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consumo

- Publicada em 04 de Dezembro de 2017 às 08:32

Venda direta é coisa do futuro?

Fabiana aponta a importância da convivência dos diversos canais de venda

Fabiana aponta a importância da convivência dos diversos canais de venda


FREDY VIEIRA/JC
Um vendedor, um cliente e, entre eles, um catálogo. Modelo dos mais tradicionais conhecidos no varejo, a venda direta (aquela feita porta a porta ou em locais de convívio, como no trabalho) dá sinais de que, mais do que um costume de seus avós, pode se tornar um hábito de seus netos. Novas roupagens, mais antenadas às mudanças nos hábitos de consumo nos últimos tempos e, muitas vezes, tendo a internet como aliada, estão dando novo impulso ao segmento, que ganha força no varejo como complemento aos outros canais.
Um vendedor, um cliente e, entre eles, um catálogo. Modelo dos mais tradicionais conhecidos no varejo, a venda direta (aquela feita porta a porta ou em locais de convívio, como no trabalho) dá sinais de que, mais do que um costume de seus avós, pode se tornar um hábito de seus netos. Novas roupagens, mais antenadas às mudanças nos hábitos de consumo nos últimos tempos e, muitas vezes, tendo a internet como aliada, estão dando novo impulso ao segmento, que ganha força no varejo como complemento aos outros canais.
Ainda com imagem de algo antiquado, a venda direta é uma instituição mais do que centenária - se levarmos em conta as vendas de enciclopédias, seria ainda mais velha, com registros do final do século XVIII. A Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas (Abevd) assume a origem do modelo em 1886, quando um vendedor de livros em Nova Iorque percebeu que os clientes compravam seus exemplares apenas em busca dos perfumes que dava de brinde. Para aproveitar a demanda, abandonou as obras literárias e passou a vender apenas as fragrâncias, mantendo o formato de vendas porta a porta.
A decisão daria início à venda direta como conhecemos e, também, à empresa que viria a se tornar a Avon, um dos maiores expoentes do canal até hoje. No Brasil, o destino dos pioneiros foi menos longevo. Ícone do século XX, o famoso catálogo carioca Hermes, que se aventurou pelo segmento via mala direta a partir de 1942, não se adaptou aos novos tempos. Após diversos problemas financeiros e tentativa de recuperação judicial, o grupo teve sua falência decretada em agosto do ano passado.
Embora simbólica, a sucumbência da Hermes, quando vista em relação ao todo, parece mais um ponto fora da curva do que uma tendência. Segundo a Abevd, este mercado movimentou no Brasil, no ano passado, uma significativa quantia de R$ 45,7 bilhões. A Federação Mundial das Associações de Venda Direta (Wfdsa, na sigla em inglês) é mais tímida na estimativa: segundo a entidade, as vendas no Brasil em 2016 teriam sido de R$ 30,3 bilhões, patamar praticamente estável desde 2013, quando rompeu a barreira dos R$ 30 bilhões.
Mesmo estabilizada, porém, a venda direta brasileira segue sendo uma das mais relevantes do mundo. O País, responsável por 4,8% do faturamento mundial, é o sexto no ranking do segmento, atrás apenas de Japão, Alemanha, Coreia do Sul, China e Estados Unidos, este ainda o grande balizador do mercado. As vendas no país da América do Norte chegam a 19,5% do acumulado global.
"Onde tem gente, tem revendedor. O comércio, as redes de lojas físicas não conseguem uma capilaridade com a mesma agilidade que a venda direta oferece", argumenta a presidente executiva da Abevd, Valéria Rossi, sobre um dos principais atrativos do modelo. Até o fim do ano passado, a massa de vendedores chegava a 4,3 milhões de pessoas, pouco mais de 2% da população total do Brasil. Nos Estados Unidos, a força de vendas chega a ultrapassar os 6% dos habitantes.
Não apenas têm à disposição milhões de possíveis "lojas", como as marcas que avançam por esse mercado possuem também um outro diferencial que justifica a persistência do modelo: a pessoalidade na relação de consumo, praticamente inatingível às outras formas de comércio. A venda, geralmente, acontece entre amigos, vizinhos, familiares ou colegas de trabalho, pessoas que possuem algum tipo de laço para além da transação em si.
"Essa é uma natureza do negócio que nos favorece. Por mais que os canais evoluam, ter um produto referendado por uma pessoa da sua confiança não é substituído por outro tipo de comunicação", afirma Luiza Souza, vice-presidente de marketing da Tupperware Brasil. Marca global que chegou a ser sinônimo de potes plásticos no País, a empresa garante nem discutir internamente outros canais de venda.
O mais importante, ao varejo, é estar onde o cliente precisa, e isso inclui, também, a venda direta. "Essa nova geração é desprovida de preconceitos, só quer resolver os seus problemas. Não elimina nada, só acrescenta", afirma a diretora da Estrela Franquias, Fabiana Estrela, sobre a convivência dos diversos canais de venda. Mais recente adepta do modelo porta a porta, a franqueadora das marcas Caverna do Dino e Barriga Verde acrescenta, porém, que é preciso ter diferenciais no atendimento, pois, se não acrescentar nada, a preferência do consumidor será pela compra eletrônica.

