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Entrevista Especial

- Publicada em 03 de Junho de 2018 às 22:06

Inovação deve constar na agenda dos candidatos, diz Audy

Jorge Audy, coordenador do Tecnopuc

Jorge Audy, coordenador do Tecnopuc


/fotos: CLAITON DORNELLES/JC
O professor e superintendente de Inovação e Desenvolvimento da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs), Jorge Audy, avalia que o Rio Grande do Sul precisa de um projeto de longo prazo, que supere o período de uma gestão de governo.
O professor e superintendente de Inovação e Desenvolvimento da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs), Jorge Audy, avalia que o Rio Grande do Sul precisa de um projeto de longo prazo, que supere o período de uma gestão de governo.
Para isso, será preciso colocar na pauta da campanha eleitoral dos candidatos ao Piratini temas como inovação e tecnologia, meios capazes de transformar o Estado em um lugar atrativo para investimentos e para reter talentos que, hoje, se formam nas universidades gaúchas, mas buscam o desenvolvimento da sua carreira em outros estados e países.
"Estamos discutindo como vamos chegar em um lugar que não sabemos qual é", avalia, ao defender que debates sobre o tamanho do Estado, por exemplo, devem ser precedidos de um planejamento que aponte qual objetivo se pretende alcançar em determinadas áreas e regiões. "O horizonte de futuro, ao longo das últimas décadas, foi diminuindo tanto que hoje não é mais que um período de um governo. É muito pouco para uma sociedade que se diz politizada", critica.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Audy aponta que o debate deste ano deve superar temas do passado e ir além de discussões como "quem vai ou não ser preso". Ele identifica ambientes acadêmicos como espaços que podem ser parceiros de uma atuação conjunta com governo e sociedade na construção de uma economia mais saudável. "Temos que recriar um imaginário do nosso Estado como uma região de futuro, ligada no que está acontecendo no mundo", completa.
Jornal do Comércio - Por que a pauta da inovação deve ser debatida pelos candidatos na próxima eleição?
Jorge Audy - Porque a inovação hoje, em pleno século XXI, na sociedade do conhecimento em que vivemos, é o principal fator de desenvolvimento, de crescimento econômico e de desenvolvimento social. É uma pauta que une, não é uma pauta que divide, como a maior parte das pautas que vemos em discussão no nosso País há algum tempo. A pauta da inovação congrega, projeta um futuro melhor, busca caminhos para o desenvolvimento dentro de um novo paradigma, onde a criatividade, a tecnologia, a inovação no empreendedorismo, todos esses fatores são determinantes do sucesso, do desenvolvimento, do crescimento. É uma demanda que, me parece, a sociedade tem para realmente discutir novos rumos, discutir um novo direcionamento, a construção de um sonho compartilhado para a nossa cidade, o nosso Estado, o nosso País.
JC - Como o senhor diz, a inovação é uma pauta que une ou que tem muito pouca divergência. Por que, então, mesmo assim, ela ainda não consegue ser uma questão concreta e que tenha investimento do poder público?
Audy - A sensação que tenho é que estamos com uma pauta distorcida. Discutimos profundamente o passado, buscamos culpados pela situação que vivemos hoje. E não vamos encontrar a inovação lá atrás, nem a criatividade, nem o empreendedorismo, nem a tecnologia. Esses são temas que vamos encontrar se olharmos para o futuro, para a frente. Ou seja, não discutimos porque não está na pauta. O que se está discutindo é quem vai preso, quem não vai preso, quem é culpado por isso ou por aquilo. É preciso construir uma visão de futuro minimamente compartilhada entre os candidatos e a sociedade, o mundo empresarial, as entidades, as universidades.
JC - Existe a expectativa de que esse assunto possa ser pautado na próxima eleição?
Audy - Temos a sensação de que ele está começando a ser pautado. Recebi com muita alegria o convite para participar de um debate (Movimento Rumos) no qual se tratava dos temas economia, política e inovação. Ou seja, é um espaço que coloca a questão da inovação, e da tecnologia dentro de temáticas relevantes. Não é para falar só de inovação. É simplesmente para que haja um espaço para também refletir sobre esta dimensão da sociedade, porque, afinal de contas, é por aí que hoje se gera riqueza, renda, desenvolvimento. É por aí que se gera crescimento em todos os lugares do mundo que estão percorrendo esse caminho: Estados Unidos, Canadá, Israel, Finlândia, Suécia, Inglaterra, Alemanha. Eles não podem estar todos errados e só nós certos, até porque a situação em que nos encontramos não nos permite supor que estamos certos.
