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Porto Alegre, quinta-feira, 05 de abril de 2018.

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H�lio Nascimento

Cinema

Not�cia da edi��o impressa de 06/04/2018. Alterada em 05/04 �s 18h29min

Civiliza��o questionada

A diretora argentina Lucrecia Martel tem poucos filmes de longa-metragem, pois, sem dúvida, é uma realizadora que procura trabalhar afastada das leis impostas pelos grandes estúdios. Não é o primeiro nome a adotar tal posição e certamente não será o último. A questão, aqui, é o que colocar no lugar do fascínio e da força capazes de gerar emoções, duas características básicas do cinema. Outros nomes já procuraram espaços e tempos não explorados por contemporâneos seus, uns revitalizando o espetáculo, outros afastando-se dele e aproximando-se de um realismo distante de qualquer encenação. Todos, no entanto, tinham em mente capturar a atenção. Tanto Welles quanto Ozu - o primeiro, pela elaboração, e o segundo, pela simplicidade - são exemplos opostos de exercício criativo empenhado em criar algo novo e igualmente sempre interessado em manter vivo o interesse do espectador. A realizadora de Zama parece mais interessada num cinema insatisfeito com grandes plateias e fascinado por salas vazias. O cinema que ela propõe em seu filme mais recente, ao captar a inútil espera de um funcionário da coroa espanhola, é menos uma crítica ao colonialismo do que a descrição lenta e penosa de uma monotonia vivenciada pelo protagonista, num ambiente que é utilizado pela cineasta para que, na tela, seja colocada uma visão desalentada da civilização.
Os filmes anteriores da diretora aqui exibidos - O pântano e A menina santa - não eram assim tão desprovidos de dramaticidade. O segundo era até mesmo dotado daquele interesse gerado pelo estudo de forças repressivas ocultas por rituais destinados a criar aparências. Agora, no entanto, ela radicaliza ao narrar sua história, retirada de um livro de Antonio Di Benedetto. Outra vez, o objetivo é revelar aspectos ocultos, através de uma caricatura, como se assistíssemos a uma dança macabra, um minueto dançado por esqueletos. A crítica é óbvia, mas a narrativa é desprovida de elementos capazes de tornar a narrativa algo capaz de torná-la mais eficaz. Ao isolar os personagens do ambiente, trazendo elementos exteriores para atuarem como coadjuvantes em primeiros planos, a diretora faz a opção por um filme desdramatizado, que, assim, se confunde com a vida do protagonista, um burocrata a serviço de um governo distante e nada preocupado com os dramas enfrentados por seus súditos. Mesmo as elipses não chegam a causar maior interesse, e a barba crescida que informa sobre o passar do tempo é um detalhe apenas. E a imagem final, ao revelar a mutilação, poderia ter um impacto que a proposta da obra recusa, optando por uma imagem na qual o desalento predomina e nem o futuro, simbolizado pela criança, é algo a ser destacado.
Filmes como este não deixam de ser significativos ao refletirem um sentimento de desconforto e insatisfação, mas, ao mesmo tempo, pecam pela ausência de uma reflexão que coloque o espectador diante das causas de tanta deformação. Eis o ser humano exposto de forma cruel, a fim de ressaltar que o primitivismo não foi abandonado e que a violência mais irracional é o fator que impera. O mais interessante se encontra no uso das perucas, como se os personagens estivesses na corte e não num lugarejo perdido e no qual aquele ornamento é a expressão de um mundo dominado pelo desejo de tornar a aparência algo essencial. É quando a cineasta focaliza o ser humano tornado escravo dos rituais. E há também o livro que está sendo escrito. O perigo maior parece estar neste gesto que poderá ser capaz de se transformar em agente ameaçador. Mas são temas que surgem e depois são abandonados por uma narrativa que propositadamente se afasta do essencial. Há sempre, em cada plano e em cada sequência, o desejo de fazer da narrativa um desenrolar de fatos que parecem desconectados. Ao recusar o espetáculo, Lucrecia Martel perde a oportunidade que cineastas como Coppola e Pontecorvo não perderam, ao transformar em dramas cinematográficos a marcha do colonialismo e a engrenagem que fez a civilização se movimentar e o ser humano se transformar em prisioneiro de suas próprias leis.
 
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