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JC Logística

- Publicada em 06 de Março de 2018 às 21:16

'Temos que cuidar da água desde a infância'

Paulo Salles, diretor presidente da Adasa do DF, preside o Fórum Mundial da Água

Paulo Salles, diretor presidente da Adasa do DF, preside o Fórum Mundial da Água


/AGÊNCIA BRASÍLIA/DIVULGAÇÃO/JC
Formado em Ciências Biológicas pela Universidade de Brasília e doutor em Ecologia pela University of Edimburg, na Escócia, e diretor-presidente da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa), o professor Paulo Salles é um dos organizadores do Fórum Mundial da Água, que ocorrerá na capital federal, entre os dias 18 e 23 de março. Para ele, receber um evento desse porte dá ao Brasil uma oportunidade única de trocar experiências e aprender a cuidar melhor da água. Crítico severo do desperdício, o professor lembra que "a água não é um elemento do meio ambiente como nós sempre consideramos; na verdade ela é parte da economia, da política, da organização das instituições e nós não percebíamos isso porque ela não faltava". O biólogo conversou com a Agência Brasil sobre o fórum e a crise hídrica enfrentada pelo Distrito Federal, que convive com racionamento há mais de um ano.
Formado em Ciências Biológicas pela Universidade de Brasília e doutor em Ecologia pela University of Edimburg, na Escócia, e diretor-presidente da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa), o professor Paulo Salles é um dos organizadores do Fórum Mundial da Água, que ocorrerá na capital federal, entre os dias 18 e 23 de março. Para ele, receber um evento desse porte dá ao Brasil uma oportunidade única de trocar experiências e aprender a cuidar melhor da água. Crítico severo do desperdício, o professor lembra que "a água não é um elemento do meio ambiente como nós sempre consideramos; na verdade ela é parte da economia, da política, da organização das instituições e nós não percebíamos isso porque ela não faltava". O biólogo conversou com a Agência Brasil sobre o fórum e a crise hídrica enfrentada pelo Distrito Federal, que convive com racionamento há mais de um ano.
Brasília vai sediar o Fórum Mundial da Água em um momento em que o Distrito Federal passa por uma grave crise hídrica. Isso é bom ou é ruim?
Paulo Salles - Na verdade, isso é muito bom porque o fórum é um grande evento e Brasília não foi escolhida por acaso. Além de ser a capital do País, Brasília tem muita água - dizem que 12% de toda água doce do mundo está no Brasil - e nós estamos em um momento muito significativo, um momento de muito aprendizado, que significa duas coisas: primeiro, compreender que estamos vivendo um período difícil para o planeta inteiro e estamos aprendendo isso agora porque, antes, a crise hídrica era localizada, com seca aqui, inundação ali, agora, estamos vendo todos os países com problemas relacionados à água. E a outra coisa que estamos aprendendo é que a crise hídrica nos mostra que a água faz parte de praticamente todas as atividades humanas. A água não é um elemento do meio ambiente como nós sempre consideramos; na verdade, ela é parte da economia, é parte da política, da organização das instituições, de muitos outros fatores que nós não percebíamos porque ela não faltava. É a falta d'água que nos mostra a importância que tem nas nossas vidas. Temos que aprender a produzir mais com menos água e a poupar com muita sabedoria desde cedo, desde a infância, para que a gente possa, no futuro, ter pessoas com uma qualidade de vida boa mesmo com menos água.
A maneira como Brasília está encarando essa crise hídrica pode ser considerada positiva para o fórum?
Salles - Os habitantes de Brasília não estavam habituados a isso, porque nós nunca tínhamos passado por uma crise hídrica severa. E nós estamos nos adaptando a ela, já percebemos pelas medições que estamos consumindo muito menos água - de 16% a 17% - do que consumíamos nos anos anteriores. Aprendemos a viver um dia de racionamento a cada seis dias, mas isso é um acontecimento que faz parte do cotidiano dos nordestinos que tem muito menos água do que nós. No Nordeste, o racionamento é um dia com água para 15 sem água. Então, estamos aprendendo a lidar com uma realidade que já existe por aí e estamos aprendendo bem.
