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Teatro

- Publicada em 19 de Fevereiro de 2018 às 12:42

A grande dramaturgia de Julio Conte

Outra estreia importante ocorreu no recém-encerrado Porto Verão Alegre. Desta vez, foi a nova peça de Julio Conte, dirigida por ele próprio, Latidos, que coloca em cena mãe e filha, à mesa de um café da manhã, poucos dias depois da morte do marido e pai. No papel da mãe, Nora Prado, que retorna a Porto Alegre com toda a força, e no da filha, Catharina Conte - aliás, filha do diretor, e que aqui encontra um belo espaço para exercitar suas capacidades.
Outra estreia importante ocorreu no recém-encerrado Porto Verão Alegre. Desta vez, foi a nova peça de Julio Conte, dirigida por ele próprio, Latidos, que coloca em cena mãe e filha, à mesa de um café da manhã, poucos dias depois da morte do marido e pai. No papel da mãe, Nora Prado, que retorna a Porto Alegre com toda a força, e no da filha, Catharina Conte - aliás, filha do diretor, e que aqui encontra um belo espaço para exercitar suas capacidades.
O enredo, ao longo de uma hora de diálogo duro, agudíssimo e de constantes quebras de humor nos apresenta uma jovem adolescente que traz a frustração da distância da mãe e o envolvimento com o pai, que acaba de morrer, e a quem ela assiste em seus últimos meses. Do outro lado, a mãe, profissional liberal plenamente realizada, que sofre os ataques da filha e que, em algum momento, começa a contar sua própria versão da relação do antigo casal, desmistificando a imagem do antigo marido e pai idealizado.
Julio Conte produziu, com este texto, certamente, seu trabalho mais maduro e bem resolvido. A metáfora do cachorro, que inclusive ajuda na titulação da peça, é um grande achado e o final da mesma é um momento brilhante. Acho que Conte ainda poderá rever seu texto, com distanciamento, e talvez reavaliar algumas frases do desfecho, para não escorregar no melodramático desnecessário. Mas a solução final, para o fechar da cortina, evidencia que Conte é um dramaturgo, constatação, aliás, que neste texto, se afirma desde a primeira fala da mãe: aquela coisa de ligar para a empregada para saber onde estão os guardanapos de linho é outra sacada oportuna, porque desde logo, trazendo a ação dramática in media res, quer dizer, no meio dos acontecimentos (a morte já ocorreu e estamos no dia seguinte) o dramaturgo cria imediatamente o clima e estabelece a empatia da personagem com o público.
É claro que, para alcançar um bom resultado, o dramaturgo precisou do diretor. E como o diretor é também o dramaturgo, a visão de Fernanda Moreno, enquanto assistente de direção, deve ter ajudado. A cenografia meticulosa de Juliana Beltrami, os figurinos bem escolhidos de Fernanda Bastos Vieira - permitindo um tom de aparente desleixo da filha e de esmerada elegância na mãe - e as interpretações seguras de Nora Prado e Catharina Conte garantiram a concretização do espetáculo potencialmente existente no texto do dramaturgo. O diálogo flui com naturalidade, há algumas observações e algumas frases que certamente muitos de nós vamos reconhecer: ah, eu já disse ou já ouvi isso lá em casa, um certo dia... e isso ocorre exatamente porque Julio Conte alcançou, com este trabalho, aquele desafio que vem perseguindo há anos: a partir de suas experiências de consultório psicanalítico, trazer para a cena o cotidiano da vida brasileira. Desta vez, ele acertou em cheio, encontrou o tom certo, criou o clima exato: não tem nada sobrando, não tem nada faltando. As eventuais quebras de tonalidade, passando do drama para a comicidade, estão bem dosadas e ocorrem na hora certa. A sequência final, num primeiro momento cômica, logo se revela absurda, e neste sentido, trágica. Afinal, o que descobrimos é que, para se tornarem humanas, as duas personagens precisaram se aproximar do cãozinho que centralizava uma de suas disputas. É num belo achado e evidencia o bom domínio do material dramático trabalhado pelo autor.
A direção, do mesmo modo, acertou a mão. A cena se desenvolve com ritmo e naturalidade, nada está forçado. O ritmo do espetáculo está afinado (e para uma noite de estreia, isso é significativo): mesmo quando uma das atrizes perdia a sequência da fala, logo encontrava sua continuidade, porque o texto estava bem introjetado, de modo que não era uma fala decorada, mas um sentimento apropriado da personagem e transformado em seu próprio sentimento (da intérprete).
Valeu o espetáculo contido, tenso, duro e emocionado, que prendeu a atenção de todos, apesar do enorme calor da Sala Álvaro Moreyra.
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