Desafio é fugir da predominância dos cosméticos

Andrea comemora a terceira campanha do catálogo Mirandas

Andrea comemora a terceira campanha do catálogo Mirandas


/MIRANDAS/DIVULGAÇÃO/JC
Venda direta, no Brasil, é quase equivalente à venda de cosméticos e produtos de higiene. O setor é realmente importante globalmente, sendo responsável por 29,5% das vendas mundiais em 2016 (perdendo apenas para produtos de bem-estar, com 34,8% de participação), mas em lugar algum iguala o gigantismo daqui. Segundo dados da Federação Mundial das Associações de Venda Direta (Wfdsa, na sigla em inglês), no ano passado, esses produtos corresponderam a impressionantes 82,9% da venda direta brasileira - apenas roupas (6,1%) e produtos de bem-estar (7,2%) também alcançaram pelo menos um ponto percentual.
A boa notícia, segundo a presidente executiva da Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas (Abevd), Valéria Rossi, é que, aos poucos, o bolo vem sendo melhor dividido - há pouco tempo, os cosméticos chegavam a 90% das vendas. "Lá fora, há muita diversificação, e aqui havia falta de oferta de produtos diferentes. Estamos vendo outras categorias optando pelo setor que antes nem existiam, como suplementos alimentares", comenta Valéria, que vê a predominância dos produtos de beleza pelo sucesso das pioneiras. "As maiores entraram por esse canal, e as outras foram chegando, vendo a oportunidade e construindo as suas bases em cima", contextualiza.
"A vendedora acaba vivendo um processo de canibalização", analisa Andrea Eboli, fundadora da Mirandas e ex-executiva da Natura. "Ela pode ter mais catálogos, ter quatro marcas de batom, mas a cliente vai comprar um, não quatro", acrescenta Andrea. Até por isso, após estudo de mercado da venda direta para sua tese de doutorado, a executiva desenvolveu a Mirandas, empresa que ingressou no segmento em 2017 propondo novos rumos ao canal.
Além de diferenças na relação com as vendedoras, o maior rompimento é com um dos principais pilares da venda direta até aqui, a marca única. A Mirandas é calcada no conceito de "marketplace", oferecendo, em um mesmo catálogo, produtos de diferentes empresas e segmentos. Fazendo uma analogia, se a consultora tradicional é uma "loja" da marca a que atende, a vendedora da empresa de Andrea é quase um "shopping center". "Trouxemos a proposta para as empresas testarem seu produto, ver como é a aceitação e aí, no futuro, se quiserem investir em rede própria, já têm o modelo validado", comenta a executiva.
Já na sua terceira campanha, o catálogo da Mirandas passou de 17 para 27 empresas participantes, 60% delas de categorias fora dos cosméticos. "A procura foi uma surpresa até para nós, mostra que havia uma demanda reprimida, e até por falta de conhecimento. As empresas, muitas vezes, nem pensam que a venda direta pode ser uma opção", comenta Andrea, cuja rede conta com cerca de quatro mil vendedores.

