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Porto Alegre, quinta-feira, 24 de maio de 2018.
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H�lio Nascimento

Cinema

Not�cia da edi��o impressa de 25/05/2018. Alterada em 24/05 �s 19h25min

Justi�a

O diretor Hirokazu Kore-Eda - que, há poucos dias, venceu o Festival de Cannes com seu filme mais recente, Um caso de família, com distribuição já assegurada no Brasil - assina a realização de O terceiro assassinato, um filme no qual os temas prediletos do cineasta, aqueles relativos a relacionamentos familiares, passam por diversas variações, que se concluem na formação de um trabalho cinematográfico que inova o chamado filme de tribunal, além de confirmar, de forma bastante expressiva, seu lugar entre os mais importantes cineastas contemporâneos. Um filme como este é mais uma prova de que os focos de resistência diante da mediocridade incensada continuam ativos e, mais do que isso, propondo inovações e atos de coragem, esses elementos capazes de derrotar a rotina e a imobilidade. Debates em tribunais já resultaram em grandes filmes, até porque cineastas como Otto Preminger, Billy Wilder e tantos outros já o abordaram, sem esquecer que George Stevens, só para citar um exemplo, colocou a sequência do julgamento em Um lugar ao sol, na antologia cinematográfica. Os melhores - e Kore-Eda está entre eles - souberam ver, na busca dos dados essenciais, um caminho não apenas para a elucidação de um crime. Olharam o acontecimento em discussão como a ruptura reveladora de imperfeições, sejam estas a consequência de uma revolta incontida ou a evidência de distorções geralmente ocultas. É o que acontece, agora, com este - de certa maneira surpreendente - O terceiro assassinato.
Kore-Eda, como cultor do realismo de cena, descende de mestres como Yasujiro Ozu e Kenji Mizoguchi, figuras maiores do classicismo cinematográfico japonês. Mas, pelo menos no caso do filme ora em exibição, ele se permite algumas liberdades com a tradição, recorrendo a alterações cronológicas na narrativa e a momentos em que a alegoria, de forma discreta e, ao mesmo tempo, expressiva, se imponha. Mas nada que transforme o filme em desfile exibicionista. Quando Woody Allen, no magnífico Ponto final, colocou em cena as duas vítimas dialogando com seu assassino, não estava apena homenageando Ingmar Bergman, pois tal cena mostrava que o delírio e o sonho podem perfeitamente ser incluídos na narrativa sem distorcê-la e sem abrir caminho para recursos demagógicos. O que Kore-Eda propõe, através de um filme que privilegia o cotidiano e figuras reais, é um painel habitado por personagens de três gerações. Há o pai-juiz, que salva da morte um autor de um crime duplo, um advogado que se depara com o criminoso novamente acusado e também as duas jovens que vivem dramas diferentes, mas ambos relacionados a um precário relacionamento com a figura paterna.
Na direção dos intérpretes - todos notáveis -, o cineasta revela ao espectador a importância da criação da figura humana. O rosto e o olhar do homem a ser julgado formam a expressão de quem desceu ao abismo e ressurgiu munido de resignação diante das complexidades. O advogado que representa a lei e a civilização não tem oculta do espectador a imensa dificuldade no relacionamento com a filha, a qual, vez por outra, como o filme sugere, se envolve em complicações derivadas de uma situação familiar. O defeito físico da outra jovem é o dado revelador da dificuldade conviver com a dor e com um passado traumático. A alegoria é, aqui, retirada da realidade e não a ela imposta. O crime passa a ser, assim, a resposta não apenas ao ilícito - como no caso do alimento adulterado -, mas também uma vingança contra a ação de forças contidas pelas leis civilizadoras. O sinal deixado no local do terceiro crime e que volta na sequência final, agora desenhado pelo encontro de ruas, outro exemplo da utilização simbólica de elementos reais, volta ao tema do sacrifício. Kore-Eda não fez um filme que se encaminha para uma solução. Ao contrário, seu trabalho prefere dar ênfase às complexidades que regem o convívio entre humanos, principalmente na maneira engenhosa como filma o criminoso e seu defensor, que, por vezes, parecem a mesma pessoa, um sendo a expressão de quem encontrou as raízes e outro tentando entender o significado de um ritual complexo e indecifrável.
 
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