responsabilidade de Guilherme Marques, hoje vivendo na China. Para ter seu os pés fincados no país, criou uma empresa própria, a Impressive Infinity, que trabalha como uma trading company exclusiva para produtos e negócios.
"Já estamos negociando a abertura de lojas próprias Lugano aqui e também de operações de gastronomia, em conjunto com um parceiro local", comemora o responsável pela operação local da Lugano.
Os ganhos com a exportação ainda são pequenos, diz Marques, mas as perspectivas de aumento exponencial neste volume são grandes, avalia. As primeiras oito toneladas de chocolate foram basicamente destinadas para redes de supermercados e conveniências, em barras, pastilhas como "mentinha" e "laranjinha", caixas de presente e chocolate ralado. O produto também é vendido por e-commerce interno da China (como pelo gigante Taobao). Já a cervejas tiveram suas vendas ampliadas para 4 mil garrafas neste pouco tempo.
"Contando que estamos trabalhando com apenas uma rede de restaurante na China, é um bom volume", avalia Marques.
Ele ressalta, ainda, que a legislação chinesa é muito específica e rígida para produtos alimentícios estrangeiros, e que a cultura completamente diferente à ocidental levou a empresa a descartar a venda local de alguns de seus "best sellers".
"Já em outros itens tivemos que alterar embalagem para o produto receber o valor agregado exigido pela empresa e ter esse valor percebido do mesmo jeito pelo consumidor", explica o responsável pela Impressive Infinity.

Sistema jurídico gera dúvidas e exige atenção redobrada

Clarissa alerta que não é comum que as companhias recorram à Justiça para resolver conflitos

Clarissa alerta que não é comum que as companhias recorram à Justiça para resolver conflitos


/SOUTO CORREA ADVOGADOS/DIVULGAÇÃO/JC
Outro temor do empresário brasileiro ao fazer negócios no gigante asiático se refere a burocracias e ao ambiente legal. Com esse foco - tanto para quem importa ou recebe investimentos quanto para quem exporta à terra de Xi Jinping -, o escritório de advocacia gaúcho Souto Correa criou o Asian Desk, em 2013.
São muitas as dúvidas e, sim, vale o alerta. A China demanda algumas ressalvas quanto ao cenário jurídico ao qual se estará sujeito ao negociar ou se estabelecer no país, explica a coordenadora da área, a advogada Clarissa Yokomizo. Ao contrário do que ocorre no Brasil, onde as empresas entram com ações na Justiça contra tributos e outros excessos governamentais, esse movimento não é comum na China. Por isso, alerta a advogada, toda a precaução prévia em contratos deve ser feita, com análises criteriosas e apoio especializado.
"Os tribunais chineses ainda sofrem bastante influência de governos, e muitas empresas são estatais, e não se costuma recorrer à Justiça para resolver conflitos. Se obedece. Isso pode ser um aspecto bastante relevante em um negócio local", alerta Clarissa.
Outro ponto a ser considerado é que o custo para fazer a cobrança de um comprador chinês em atraso pode ser onerosa demais. Clarissa conta que muitos clientes pedem mais garantias de pagamento ou mesmo pagamento antecipado para evitar dores de cabeça e prejuízos. "Já ocorreu de nós mesmos dizermos a um cliente que o custo para contratar um advogado local e finalizar uma cobrança, com toda a incerteza do resultado, não compensaria", revela Clarissa.

Weg e Melissa são exemplos de sucesso

Diretor da Pegasus Consulting, e vivendo em Pequim há cerca de quatro anos, Diego Martins assessora empresas interessadas em ver seus produtos em gôndolas chinesas. Estudioso de cases de companhias brasileiras que fizeram seu desembarque de forma adequada e de companhias que falharam (o que também é uma grande fonte de aprendizado), o executivo lista dois exemplos de sucesso: a fabricante de motores e geradores de energia Weg, de Santa Catarina, e a tradicional Melissa, da Grendene.
A Melissa é bastante valorizada no país, e sem necessidade de mudanças de design, diz o consultor. "As mulheres chinesas gostam justamente do Made in Brazil, não querem o Made in China. Acho inclusive que a Grendene aproveita pouco esse potencial, pois ainda não tem loja própria", opina Martins.
Sobre a catarinense Weg, ele ressalta a adaptação, feita com excelência. A Weg, que abriu sua primeira unidade própria de produção na China em 2015, já ampliou sua produção e criou outro parque fabril. Com a nova unidade, a empresa deverá passar dos iniciais 35 mil metros quadrados de área para 90 mil até 2020. Para se estabelecer na China, diz Martins, a Weg fez um bom estudo do mercado e adaptações.
"Os motores para maquinas de lavar roupa, por exemplo, são menores do que os fabricados no Brasil, já que as famílias chinesas são menores, assim como o tamanho médio da máquina de lavar roupa", detalha Martins.

Fiergs apoia pesquisas de mercado

Quem também destaca os potencias do mercado chinês é o presidente da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), Gilberto Petry, ressaltando uma diretriz anunciada pelo governo de Xi Jinping, no final do ano passado, de aumentar o volume de importações, inclusive com redução de impostos e facilitação de trâmites. "Sem dúvida, as novas políticas chinesas de estímulo às importações e ao consumo vão beneficiar o Rio Grande do Sul, que tem a possibilidade tanto de consolidar a participação já significativa em alguns setores quanto de abrir um grande mercado para outros", avalia Petry.
Para apoiar empresas interessadas em subir os degraus da Grande Muralha - apesar de ainda não contar com um setor ou especialista totalmente dedicado ao país -, a Fiergs ressalta que tem ajuda na elaboração de estudos que possam subsidiar a tomada de decisão, com análise do perfil do consumidor, os aspectos culturais e regionais internos, bem como os fluxos de comércio e as barreiras técnicas e legais para a entrada no mercado chinês. Além disso, recebe e organiza encontros no Brasil para comitivas chinesas visando à geração de negócios e a parcerias estratégicas.

Dois desconhecidos: o idioma e a cultura

Formando em Relações Internacionais e com uma empresa de exportação já estabelecida na China (voltada à venda de produtos chineses ao Brasil e aos Estados Unidos), o gaúcho Ricardo Mello está de volta a Porto Alegre abrindo agora uma empresa para exportar produtos nacionais para o país asiático. Ele já comercializa, por exemplo, pedras destinadas à construção civil, mas quer diversificar o portfólio.
Com domínio do mandarim e com vivência na China, ele recomenda sempre ter alguém que fale o idioma local e acompanhe negociações e mesmo encontros informais. O inglês, explica, ainda é pouco utilizado pelo chineses, e contar com um profissional de idioma local, mas que não conheça também a língua portuguesa, pode limitar alguns entendimentos e traduções. Mas as dúvidas mais frequentes dos empresários com os quais trabalha são diversas.
"Perguntam para mim como eles são, se pagam corretamente, como é a cultura, como são as reuniões... As dúvidas são de todos os tipos, até porque o brasileiro pouco conhece a China e os chineses, o que pode levar a erros e a limitar os negócios", alerta Mello.