Estreantes surgem em busca de multiplicidade de canais

Para Cida, o importante é estar presente no momento e na forma que o cliente desejar

Para Cida, o importante é estar presente no momento e na forma que o cliente desejar


/NATURA/DIVULGAÇÃO/JC
Aos desavisados, o anúncio da Natura de que abriria lojas físicas, comunicado ao mercado em novembro de 2015, parecia decretar o início do fim da venda direta. Afinal de contas, a marca sempre foi um dos baluartes do segmento, e uma possível migração deixaria uma grande lacuna.
O movimento, porém, era na verdade parte de outra tendência que ganhou força nesses dois anos: o da complementaridade de canais, que virou mantra no varejo e, aos poucos, vem engrossando as fileiras da venda direta no Brasil.
"Esses novos canais ajudam a ampliar o acesso dos consumidores aos produtos, e geram demanda também para as consultoras", argumenta a diretora de relacionamento da empresa, Cida Franco, que rejeita a tese de conflito entre as hoje 18 lojas físicas (em São Paulo, Rio de Janeiro e Nova Iorque) e a rede de consultoras da marca. Os espaços, garante, ajudam as revendedoras por se tornarem grandes mostruários do catálogo de produtos, e, mais do que isso, por atingirem outros públicos.
"Lojas e e-commerce atraem público que não necessariamente já esteja com uma consultora. Eles conhecem a Natura pelos novos canais, e depois compram também das consultoras", garante Cida. Por estarem em shoppings, as lojas atingem público das classes A e B, além de jovens, aumentando a gama de possíveis clientes dos revendedores, segundo a diretora.
A ideia em voga é de estar presente no momento e na forma que o cliente desejar. E isso, ao mesmo tempo em que faz com que as empresas de venda direta se aventurem em outros segmentos, também faz com que redes varejistas até então ausentes do canal passem a adotar a venda direta.
"Temos que ser omnichanel, porque o cliente é omnichanel interage com a mesma marca por todos os canais, e não faz distinção entre eles", defende a diretora da Estrela Franquias, Fabiana Estrela, sobre a decisão de entrar no segmento. No caso da empresa, a rede de revendedores está sendo montada junto com os 46 franqueados, que serão responsáveis por áreas de cobertura. A projeção para as lojas não é de diminuição nas vendas. "Estando mais presentes, mais o cliente vai se lembrar da marca, e com mais frequência vai visitar as lojas", comenta Fabiana.
O presidente da Associação Gaúcha para o Desenvolvimento do Varejo (AGV), Vilson Noer, também defende a multiplicidade de canais, e lembra que a venda direta pode gerar dados de hábitos de consumo valiosos às gestões. "Em um mercado rural, por exemplo, podem ser testados produtos diferentes dos vendidos nas lojas, para conhecer melhor a região", exemplifica Noer, que argumenta, porém, que a entrada na venda direta precisa ser bem planejada e inovadora para ter sucesso.

