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30 ANOS DA CONSTITUIÇÃO

- Publicada em 08 de Maio de 2018 às 08:31

Criação da Carta Magna fez nascer um novo tempo

Presidente da Assembleia Constituinte, Ulysses Guimarães chamou o documento de Constituição Cidadã

Presidente da Assembleia Constituinte, Ulysses Guimarães chamou o documento de Constituição Cidadã


ARQUIVO ABR/DIVULGAÇÃO/JC
Chamada de Constituição Cidadã por Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Constituinte, a Constituição Federal de 1988 tem ao menos um ponto sobre o qual todos concordam - foi a voz do povo, que participou ativamente das discussões do processo constituinte através de sindicatos e movimentos sociais. Com 30 anos de existência, a Carta Magna revolucionou os direitos sociais no Brasil. Algumas promessas feitas no documento, no entanto, se mantêm descumpridas até hoje.
Chamada de Constituição Cidadã por Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Constituinte, a Constituição Federal de 1988 tem ao menos um ponto sobre o qual todos concordam - foi a voz do povo, que participou ativamente das discussões do processo constituinte através de sindicatos e movimentos sociais. Com 30 anos de existência, a Carta Magna revolucionou os direitos sociais no Brasil. Algumas promessas feitas no documento, no entanto, se mantêm descumpridas até hoje.
Para a escritora e ativista antirracismo Sueli Carneiro, fundadora do Geledés Instituto da Mulher Negra, o que mais impressiona na Constituição de 1988 é que foi produto de uma ampla participação popular, e da emergência de novos sujeitos políticos em influir sobre o processo constituinte. "Para nós, negros, a Constituição tem importância extraordinária, porque o inciso XLII do artigo 5º tornou o racismo um crime inafiançável e imprescritível, que foi uma das principais bandeiras levantadas pelo movimento negro na época", aponta.
Diante daquela conquista, Sueli lembra que a sensação era de que o Brasil adentrava um novo tempo, de reconciliação da nação e revisão das fábulas sobre democracia racial "que sempre mascararam sequelas de um passado escravista e uma realidade de racismo cotidiano sofrido pelas pessoas negras". Segundo a escritora, ainda que tenham ficado de fora questões importantes, se consolidou uma mudança de patamar da questão do racismo na sociedade brasileira, que desencadeou, por exemplo, a injúria racista como agravante em crimes de injúria.
Outro ponto importante, sob a ótica da ativista antirracismo, foi a garantia de título da terra por parte do Estado para remanescentes de comunidades quilombolas que estivessem ocupando seu território. "No entanto essa disposição esbarra na conflituosa situação em que estão as comunidades na disputa de suas terras. Esses territórios estão em disputa com empreendimentos agropecuários, madeireiros, grileiros e especulação imobiliária, negando-se um direito arduamente conquistado", defende.
Sueli também cita a conquista na Constituição de que o Estado garantisse a todos "pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional", apoiando e incentivando "a valorização e a difusão das manifestações culturais". "Essa é uma vitória que significa o reconhecimento da contribuição dos negros na cultura nacional e o direito a difundir e valorizar essa cultura", observa. Porém a implantação desses direitos, conforme a escritora, depende exclusivamente da sociedade civil brasileira, uma vez que não há empenho real do poder público para que ocorra.
"Essa disposição constitucional coexiste tranquilamente com a violência sistemática das igrejas contra as religiosidades de matriz africana", lamenta. O poder aquisitivo dessas igrejas e seu acesso a espaços televisivos faz com que seja, para a ativista, praticamente impossível assegurar que a liberdade de consciência e crença seja inviolável. "Mais uma vez, nossas denominações religiosas são atingidas pela intolerância religiosa, e exercer um direito de resposta proporcional e receber indenização por dano moral e material, também previstos na Constituição, raramente são possíveis."
A escritora destaca, ainda, que o parágrafo XX do Capítulo II da Constituição, que versa sobre os direitos sociais, assegura "proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos". "Essa formulação abre possibilidade de adoção de medidas que promovam inclusão igualitária no mercado de trabalho, superando as práticas de desigualdade que as mulheres, e especialmente as negras, sofrem", ressalta.
O dispositivo dá legitimidade, por exemplo, ao uso de cotas para tornar igualitárias as oportunidades no mercado de trabalho. "Infelizmente, passados 30 anos, vemos que mulheres em geral, e em particular as negras, continuam com dificuldades para acessar melhores cargos e igualdade salarial por exercício de funções iguais ou semelhantes", critica. Sueli lembra que a presença de mulheres negras em cargos de maior prestígio não alcança sequer valor estatístico.
Pensando no que se projetava quando a Constituição foi aprovada e quais são as condições atualmente, a ativista se mostra desapontada. "Assistimos hoje a um recrudescimento do racismo, que se torna cada dia menos sutil e hipócrita, e mais frontal e violento, infelizmente nos aproximando muito da realidade que percebemos no apartheid sul-africano", avalia. O que se imaginava como um novo paradigma não está se concretizando, em sua opinião.
A sociedade civil, por outro lado, faz sua parte, de acordo com Sueli. "A sociedade luta, se organiza, reivindica tudo que espera ser necessário para o exercício pleno de sua cidadania", cita. Muitas vezes, entretanto, vê seus esforços frustrados, o que, para a escritora, "mina a experiência democrática" e sua capacidade de oferecer igualdade plena para todos.

