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Opinião

- Publicada em 15 de Fevereiro de 2018 às 13:45

O Carnaval como espaço de reflexão social e política

As escolas campeã e vice-campeã do Carnaval carioca em 2018, a veterana Beija-Flor e a Paraíso do Tuiuti, novata no grupo especial, têm enredos intimamente ligados em seu teor - ambos falam de como uma parcela da população brasileira permanece com sua humanidade não reconhecida e, de certa forma, do papel que a corrupção e a sede de poder têm para perpetuar essa situação. Foram reconhecidas pelos jurados, que avaliaram a beleza das alegorias e dos sambas-enredo, e pelo público, que festejou, principalmente nas redes sociais, o forte componente político dos dois desfiles. No caso da Beija-Flor, o enredo intitulado "Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu" retratou boa parte das antigas e atuais mazelas que impedem que o País consolide uma posição de relevância no mundo: desde os mais recentes escândalos envolvendo empreiteiros e políticos, e a Petrobras, à violência que dilacera as populações diretamente tocadas pelo tráfico de drogas; e ainda a intolerância religiosa e de gênero, que têm dado a tônica aos crescentes crimes de ódio cometidos no País.
As escolas campeã e vice-campeã do Carnaval carioca em 2018, a veterana Beija-Flor e a Paraíso do Tuiuti, novata no grupo especial, têm enredos intimamente ligados em seu teor - ambos falam de como uma parcela da população brasileira permanece com sua humanidade não reconhecida e, de certa forma, do papel que a corrupção e a sede de poder têm para perpetuar essa situação. Foram reconhecidas pelos jurados, que avaliaram a beleza das alegorias e dos sambas-enredo, e pelo público, que festejou, principalmente nas redes sociais, o forte componente político dos dois desfiles. No caso da Beija-Flor, o enredo intitulado "Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu" retratou boa parte das antigas e atuais mazelas que impedem que o País consolide uma posição de relevância no mundo: desde os mais recentes escândalos envolvendo empreiteiros e políticos, e a Petrobras, à violência que dilacera as populações diretamente tocadas pelo tráfico de drogas; e ainda a intolerância religiosa e de gênero, que têm dado a tônica aos crescentes crimes de ódio cometidos no País.
A Paraíso do Tuiuti, com seu enredo "Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?", aludiu aos 130 anos da assinatura da Lei Áurea (1888) e fez a ponte entre esse fato histórico e a realidade do povo negro no Brasil de hoje: é a maioria da população carcerária, a parcela da população que mais morre em ações policiais, e a que segue com piores condições e salários no mercado de trabalho, e menos acesso à educação. Somaram-se a essa reflexão críticas à reforma trabalhista aprovada pelo Congresso Nacional no ano passado, e a tese de que os brasileiros que protestaram contra os governos do PT foram, na verdade, fantoches manipulados por quem não queria, de fato, o fim da corrupção, mas apenas uma troca no comando da máquina do Estado, que continua abrigando e alimentando as mesmas práticas espúrias.
O caráter político desses dois desfiles, destoantes do "samba-exaltação" que é marca de tantos Carnavais, reabre um debate: deveria o Carnaval ser palco de discussão e reflexão política e social? Ou "brincar" o Carnaval demanda necessariamente uma pausa no que nos aflige, havendo espaço somente para a alegria e até o hedonismo tão presente nos blocos de rua? É importante lembrar que a crítica social, ainda que rara, não é nova no espaço do sambódromo: já em 1989, o carnavalesco Joãosinho Trinta levou à avenida, pela mesma Beija-Flor, mendigos, bêbados e crianças de rua, no enredo "Ratos e urubus, larguem minha fantasia". Sua pretensão de retratar o Cristo Redentor no meio da favela, frustrada pela censura da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, converteu-se em nova ousadia, pois o mesmo Cristo apareceu coberto por um saco preto de lixo que ostentava a frase: "mesmo proibido, olhai por nós".
Nos tempos de transformação e contestação pelos quais novamente passamos, é quase impossível que a realidade não contagie a arte. Isso acontece não só no Carnaval brasileiro, mas em espaços como o cinema de Hollywood, onde grupos historicamente sub-representados, como os não brancos e as mulheres, lutam contra a desigualdade salarial e o assédio sexual, e têm cada vez mais importância na produção cinematográfica.
Quando os sambas-enredo, que frequentemente existem para agradar a seus patrocinadores, veem-se livres desse "rabo preso", ganham uma relevância reconhecida pelo público e dão voz a quem tradicionalmente faz o Carnaval acontecer: os moradores das comunidades, o próprio povo autorrepresentado na avenida, em sua realidade. Concordando ou discordando da crítica realizada, reconhece-se que a arte deve, sim, ser um campo aberto à livre reflexão, em todas as suas expressões.
 
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