JC - Como a inovação pode contribuir com as políticas públicas? Como pode dar a sua contribuição para situações de crise, para resolver questões econômicas?
Audy - Imagina um cenário em que pudéssemos arregimentar esse conhecimento que temos nas universidades, nas escolas, no meio empresarial. Imagina se os governos se articulassem no sentido de criar espaços em que se lançassem desafios dos problemas que temos para resolver, e que os próprios atores sociais pudessem se dispor a ajudar na solução. Investir, por exemplo, em áreas específicas de desenvolvimento de novas empresas, de startups, trabalhando intensivamente com tecnologias na área do agronegócio, da agricultura e da pecuária, aplicando conhecimento existente no mundo todo na resolução dos problemas locais. Nas microrregiões com os menores IDHs (Índices de Desenvolvimento Humano), aplicar o conhecimento que temos nas áreas de humanidades, serviço social e ciências sociais para gerar intervenções que permitissem a melhoria dos indicadores e o desenvolvimento dessas regiões. Ou seja, uma estratégia de desenvolvimento do Estado em que um dos alicerces fosse a criação de ecossistemas de inovação, articulando esses atores que vêm das universidades, das empresas, da própria sociedade e dos governos, na resolução de problemas locais.
JC - Muitos candidatos adotam o discurso de manter sob responsabilidade do Estado somente serviços que consideram essenciais, como saúde, segurança e educação. Onde entra a inovação? Como seria possível fazer um debate apontando que essas áreas não são fins em si mesmas, mas convergentes?
Audy - Estamos discutindo como vamos chegar em um lugar que não sabemos qual é. É uma coisa muito estranha, porque na realidade estamos discutindo qual o tamanho (do Estado) para fazer o quê? Está se discutindo como vamos fazer, mas o que vamos fazer, que é o importante, não se está discutindo. Quando falamos de inovação - como mudança de paradigma, como a definição de um novo modelo de sociedade, principalmente do ponto de vista de desenvolvimento econômico e social - estamos discutindo para onde queremos ir, não como vamos chegar lá. Enquanto ficarmos com esse horizonte curtinho, a dois palmos à frente do nariz, vamos ficar brigando. O horizonte de futuro, ao longo das últimas décadas, em muitas das nossas áreas e regiões, foi diminuindo tanto que hoje não é mais que um período de um governo. É muito pouco para uma sociedade que se diz politizada, que se diz desenvolvida, educada e culturalmente evoluída. Temos que alargar de novo esse horizonte, o que significa ter uma ideia de aonde queremos chegar. Não nos próximos três anos e meio, ou nos próximos quatro anos, e sim nos próximos 20, 30, 40 anos. Enquanto se discutir se é uma coisa ou outra sem saber direito aonde é que se está indo, vamos continuar nessa, mais 20 anos, esperando não sei o quê.
JC - Na palestra do Movimento Rumos, o senhor usou o exemplo da "dança na chuva", concluindo que sabemos que existe um problema, que não é tratado. Pode explicar? 
Audy - O exemplo da dança da chuva é uma brincadeira, a partir da constatação de que estamos em um Estado que nas últimas décadas cresce, do ponto de vista de PIB (Produto Interno Bruto) e da economia, basicamente quando a safra agrícola é boa. Ora, mas essa era a sociedade do século XIX, anterior à revolução industrial. Temos que fazer essa transição para século XXI de uma vez, porque o tempo está passando e os outros ao redor de nós também. Temos que nos preocupar um pouquinho mais em agregar tecnologia e conhecimento dentro do nosso ambiente e das características da nossa região. Continuarmos, sim, com a produção primária, que sempre foi importante e sempre vai ser, e o uso de tecnologia nessa área é fundamental. Mas há outras coisas também acontecendo que temos que investir e desenvolver. Temos é que ampliar esse leque, ter um mix de possibilidades de desenvolvimento econômico maior. Hoje em dia estamos falando de indústria 4.0, de inteligência artificial e de tantas coisas que se poderia estimular.
JC - Para aprofundar o exemplo, o senhor falava que o PIB depende de a safra ser boa ou não ser boa. No ano que não tem chuva o suficiente, a economia cai. Como a tecnologia entra nisso?