Única meta cumprida foi no Ensino Fundamental

Atualmente, cerca de 98% das crianças se sete a 14 anos estão em sala de aula

Atualmente, cerca de 98% das crianças se sete a 14 anos estão em sala de aula


JOSÉ CRUZ/ABR/JC
Entre as metas estabelecidas pela Constituição de 1988 na área da educação, as mais importantes são a universalização do Ensino Fundamental, a erradicação do analfabetismo e o estabelecimento de um piso salarial para os professores, na visão de Celio Cunha, professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica de Brasília (UCB) e pesquisador sobre o tema.
"Após a Constituição, de fato aconteceu uma grande inclusão na educação brasileira em todos os graus e modalidades, por abertura de vagas e por oportunidades escolares. Já em relação à qualidade da educação, devido ao grande processo de universalização, não foi possível fazer o mesmo", observa o professor.
Cunha lembra que, hoje, 98% das crianças de sete a 14 anos estão no Ensino Fundamental, e esse é um avanço, embora ainda haja entre 300 mil e 400 mil crianças fora das salas de aula. "O avanço não é só quantitativo, mas também qualitativo, pois a escola, sendo oferecida, já qualifica a educação da criança", afirma.
Em relação à erradicação do analfabetismo, se avançou pouco. Atualmente, ainda há entre 12 milhões e 13 milhões de analfabetos absolutos e, conforme o pesquisador, não parece haver vontade de resolver a questão.
Sobre o salário dos professores, Cunha menciona que houve, na época em que Fernando Haddad e Henrique Paim foram ministros da Educação, um momento muito bom na educação brasileira. "Hoje, o piso é de pouco mais de R$ 2 mil, o que pode ser visto como avanço, sobretudo nas regiões mais pobres do País; mas, ainda assim, temos dois problemas: nem todos os estados estão pagando o piso, inclusive o Rio Grande do Sul, e esse mesmo piso é insuficiente em face à responsabilidade do educador", relata.
Para o professor, a educação é fundamental diante dos problemas sinalizados atualmente, como falta de ética, drogadição, violência e banalização da vida em geral. "Agora, a tarefa do professor, além de dar aula, é ensinar cidadania; e a remuneração, comparativamente a outros países, ainda é insuficiente", lamenta. O educador enfrenta, ainda, problemas cotidianos de infraestrutura, não só de materiais pedagógicos, mas também más condições de saneamento, muro caindo, falta de água potável, entre outros pontos. "Embora existam avanços, ainda faltam muitos capítulos para atingir o padrão universal."
Sobre a qualidade da educação, melhorou principalmente no sentido de levar boa parte da sociedade brasileira aos bancos escolares. A qualidade do ensino em si sofreu alguma queda, diante da expansão da oferta, mas não tão grande quanto poderia ser, na opinião de Cunha. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) aponta melhorias no ensino do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, avanços um pouco menores do 5º ao 9º ano e uma estagnação nos anos do Ensino Médio, em que ainda há problemas graves de evasão, abandono e qualidade precária.
"Esperamos que, com a aprovação da nova Base Nacional Curricular Comum (BNCC), possamos ter um referencial para o Brasil avançar nos próximos anos, em termos de qualidade. Todavia existe o obstáculo do orçamento", alerta. Até cinco anos atrás, o Brasil vivia boas condições financeiras, com mercado aquecido e redução da pobreza. Com a crise econômica, contudo, somada à crise política, com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o orçamento para a educação caiu, o que preocupa o professor.
Mesmo fundamental para resolver questões latentes, a educação ainda não é prioridade no País. "Hoje, quando se faz uma enquete, a segurança aparece muito em primeiro lugar entre as prioridades, e em segundo a saúde. A educação aparece em quarto ou quinto", reflete. Para superar a desimportância dada ao tema, somente através de uma nova consciência sobre a consequência da falta de ensino de qualidade, que se relaciona diretamente aos caminhos procurados pelos jovens - em torno de 66% dos presidiários brasileiros, por exemplo, não haviam completado o Ensino Fundamental em 2012, conforme o Conselho Nacional de Educação. Engajar crianças e adolescentes nos estudos reduz o número de criminosos e protege a juventude.
Ex-secretária estadual de Educação e consultora de educação da Confederação Nacional dos Municípios, Mariza Abreu considera que os movimentos em defesa de pautas ligadas à saúde estruturaram melhor suas demandas no processo constituinte e construíram o Sistema Único de Saúde (SUS), que, apesar de padecer de recursos, foi bem estruturado e funciona. Não foi, no entanto, o que aconteceu na educação.
"Hoje, temos sistemas de ensino municipais, estaduais e federais, com escolas, às vezes próximas entre si, com currículos, salários e propostas pedagógicas diferentes. Com isso, se aumentou a desigualdade na oferta dos serviços. Percebi que não tínhamos um projeto como o pessoal da saúde teve", pontua.
A ex-secretária de Educação sinaliza quatro pilares que gerariam a melhoria na educação: financiamento, melhoria na gestão, melhoria na gestão pedagógica e mudanças na legislação referente aos professores. Para ela, é imprescindível a melhoria na gestão da educação no Brasil, resolvendo alguns impasses que, acredita, privilegiam interesses de parte da sociedade em relação aos dos outros.
"A gestão democrática não pode significar interesses de corporação sobre os interesses dos alunos. Eu já fui sindicalista, inclusive participei do processo constituinte dentro do sindicato, e vejo avanços com a definição do piso salarial da categoria como direito constitucional. Por outro lado, o piso gerou um monte de conflitos, e os conflitos geraram problemas na aprendizagem", analisa.
Mesmo diante da crise econômica, Mariza também acha viável aperfeiçoar o mecanismo de financiamento da educação, através do novo modelo do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), a ser implantado em 2021. "O novo fundo pode ser mais distributivo e produtor de equidade. Atualmente, o governo federal faz muito mais repasses voluntários, que são os por convênio, do que repasses legais, que são os de merenda, transporte, entre outros. O resultado é que as merendas e o transporte escolar estão sem reajuste há anos", destaca.
Por outro lado, gasta-se muito dinheiro em projetos e programa de governo, como os prédios do programa Pró-Infância, que nem sempre são concluídos. A sugestão é que esse modus operandi seja alterado com o novo Fundeb.
 

