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Teatro

- Publicada em 25 de Janeiro de 2018 às 23:44

Revelação dramática oportuna

O espetáculo escolhido para abrir o Porto Verão Alegre de 2018 é uma obra verdadeiramente digna de inaugurar um grande festival. O texto Pequeno trabalho para velhos palhaços, do escritor e dramaturgo romeno Matei Visniec, naturalizado francês desde 1987, quando deixou a ditadura de Ceasescu, devolve ao teatro o domínio da palavra. Neste sentido, ele é um dramaturgo conservador. Mas quem consulta sua dramaturgia - pelo menos 15 de suas obras dramáticas estão traduzidas e editadas no Brasil, embora este texto não o esteja e depende, pois, de traduções de serviço, utilizadas pelos grupos teatrais quando se interessam por um texto dramático - logo tem sua atenção provocada por três questões: títulos longos, discursivos, alusões a outros dramaturgos e evidente ironia das expressões.
O espetáculo escolhido para abrir o Porto Verão Alegre de 2018 é uma obra verdadeiramente digna de inaugurar um grande festival. O texto Pequeno trabalho para velhos palhaços, do escritor e dramaturgo romeno Matei Visniec, naturalizado francês desde 1987, quando deixou a ditadura de Ceasescu, devolve ao teatro o domínio da palavra. Neste sentido, ele é um dramaturgo conservador. Mas quem consulta sua dramaturgia - pelo menos 15 de suas obras dramáticas estão traduzidas e editadas no Brasil, embora este texto não o esteja e depende, pois, de traduções de serviço, utilizadas pelos grupos teatrais quando se interessam por um texto dramático - logo tem sua atenção provocada por três questões: títulos longos, discursivos, alusões a outros dramaturgos e evidente ironia das expressões.
Por exemplo, Cuidado com as velhinhas carentes e solitárias; ou A palavra progresso na boca de minha mãe soava terrivelmente falsa; ou, ainda, Da sensação de elasticidade quando se marcha sobre cadáveres etc. Este Pequeno trabalho para velhos palhaços já foi montado no Rio de Janeiro, no início da temporada de 2017, com um título um pouco diferente do adotado aqui. Na verdade, o original francês é Petit bulot pour vieux clowns - ao pé da letra, Pequena saída para velhos palhaços -, título muito mais esclarecedor do que ocorre na peça, ao longo da pouca hora e meia de duração do espetáculo, admiravelmente personificado por Arlete Cunha, Sandra Dani e Zé Adão Barbosa, sob a direção de Adriane Mottola, que, certamente, enfrentou um grande desafio, sobretudo porque pode-se ler a peça enquanto duas peças: na primeira parte, temos um grande e reiterado diálogo entre dois velhos palhaços que atendem a um anúncio de emprego publicado por um jornal (Sandra Dani e Arlete Cunha).
Neste sentido, Visniec filia-se à tradição do teatro do absurdo de seu conterrâneo Eugène Ionesco, também romeno e também naturalizado francês (como ele, Visniec escreve em francês e depois verte para o romeno), e Samuel Beckett, cuja dramaturgia, aliás, refere explicitamente em uma de suas peças, não por um acaso, aquela sobre Godot. Mas Visniec liga-se à tradição do humor negro do Leste europeu; confessa ter sofrido influências, na dramaturgia, de Anton Tchekov (certa nostalgia do passado, ainda que visto sob uma perspectiva crítica) e da pintura surrealista (chegou a se iniciar nesta arte, aliás, conforme revela em entrevista à revista brasileira Cult).
Na segunda parte, após a chegada do terceiro palhaço (Zé Adão Barbosa), o espetáculo ganha outro ritmo e outra conformação, porque todos os três passam a apresentar sua arte, até que um deles, de certo modo, e ainda que involuntariamente, termina por encontrar aquela "saída" referida no título original, e que dá sentido à obra, mesmo que seja uma saída radical e definitiva.
Quem busque divertimento, desista da peça. Quem procure riso fácil, não assista ao espetáculo. Mas quem queira um trabalho sério, inteligente e, sobretudo, crítico sobre a contemporaneidade, com inúmeras referências ao contexto atual, não só brasileiro quanto mundial, encontrará prato cheio. Matei Visniec tem senso de humor, ironia e sentido de observação. A direção de Adriane Mottola não teve medo de respeitar o ritmo lento previsto na primeira parte do espetáculo, que se apoia fortemente em constantes jogos de palavras e de cena, para depois projetar-se numa representação mais célere e jocosa. Os três intérpretes cumprem suas funções admirável e respeitavelmente.
Apesar de toda a imensa lista de papéis que cada um personificou, não tenho medo em dizer que este foi um dos momentos mais importantes para cada um deles. Exatamente porque lhes exige o máximo por trás de uma aparente facilidade de identificação. Três palhaços que se vestem exatamente iguais, que aparentam ser exatamente iguais, mas que, na verdade, são, sim, semelhantes a cada um de nós, seus espectadores. Eles são nossos símiles: seus comportamentos são os nossos comportamentos. Suas grandezas e suas fraquezas são nossas fraquezas e grandezas, de humanidade, apenas. De todas as estreias promovidas pelo Porto Verão Alegre (esta é a terceira), sem dúvida, este é o trabalho mais significativo até aqui apresentado. Revela um dramaturgo, que é novo para nós. Mas que é importante e por isso deveria ser conhecido, como passa a ocorrer a partir de agora.
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