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Teatro

- Publicada em 26 de Outubro de 2017 às 22:26

Verdade e emoção

Isso é tão raro que, só por terem concretizado tal iniciativa, os jovens da Trama Coletivo de Teatro, de Porto Alegre, já merecem respeito e aplausos. Falo a respeito do espetáculo Aos sãos, que Thaís Andrade dirige, e cujo título sugere, desde logo, certa ironia que se confirma depois, quando a gente assiste ao espetáculo de pouco menos de uma hora de duração, mas suficiente para funcionar como uma espécie de soco na boca do estômago do espectador: tanto isso é verdade que, quando a luz apaga, ninguém consegue iniciar os aplausos de agradecimento para o grupo.
Isso é tão raro que, só por terem concretizado tal iniciativa, os jovens da Trama Coletivo de Teatro, de Porto Alegre, já merecem respeito e aplausos. Falo a respeito do espetáculo Aos sãos, que Thaís Andrade dirige, e cujo título sugere, desde logo, certa ironia que se confirma depois, quando a gente assiste ao espetáculo de pouco menos de uma hora de duração, mas suficiente para funcionar como uma espécie de soco na boca do estômago do espectador: tanto isso é verdade que, quando a luz apaga, ninguém consegue iniciar os aplausos de agradecimento para o grupo.
Não há referência ao material primário que o grupo pesquisou, mas é muito provável, pelos dados referidos quase ao final da encenação, que a inspiração é o livro da jornalista Daniela Arbex Holocausto brasileiro (Geração Editorial, 2012), a respeito do manicômio de Barbacena, que já deu inclusive filme de longa-metragem (a instituição foi criada em 1903; em 1930 começou a sofrer superlotação; em 1960, tinha mais de 5 mil presos - sim, esta é a única denominação que se pode dar àquelas vítimas de um sistema cruel, vingativo e desumano que imperou na alimentação no manicômio: cerca de 16 pessoas morriam por dia, ali, e seus cadáveres eram negociados com universidades e faculdades de medicina...)
O texto que serve de base para Aos sãos é uma criação coletiva de todo o elenco: Bruna Casali, Juliana Wolkmer, Luiz Manoel Oliveira Alves, Rafael Bricoli, Raíza Aules Rolim e a própria Thaís Andrade. É uma turma bem jovem e muito idealista. Ainda tem muito a aprender pela frente, em todos os sentidos. Mas com toda a certeza, nós temos muito mais a aprender com eles. Fazia muito tempo que não tínhamos a oportunidade de assistir a um trabalho que, de um lado, traz certa ingenuidade de criação (como o motivo dramático que leva a personagem de Maria de Jesus ao manicômio, que busca aproveitar o contexto de corrupção atual), que desenvolve uma situação até certo ponto forçada para justificar o aprisionamento da mulher; mas que, de outro, evidencia o acerto de se desenvolver uma criação coletiva, na medida em que tal processo permitiu que o espetáculo fugisse a um trabalho apenas realista e documental, tornando-se, em vários momentos, altamente poético, emotivo e envolvente, distanciando-se, assim, acertadamente, do discursivo e simplesmente denunciativo. Ao longo daquela quase uma hora de encenação, os registros mudam a todo o momento, não permitindo que o espectador se acomode, porque provocam uma proximidade que obriga a plateia a se posicionar, mesmo que íntima e subjetivamente, o que se verifica ocorrer, de fato, com o silêncio constrangido que marca o final do trabalho.
A trilha sonora de Maithan Timm Krabech é interpretada ao vivo, num violão, o que sensibiliza cada cena e a humaniza; a iluminação é da própria Thaís Andrade, eficiente; e os figurinos de Sandra Amorim ajudam a resolver um problema técnico que poderia ter se tornado comprometedor ao espetáculo: haveria necessidade de mais atores em cena. Felizmente, contudo, a rápida troca do figurino, colocando-se ou tirando-se uma peça por cima de outra, resolveu a situação e permite um rito continuado ao trabalho e a alternância entre as figuras dos internos e dos enfermeiros ou outros funcionários da instituição. O elenco é equilibrado, não se apresenta discursivamente, ainda que um ou outro dos intérpretes ainda necessite de maior naturalidade na impostação de voz, o que se explica pelas estreias que ocorrem. De qualquer modo, tudo é tão convincente que não chega a atrapalhar. Não é por nada que o espetáculo ganhou o Prêmio revelação de 2016 para a própria encenação e a direção. O grupo mostra garra e mostra consciência quanto à função da arte numa sociedade doente e omissa como a nossa. É esta verdade do grupo e sua concentração no esforço de dizerem algo, com veracidade, que emociona e faz com que a gente adira ao espetáculo.
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