Assegurado por lei, acesso à saúde nem sempre é efetivo

Presidente da Abrasus, Terezinha diz que o acesso universal à saúde não é repeitado

Presidente da Abrasus, Terezinha diz que o acesso universal à saúde não é repeitado


FREDY VIEIRA/JC
Presidente da Associação Brasileira em Defesa dos Usuários do Sistema Único de Saúde (Abrasus), Terezinha Alves Borges e sua equipe oferecem orientações e atendimento jurídico a usuários do SUS que sintam que não estão tendo seus direitos garantidos. "Por lei, o acesso à saúde é assegurado. O problema é que não é posto em prática", aponta.
A Constituição é clara: a saúde é um direito de todos e um dever do Estado. "Seria uma maravilha se isso fosse posto em prática, mas, infelizmente, não é assim. Sinto que está cada vez mais difícil assegurar o direito à saúde", lamenta Terezinha. A presidente da Abrasus cita como exemplo a Unidade de Pronto Atendimento da Zona Norte de Porto Alegre, que só atende a emergências, não cumprindo seu papel de atendimento também a casos de baixa e média complexidade.
Terezinha salienta que o acesso rápido a pessoas que têm problemas sérios de saúde, como câncer, não é garantido. "Existe uma lei que diz que toda pessoa com diagnóstico de câncer deve começar o tratamento em, no máximo, seis meses. Isso não acontece, o que já é uma falha", avalia.
Em sua opinião, a falta de atendimento acontece por problemas de gestão. "O SUS é um programa maravilhoso, abrangente, que atua em vários setores, tanto na parte da medicação como na saúde em si. Os transplantes, por exemplo, todos são feitos através do SUS. Porém faltam gestão e planejamento", critica. A presidente da Abrasus considera difícil a entrada no sistema, e que, depois de entrar, o usuário também sofre com a demora para conseguir exames, consultados com especialistas e cirurgias.
Terezinha relata a cansativa rotina de alguém que quer começar um tratamento pelo SUS. "Primeiro, eu tenho que ir ao posto da minha região e conseguir uma consulta com um clínico-geral. Para conseguir essa consulta, tenho que ir de madrugada para pegar uma ficha, pois os números são reduzidos", conta.
Após ser atendida, se o clínico-geral encontra algum problema que exige atendimento por especialista, a pessoa é colocada em uma fila de espera por consulta especializada que pode durar meses ou até anos. "Quando o meu posto consegue a consulta, me chamam. Aí, vou ao especialista, que pede uma série de exames, e o posto tem que ir atrás de quem faça esses exames, que também podem levar muito tempo para serem feitos. Por isso eu digo que entrar é muito difícil. Imagina uma pessoa idosa, ou com um problema sério, ficar aguardando todo esse tempo?", questiona.