Audy - A tecnologia, quando bem aplicada, naquele ano que chove e que a safra é boa vai se produzir mais, porque estamos agregando mais valor à produção agrícola. Naqueles anos que não chove, vamos ter outras facetas da sociedade da economia, que vão estar se desenvolvendo, gerando emprego, renda e resultado. Estamos diversificando a matriz. Porque, de novo, estamos no século XXI, e daqui a algumas décadas a geração de riqueza no mundo vai estar muito mais concentrada do que está hoje na inteligência, nos talentos, e na capacidade de aplicar esses talentos.
JC - O que seriam esses talentos?
Audy - Um dos maiores ativos que temos no Rio Grande do Sul ainda é a qualidade (da formação) das pessoas. Agora, se esses talentos continuarem indo gerar riqueza fora daqui, vamos receber o rótulo de maior exportador de inteligência do mundo. Temos que criar condições para que essas pessoas realizem seus sonhos aqui, que gerem riqueza, empregos e oportunidades aqui, sem sair seja para outras regiões do Brasil, como Santa Catarina ou São Paulo, ou para o exterior. Para isso temos que recriar um imaginário do nosso Estado como uma região de futuro, ligada no que está acontecendo no mundo, que está se preparando para ser um ator relevante na economia deste século que já está acontecendo, e não do século que vem. Mas estamos atrasados e temos que acelerar esse processo. Para isso, temos que abrir uma brecha para discutir esse futuro. Temos microambientes de inovação, alguns de projeção nacional, (parques tecnológicos) como é o Tecnosinos (da Universidade do Vale do Sinos), o Tecnopuc (da Pucrs) e o Zenit (da Universidade Federal do Rio Grande do Sul), além de diversas iniciativas do interior do Estado, como o parque tecnológico da UPF (Universidade de Passo Fundo), a Univates (Universidade do Vale do Taquari) em Lajeado, o Oceantec (na Universidade Federal do Rio Grande) na Região Sul. Tem uma série de exemplos legais, mas não são mais do que exemplos.
JC - Os jovens conseguem imaginar um diálogo junto ao poder público, aos governantes, para expor os seus anseios? Eles demonstram essa vontade?
Audy - Tem uma superenergia rolando em muitos ambientes aqui no nosso Estado, na nossa cidade. Mas dá para fazer muito mais. (Nos ambientes de inovação das universidades) estamos mudando a realidade de pouca gente. Poderia se mudar a realidade de muito mais gente, mudando a realidade da cidade, do Estado e do País. Temos que parar de ser a exceção daqueles que têm privilégio ou oportunidades de estar nesse tipo de ambiente (universidade) e se tornar algo acessível a boa parcela da sociedade. Aí vamos começar a falar em transformação, que só se faz com uma visão de futuro, isso não acontece com geração espontânea. O lado bom dessa história é que temos indício e exemplos de que sabemos fazer. A questão é ter um momento como sociedade em que a gente se disponha realmente a pensar no futuro. Não que não seja importante pensar no passado. O passado é importante para alicerçar nossa condição de atingir um futuro melhor, mas temos que olhar para a frente.
JC - Como podemos pautar os candidatos para esse debate sobre inovação e projeto de futuro no período eleitoral?
Audy - O mundo inteiro hoje discute a inovação como vetor do desenvolvimento para o futuro. Estamos começando a plantar a ideia de que dá para discutir, num processo eleitoral, alguma coisa diferente de quem vai ser preso ou vai ser solto. Dá para considerar parte de uma pauta política a discussão do papel da educação, da ciência, da tecnologia e da inovação no futuro do Estado ou da cidade. Essa é uma luz no fim do túnel.

Perfil

Jorge Luís Nicolas Audy tem 56 anos e é natural de Porto Alegre. Atualmente é professor titular da Faculdade de Informática e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Computação e Superintendente de Inovação e Desenvolvimento da Pucrs. Tem atuação como pesquisador e gestor nas áreas Sistemas de Informação e Gestão de Ciência, Tecnologia & Inovação. Possui graduação em Análise de Sistemas de Informação pela Pucrs, mestrado e doutorado na área de Sistemas de Informação pela Ufrgs, especialização em Gestão de Artes e Tecnologias Multimídia pela IBM e PUC-Rio de Janeiro e pós-doutorado na Tsinghua University (China) e Universidade de Málaga (Espanha). Preside a Comissão Nacional de Acompanhamento do Plano Nacional de Pós-Graduação 2011-2020 e a Agenda Nacional de Pesquisa (MEC/Capes). É membro do Conselho Deliberativo Nacional do Sebrae, do Conselho de Administração da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii); do Conselho Consultivo da Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec); do Conselho Superior da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado (Fapergs).