Internet transformou a forma de comunicação entre vendedores e clientes

Para Noer, modalidade ocupa espaço em meio às relações virtuais

Para Noer, modalidade ocupa espaço em meio às relações virtuais


AGV/AGV/DIVULGAÇÃO/JC
Assim como tudo que tange ao varejo, o modelo de venda direta também foi posto em xeque na última década com a popularização da internet. Afinal de contas, ainda que lentamente, o comércio eletrônico ganhou espaço no cotidiano dos brasileiros, e, mais do que isso, seu aparecimento tornou nebulosas as previsões sobre quais seriam os modelos de vendas do futuro. O apocalipse do varejo tradicional não veio, claro, mas deixou impactos que ainda não se sabe se, no longo prazo, jogarão a favor ou contra o canal.
Coordenador do Programa de Administração de Varejo (Provar/FIA), da Universidade de São Paulo, talvez o principal ambiente de estudos do setor terciário no Brasil, Claudio Felisoni aposta em uma relação menos exitosa. "Com o e-commerce, a venda direta está em transformação, muito mais até do que as lojas físicas. A tendência é de encolhimento", argumenta Felisoni. A velocidade do processo só não seria maior porque as grandes empresas do segmento, com muito mais a perder, postergariam ao máximo o conflito de canais. O pesquisador projeta, porém, que o modelo sofra mudanças, mas sem deixar de existir.
Entre as empresas, o discurso é mais otimista. O argumento é de que, com a facilidade na comunicação, a internet, na verdade, mais ajuda do que atrapalha. As mudanças, porém, já estão ocorrendo. "A tecnologia é uma veia central para expandir o negócio. O modelo como era há 10 anos perdeu relevância frente ao e-commerce", concorda Cida Franco, diretora de relacionamento da Natura.
Entre os principais personagens da venda direta no Brasil, a empresa de cosméticos introduziu, nos últimos dois anos, ferramentas como aplicativos, redes sociais e loja virtual, em versões tanto como suporte às consultoras quanto para alcançar novos clientes. Mais do que isso, a empresa utiliza a rede como forma de capacitar as vendedoras, algo até então muito mais complicado em um país continental. Mais de 70% do 1 milhão de treinamentos realizados em 2017 já foram pela via digital.
"Houve a disseminação da prática, as marcas utilizando essa ferramenta como forma também de diminuir custos, pois antes se usava muito o telefone", complementa a presidente executiva da Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas (Abevd), Valéria Rossi. Na Tupperware, a visão é de que a tecnologia reforçou as redes sociais já existentes há anos entre vendedores e clientes. "Não temos planos de investir em e-commerce, por exemplo, mas as consultoras já praticam uma espécie de e-commerce, ampliando o alcance das suas redes", comenta a vice-presidente de marketing da empresa no Brasil, Luiza Souza. Vídeos e postagens da empresa, por exemplo, já são pensados para que sejam replicados pelas vendedoras, que ainda possuem canais diretos para opiniões sobre lançamentos, por exemplo.
O próprio comércio eletrônico, para as companhias, é visto mais como aliado do que como rival. A diretora da Estrela Franquias, Fabiana Estrela, por exemplo, vê a difusão do e-commerce como um formador de público, inclusive entre os jovens. "Não tínhamos cultura de comprar sem ter o produto na mão. O crescimento do e-commerce nos ensinou a comprar à distância", argumenta a executiva, que deu início a ambos os canais (eletrônico e venda direta) em 2017.
Até mesmo o caráter analógico, digamos assim, teria virado a curva e já estaria dando um novo impulso ao segmento. "Vivendo hoje em mundo com muita tecnologia, as empresas começam a enxergar que o consumidor gosta de contato pessoal", analisa o presidente da Associação Gaúcha para o Desenvolvimento Varejo (AGV), Vilson Noer. A venda direta, na visão de Noer, seria vista como uma oportunidade para ocupar esse espaço que surge pelo cansaço da relação eletrônica de uma parcela dos clientes.

Novo dimensionamento

A Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas (Abevd) realizou um estudo sobre o mercado nacional de vendas diretas, com vistas a dimensionar o seu tamanho. A pesquisa contou também com a aplicação de nova metodologia, com o objetivo de aprimorar o processo de levantamento de dados.
Com o dimensionamento, foram avaliadas 11 categorias principais de produtos seguindo a classificação internacional da Wfdsa - World Federation of Direct Selling Associations.

As categorias e suas participações no total de vendas são:

  • Cosméticos, perfumaria e higiene pessoal: 40,4%
  • Vestuário: 11,8%;
  • Acessórios: 10,3%
  • Alimentos: 6,6%
  • Cuidados da casa: 6,1%
  • Utilidades domésticas: 4,6%
  • Livros, brinquedos, CD, DVD, software, games: 4,1%
  • Telefonia, internet, TV por assinatura: 3,3%
  • Serviços de reforma da casa (sistema de segurança, aquecimento, refrigeração, reformas etc.: 3,3%
  • Produtos financeiros (títulos de capitalização, seguros, investimento, cartão de crédito etc.): 2,7%
  • Vinhos, comida congelada: 2,3%
  • Outros: 4,4%
Os dados do primeiro quadrimestre de 2017 ainda trazem um cenário de dificuldade comparando-se com 2016.