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Teatro

- Publicada em 21 de Dezembro de 2017 às 22:46

Renovação do musical

Cinderella teve sessões neste mês Theatro São Pedro

Cinderella teve sessões neste mês Theatro São Pedro


VICTOR MIRANDA/DIVULGAÇÃO/JC
A versão em que se basearam Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II para criar Cinderella é a de Charles Perrault. Por seu lado, o libretista Douglas Carter Beane, que redigiu o texto original, revisou-o e modernizou-o para a versão de 2013. É esta a versão que Cláudio Botelho traduziu e adaptou para o espetáculo brasileiro, distanciando-se em parte do roteiro original para criá-lo dentro do espírito do libreto original, mas ligado ao contexto nacional, sob dois aspectos: uma linguagem mais informal e coloquial, como é comum aos brasileiros; e algumas referências à situação político-institucional brasileira. Assim, Cinderella, dividida em dois atos, de certo modo vincula-se a duas diferentes propostas estéticas: na primeira, mais ligada ao conto original, acaba apresentando alguns estranhamentos de linguagem que desnorteiam o espectador adulto mais crítico, sobretudo a partir dos comentários de Sebastian, personagem politicamente incorreto, que funciona como uma espécie de Primeiro-Ministro e tutor do príncipe Topher, vivido com encanto por Bruno Narchi. Já no segundo ato, definida a linha conceitual do espetáculo, o trabalho se desenvolve com maior naturalidade.
A versão em que se basearam Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II para criar Cinderella é a de Charles Perrault. Por seu lado, o libretista Douglas Carter Beane, que redigiu o texto original, revisou-o e modernizou-o para a versão de 2013. É esta a versão que Cláudio Botelho traduziu e adaptou para o espetáculo brasileiro, distanciando-se em parte do roteiro original para criá-lo dentro do espírito do libreto original, mas ligado ao contexto nacional, sob dois aspectos: uma linguagem mais informal e coloquial, como é comum aos brasileiros; e algumas referências à situação político-institucional brasileira. Assim, Cinderella, dividida em dois atos, de certo modo vincula-se a duas diferentes propostas estéticas: na primeira, mais ligada ao conto original, acaba apresentando alguns estranhamentos de linguagem que desnorteiam o espectador adulto mais crítico, sobretudo a partir dos comentários de Sebastian, personagem politicamente incorreto, que funciona como uma espécie de Primeiro-Ministro e tutor do príncipe Topher, vivido com encanto por Bruno Narchi. Já no segundo ato, definida a linha conceitual do espetáculo, o trabalho se desenvolve com maior naturalidade.
No primeiro momento, temos um valente, mas psicologicamente desnorteado príncipe, caçador de monstros e assombrações, a quem sempre vence, sem saber o que ocorre em seu próprio reino, desde que se tornou órfão, sendo que o tutor Sebastian (muito bem interpretado por Rodrigo Miallaret) o manipula despudoradamente, causando a infelicidade dos camponeses.
Cinderella é interpretada simpaticamente por Bianca Tadini e surge como uma jovem explorada e violentada, que aceita sua infelicidade com extrema bonomia, tendo como única amiga a Fada Madrinha encarnada por Ivanna Domenyco, num primeiro momento apenas uma camponesa aparentemente louca, a quem Cinderella defende, mas que depois se revela sua Fada Madrinha, ao atônito olhar da jovem, cujos sonhos acaba por atender, transformando-a na linda jovem que comparece ao baile onde o príncipe deve escolher uma noiva. A madrasta é personificada por Talitha Pereira, de boa presença em cena, sendo suas filhas Thaís Piza, que incorpora a gordinha Gabrielle, e Luana Bichini, que assume a figura de Charlotte, a qual se torna amiga de Cinderella e apaixonada pelo rebelde Jean Michel, na figura de Diego Luri.
Eu diria que o roteiro, tal como se apresenta na versão atual, acaba rendendo um preito ao romance-folhetim de Eugène Sue, Os mistérios de Paris, na medida em que seu enredo coloca, ao lado de Cinderella, a figura do revolucionário proletário Jean Michel, uma contrapartida do jovem Karl Marx, que busca, em vão, advertir o príncipe Topher do que ocorre em seu reino por trás de suas costas, graças à traição do tutor e Primeiro Ministro. Cinderella, que acaba indo ao baile e consegue se aproximar do príncipe, alerta-o a respeito da situação. No segundo encontro, propiciado pelo próprio príncipe, já apaixonado, Cinderella chega a colocar frente a frente o herdeiro do trono e o jovem revolucionário, com o quê se altera todo o enredo que, ao final, faz com que a rebelde Charlotte (alguma alusão ao episódio da assassina de Marat, durante a Revolução Burguesa de 1789, autora do assassinato do revolucionário, enfocada, dentre outras obras, pela peça de Peter Weiss?) se afaste da mãe. O desfecho segue o padrão do final feliz, ainda que não aquele tradicional, na medida em que Cinderella perdoa a madrasta e consegue se tornar uma espécie de conselheira do príncipe.
Na primeira meia hora, o espetáculo desnorteia o espectador. Embora as soluções cenográficas sejam inteligentes e práticas, com a projeção de imagens no telão ao fundo do palco, como já registrei também ter ocorrido quando da apresentação de A bela adormecida, a que assisti em São Paulo, e que comentei neste mesmo espaço, a produção é mais qualificada e os cuidados cenotécnicos são produtivos, em especial com as batalhas do príncipe contra os monstros ou com a projeção do interior da casa da Cinderella.
O elenco é equilibrado e, sobretudo no segundo ato, cresce muito, quando o enredo ganha maior dinâmica. E se a cenografia de Rogério Falcão é um acerto, os figurinos de Carol Lobato são prodigiosos, porque permitem as rápidas mutações de trajes, tanto da Fada Madrinha quanto de Cinderela, com excelentes efeitos. A coreografia de Alonso Barros está bem idealizada e realizada. Por fim, merece especial destaque a dinâmica da trilha sonora: embora, no programa da peça, mencione-se um corpo orquestral de 16 músicos, com direção de Carlos Bauzys, tenho a impressão de que a versão trazida a Porto Alegre, quer por ser a turnê nacional, quer porque o palco do Theatro São Pedro não comportaria o grupo orquestral ao vivo, é uma trilha sonora gravada, não sei se por este conjunto ou sendo a trilha sonora da produção original norte-americana, sem a presença dos coros e dos solistas, que cantam sobre a mesma, com bom som e qualidade musical admiráveis. Aliás, é neste agregado de orquestra, coro e bailarinos, cenografia, figurinos e coreografia que o primeiro ato do espetáculo se encerra com boa qualidade, garantindo, ao mesmo tempo, a adesão do público ao segundo ato que, então, se desenrola com muito bom equilíbrio, aceitando bem, o público, o desvio da história original e acompanhando com interesse o novo enredo proposto.
O espetáculo vale pelo esforço em torno da modernização e renovação do enredo, pela qualidade sempre surpreendente e admirável da versão brasileira, desde os versos ingleses, que Botelho é capaz de adaptar, tornando natural aquilo que, em princípio, é artificial: a passagem de um texto ritmado e rimado de um idioma para outro. Não sei se Botelho acerta sempre em suas liberdades modernizantes e abrasileiradas do texto original que, às vezes, me parecem de um gosto duvidoso, mas é inegável que são funcionais. A produção, contudo, podia dispensar os puxadores de aplausos espalhados pela plateia, como se estivéssemos em um espetáculo do século XIX.
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