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- Publicada em 01 de Abril de 2018 às 21:23

'Brasil precisa gastar R$ 50 bilhões para ter escolas dignas'

Para Daniel Cara, União investe o mínimo para dizer que as coisas estão sendo feitas, quando não estão

Para Daniel Cara, União investe o mínimo para dizer que as coisas estão sendo feitas, quando não estão


/FREDY VIEIRA/JC
Isabella Sander
Há 12 anos coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o educador Daniel Cara esteve em Porto Alegre no final de março para um debate na Assembleia Legislativa. No evento, apontou formas de garantir a qualidade da educação no Brasil, sinalizando que a oferta de um bom ensino público, com laboratórios, prédios, salas de aula e formação pedagógica adequada, custaria cerca de R$ 50 bilhões anuais à União, além do montante já aplicado, inseridos no Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi). O recurso representa 1,43% do orçamento aprovado para 2018 pelo governo federal, de R$ 3,5 trilhões.
Há 12 anos coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o educador Daniel Cara esteve em Porto Alegre no final de março para um debate na Assembleia Legislativa. No evento, apontou formas de garantir a qualidade da educação no Brasil, sinalizando que a oferta de um bom ensino público, com laboratórios, prédios, salas de aula e formação pedagógica adequada, custaria cerca de R$ 50 bilhões anuais à União, além do montante já aplicado, inseridos no Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi). O recurso representa 1,43% do orçamento aprovado para 2018 pelo governo federal, de R$ 3,5 trilhões.
Jornal do Comércio - Quais os principais desafios para a educação brasileira?
Daniel Cara - O fundamental são duas questões. A primeira é que o Brasil tem uma lógica, em termos de política educacional, que faz com que a educação fique a serviço da economia, assim como os demais direitos sociais. Quando a economia vai mal, se faz um corte que inviabiliza esses direitos. A experiência de países que se desenvolveram é que é preciso fazer uma intersecção entre direitos sociais e economia, para que a economia favoreça direitos sociais. Infelizmente, desde a Constituição de 1988 nenhum governo conseguiu colocar os direitos sociais à frente da economia. A segunda questão é como fazer com que a educação se torne prioridade no País. Para isso, além do orçamento público, é necessário fazer com que educadores e pedagogia dominem o debate educacional. O problema hoje é que o debate público é comandado por pessoas que não estudam educação e desconhecem a escola pública, aí se colocam ideias completamente alheias à realidade da escola pública, o que gera políticas descontextualizadas. (O presidente Michel) Temer anunciou, por exemplo, que 40% das matrículas do Ensino Médio poderão ser em ensino a distância, o que é uma monstruosidade, porque o ensino a distância exige uma autonomia intelectual que os nossos alunos não têm. Imagina essa qualidade que temos, sendo ofertada a distância? O intuito é vender ferramentas de ensino a distância e tirar o peso de professores, porque se contratarão tutores, e não professores.
JC - De que modo a economia pode favorecer os direitos sociais?
Cara - É preciso ter uma política econômica orientada para a população, pautada no interesse de todos os brasileiros. Isso significa que é preciso retomar a industrialização. Uma indústria precisa de educação e saúde: educação por conta do desenvolvimento tecnológico necessário para promover avanços e saúde para garantia de qualidade de vida e de permanência no mundo do trabalho. Essa é a agenda social democrata dos países desenvolvidos no pós-Segunda Guerra Mundial. Essa agenda tem sido completamente desconstruída no mundo todo, mas no Brasil mais, porque nunca se industrializou - começou a se industrializar, mas parou durante a ditadura. Precisamos de um programa completamente vinculado ao interesse social, e disso decorre educação, a sustentabilidade. É possível crescer com energia limpa, mas para isso se precisa de tecnologia de ponta. O Brasil tem o costume de fazer políticas desconectadas. É preciso fazer um projeto nacional, para haver intercomunicação entre direitos sociais e economia, e o orçamento público tem que mostrar isso. Para se ter uma ideia, o governo federal, para fazer dar certo a educação, com escolas e ensino adequados, capazes de fazer o aluno aprender, precisaria investir R$ 50 bilhões a mais em educação básica (através do CAQi). A lei orçamentaria anual do ano passado, que só vetou um artigo, que previa R$ 1,5 bilhão a mais para a educação (para o Fundo de Manutenção do Ensino Básico), determinou um volume de R$ 3,5 trilhões. Então, R$ 50 bilhões dá cerca de 0,15% do orçamento da União (pelos cálculos da reportagem, é 1,43%). O Rio Grande do Sul precisaria de R$ 3 bilhões, considerando a necessidade de melhorar as escolas atuais e construir novas unidades. Não é possível que não seja factível direcionar esse valor para tornar escolas dignas.
