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Diversidade de gênero

- Publicada em 26 de Janeiro de 2018 às 15:32

Trans pedem melhorias no atendimento à saúde

Para Marcelly, é constrangedor travesti ser chamada por seu nome civil em um posto de saúde

Para Marcelly, é constrangedor travesti ser chamada por seu nome civil em um posto de saúde


FREDY VIEIRA/JC
Sob os olhos da sociedade, restam invisíveis os problemas e constrangimentos das pessoas trans em situações cotidianas, como a busca por atendimento em saúde. Em seminário alusivo ao Dia da Visibilidade Trans, celebrado hoje, representantes de entidades governamentais e não governamentais apontaram questões ainda deficitárias, como a falta de treinamento de profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) para lidar com essa parcela da população e o desrespeito que ainda ocorre ao uso do nome social.
Sob os olhos da sociedade, restam invisíveis os problemas e constrangimentos das pessoas trans em situações cotidianas, como a busca por atendimento em saúde. Em seminário alusivo ao Dia da Visibilidade Trans, celebrado hoje, representantes de entidades governamentais e não governamentais apontaram questões ainda deficitárias, como a falta de treinamento de profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) para lidar com essa parcela da população e o desrespeito que ainda ocorre ao uso do nome social.
Uma das precursoras do ativismo travesti no Estado, Marcelly Malta, da Associação de Travestis e Transexuais do Rio Grande do Sul (Igualdade RS), conta que foi servidora na área de saúde durante 37 anos e, nesse tempo, percebia o desconhecimento das próprias travestis sobre sua saúde. "Elas me pediam aplicações de benzetacil achando que evitava a sífilis. Eu, mesmo formada e com mais conhecimento, dava", relata.
A injeção de penicilina benzatina (benzetacil) cura a sífilis, mas não a previne. Um problema encontrado, segundo Marcelly, é o local onde a dose é aplicada - no braço pode gerar sequelas, pois a agulha é muito grossa, e nas nádegas, muitas vezes, não é possível aplicar, devido à presença de silicone nas travestis. "Perguntei qual era o problema de aplicar tendo silicone, se já houve casos de morte, e ninguém soube me responder. Faltam pesquisas nessa área", avalia.
Quando pede em um posto de saúde para ser chamada por seu nome social, nem sempre a travesti é atendida em seu pedido, conforme a ativista. "Colocam bem pequenininho o nome social e a pessoa acaba chamando a menina de 'José Carlos', ou algo do tipo. Gera um constrangimento", explica Marcelly. Outro transtorno é quando a travesti precisa de internação e é colocada na ala masculina, junto a dezenas de homens. "Para nós incomoda, porque como ela vai ser vista por aqueles homens?", critica.
A formação para profissionais de saúde precisa ser constante, na opinião da ativista, para que se renove conforme o quadro de funcionários é renovado. Leonardo Flores, do coletivo Homens Trans em Ação, concorda. "Se me chamassem pelo meu nome civil eu brigaria com a pessoa, seria rude, porque a pessoa estaria sendo rude comigo. Tem guris do nosso coletivo que fazem o tratamento pelo SUS e acabaram indo embora", relata. 

Maioria dos homens transexuais já pensou em suicídio

Ao contrário das mulheres trans e travestis, que vivem amedrontadas pelos altos índices de assassinatos dessa população (de acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais, em 2017, 179 foram mortas), os homens trans sofrem mais com os suicídios, de acordo com Leonardo Flores.
Em pesquisa promovida pelo coletivo, 90% dos integrantes ouvidos já pensaram em suicídio ou mesmo tentaram tirar a própria vida. "O tempo de espera para fazer a cirurgia de transição é longo, leva de dois a três anos para conseguir. Nesse tempo, muitos ficam com depressão ou desistem da espera e começam a tomar remédios por conta própria", informa.
Flores conta que é difícil obter atendimento para transição de gênero mesmo para quem tem plano de saúde ou se dispõe a pagar um tratamento particular. "Quatro médicos me negaram atendimento, até que eu achei um que aceitou. Depois disso, procurei atendimento para fazer um exame no meu útero e o médico responsável disse que não se sentia à vontade de examinar uma pessoa que se identificava como homem", comenta.
A fita usada pelos homens trans para que o seio não apareça só pode ser usada durante quatro a cinco horas por dia, segundo o ativista. Porém, a grande maioria usa por mais tempo, o que causa lacerações no mamilo e na pele, o que dificulta, posteriormente, cirurgias. "Eu usava até para dormir, porque aquilo me incomodava. Normalmente é o que mais incomoda os homens trans, porque é o mais aparente", ressalta.
O tempo de espera para a cirurgia de retirada das mamas, no entanto, costuma ser até mais longo do que o da intervenção no órgão sexual. Enquanto a cirurgia de redesignação sexual leva pelo menos dois anos para ocorrer, a mamoplastia no SUS pode ser aguardada entre cinco e seis anos.
Flores conta que só foi a ginecologista três vezes na vida, porque a situação a deixa desconfortável. "Eles não estão preparados para lidar com homens trans, e deveriam, até porque muitos de nós querem ter filhos biologicamente", enfatiza. O ativista revela, ainda, que faltam pesquisas científicas a respeito dos efeitos do uso da testosterona, como, por exemplo, o aumento do colesterol. 

Capital tem um dos cinco hospitais do País que fazem cirurgia pelo SUS

Representando o único local onde é possível fazer cirurgia de redesignação sexual no Rio Grande do Sul, o psicólogo Dhiordan Cardoso, do Programa Transdisciplinar de Identidade de Gênero (Protig), avalia que a principal dificuldade do serviço, localizado no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) é a saturação: o SUS autoriza a realização de duas cirurgias por mês no local, uma para cada gênero, mas mensalmente 16 pessoas (oito homens e oito mulheres) procuram o serviço. Apenas cinco hospitais em todo o no Brasil realizam as cirurgias pelo sistema público de saúde.
O tempo de espera de ao menos dois anos para fazer a cirurgia se deve, além da alta demanda pelo procedimento cirúrgico, à necessidade de acompanhamento psicológico e psiquiátrico e do tratamento prévio com hormônios que devem ser feitos. Há uma preocupação, ainda, com o envolvimento das famílias no processo. "Os grandes desafios são continuar e ampliar o atendimento, intervir em aspectos emocionais do paciente e, em rede, aplicar a prevenção ao HIV na saúde integral", enumera Cardoso. Cerca de 25% dos usuários do serviço têm HIV positivo.