Uma das críticas que se ouve dos especialistas é o uso no Brasil da água tratada para finalidades que não precisariam de água potável, como a lavagem de máquinas, por exemplo...
Salles - Sem dúvida. Esse é um problema a ser atacado. É inaceitável lavar o chão com a água que a gente bebe, porque essa água custa caro e sua finalidade é o abastecimento humano. Temos que aprender a usar a água da chuva, temos que aprender a reutilizar a água usada seja na indústria, na agricultura ou nas atividades domésticas. São mudanças de hábitos culturais que se refletem também na mudança da infraestrutura que temos nas nossas casas, nas nossas indústrias, no campo, para a que a gente possa distinguir as tubulações de água potável daquelas de água não potável e fazer o uso adequado das duas.
O senhor acha que o mundo demorou muito para se dar conta do problema da escassez de água?
Salles - Em primeiro lugar, com relação ao Brasil, temos que ver que é um país muito heterogêneo e a distribuição da água é muito desigual. Temos uma Região Norte com uma população relativamente pequena e uma grande abundância de água. Já a Região Nordeste tem uma população bem maior e muito menos água. Então, temos regiões com diferentes disponibilidades e são essas diferenças que vão levando ao aprendizado. No caso específico de Brasília, não sei se estamos atrasados. Temos que lembrar que Brasília foi escolhida para ser a capital a partir dos estudos da Missão Cruls que descreviam esta região como sendo muito rica em água - naturalmente eles tinham mais limitações tecnológicas para avaliar o subsolo - e foi considerada capaz de receber a nova capital com segurança. Com o tempo, nós fomos percebendo que não tínhamos tanta água assim, particularmente porque estamos situados no Planalto, que não tem rios caudalosos. Então, fomos colocados aqui num lugar que era para ser sustentável - e Brasília nasceu sob o signo da sustentabilidade, muito bem planejada, num local escolhido com o que havia de melhor da tecnologia tanto no século 19 quanto na década de 1950, que antecedeu a fundação. E agora nós estamos vivendo com a água que temos. Demoramos a sentir os efeitos da falta d'água, apesar do crescimento da população que foi muito grande, apesar da ocupação que foi feita de modo desordenado - note que eu não estou falando só de ocupação ilegal. Mesmo nas áreas que estavam previstas, as ocupações não foram feitas respeitando, por exemplo, o local onde seria colocada uma escola, uma rede de esgoto, uma rede de drenagem de águas pluviais. Essas coisas desordenadas estão também entre as causas da crise hídrica que estamos vivendo. Agora cabe fazermos uma boa gestão da água que temos, preservando aquilo que é necessário para o ciclo hidrológico continuar funcionando com eficiência. Isso significa preservar as matas, as áreas de recarga, as áreas que precisam ser mantidas como nascentes.
O Brasil tem essas diferenças regionais, que exigem soluções diversas para cada área geográfica. Isso não daria ao Brasil a oportunidade de se tornar uma espécie de laboratório na busca de soluções para os problemas?
Salles - Não tenho dúvida de que isso já está acontecendo. Por exemplo, temos a Embrapa, que é uma liderança mundial em agricultura tropical, que transfere tecnologia para muitos outros países, inclusive para que plantas possam se adaptar aos diversos tipos de solo e disponibilidade de água. Eu acredito que esse é um papel que nós temos que assumir e de maneira permanente, porque é muito importante investir no povo que tem criatividade, investir fundamentalmente na educação, porque é uma educação científica e ambiental que levará o Brasil a ter no futuro adultos conscientes em relação ao uso responsável da água. Compreender o ciclo hidrológico, saber como usar a água nas suas atividades e, principalmente, entender as consequências negativas do uso irracional, é fundamental. O Brasil tem muita água, muita gente de qualidade, tem uma infraestrutura de pesquisa e desenvolvimento tecnológico já bem assentado. Agora, precisamos investir para continuar a ser referência.
 
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