JC - Como a educação afeta o crescimento econômico do Brasil?
Cara - Crescimento econômico não se gera do nada, para isso deve-se criar conhecimento, que é o centro da política de educação. Em 2060, o Brasil terá a maioria da população composta por idosos, e até mesmo para o sistema previdenciário o melhor seria investir em educação, porque com o investimento, os jovens seriam uma geração extremamente produtiva. Infelizmente, hoje estão estudando em escolas de péssima qualidade, e a reforma no Ensino Médio alimenta essa má qualidade, porque é ruim. A decisão de Temer de congelar gastos com a educação por 20 anos, a reforma do Ensino Médio e a reforma trabalhista dão péssimas condições de competitividade, e isso precisa ser debatido, porque vão na contramão da industrialização e tornam a renda média do País baixíssima. E não é só uma posição minha, hoje muitos economistas ortodoxos dizem que estamos entrando na armadilha do salário médio baixo. As pessoas, muitas vezes, dizem que o investimento em direitos sociais dos últimos anos foi suficiente, mas não foi, porque eles precisavam de mais tempo para dar resultado. Educação até dá resultado rápido, mas, para se tornar sustentável, não se pode ficar no primeiro espasmo de avanço.
JC - Mesmo o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, conhecido por avanços sociais, não proporcionou a industrialização?
Cara - O governo Lula foi ditado por gigantes empresariais, que agora estão caindo na Operação Lava Jato. Quero deixar claro que eles têm que cair, pois não se deve permitir impunidade para atos de corrupção, mas você tem que achar uma forma de punir o indivíduo, e não a empresa, porque aí você pune o trabalhador. O governo Lula investiu nos gigantes nacionais, hoje maculados pela corrupção, mas você não gera industrialização só com gigantes, não é só criando gigantes que nos tornamos competitivos. Não adianta ter dois ou três grandes jogadores e o resto do time mediano, que você não será campeão mundial. Lula investiu em políticas importantes, inclusive na educação, com a formação superior e o ensino técnico, mas foi um governo extremamente falho, no sentido de ditar rumos na educação básica. Ele se preocupou em responder à população, que pedia melhorias no ensino superior e no técnico, mas não pensou nos rumos do ensino, definidos na educação básica.
JC - Sobre a segunda questão que o senhor apontou, qual seria a mudança se educadores participassem mais das decisões pedagógicas?
Cara - A Base Nacional Curricular Comum (BNCC) não sairia como saiu, por exemplo. Saiu conteudista, apostando em uma educação antiquada, que Anísio Teixeira e Paulo Freire diriam que é falida, porque não tem resultado pleno. Também não haveria essa proposta de atualização para até 40% do Ensino Médio a distância. As propostas de Temer não são de um projeto pedagógico, e sim para baratear o custo, investir o mínimo para dizer que as coisas estão sendo feitas, quando não estão. Quando tive contato com o Ministério de Educação finlandês, perguntei como eles tinham desenvolvido seu sistema de ensino. A representante que lá estava olhou para mim e disse: "é estranho um brasileiro perguntar isso, porque basicamente implementamos as ideias do Paulo Freire". Fiquei impressionado. Ela disse também que no debate sobre educação integral e estrutura curricular, eles discutem muito o Anísio Teixeira. A Finlândia defende que o aluno só aprenda quando quer, e que o educador deve fazer o aluno querer aprender. Também estabelece que o aluno deve ser feliz no processo de ensino e aprendizagem e deve ter seu ensino pautado para seu desenvolvimento como indivíduo e cidadão. Na escola antiga o estudante também aprendia, mas por estímulos da família e pela necessidade de construir uma história bem-sucedida, e mesmo assim não eram todos os alunos que tinham essa vontade, tanto é que a escola era considerada boa, mas excludente. Quando a política de educação tem que ser para todos, como está escrito na Constituição, o desafio é fazer com que todos aprendam.
 
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